Apesar de discutir temas importantes (ética, moral, ontologia, epistemologia etc), hoje, no início do século 21, a filosofia é "vendida" como algo muito complexo ou até meio místico pelo meio acadêmico/ científico. Isto serve para monopolizar conhecimento, dificultando o acesso ao saber; assim não se discute as bases filosóficas das ciências, nem seus métodos. Como consequência deste embargo ao acesso à filosofia e à divulgação da filosofia, as ciências tornam-se dogmáticas: Ignora-se a influência da "visão de mundo" sobre os pressupostos da ciência, assim como ignora-se a falta de evidências na questão da relação Mente/ Corpo. Ignorar tais fatores que ficam entre a opinião, a filosofia e a ciência, esconde os objetivos de variados estudos e as intenções por trás destes, além de reduzir os campos a serem estudados: por exemplo, quando determinados cientistas de qualquer área assumem uma visão de mundo onde a mentalidade humana é reduzida ao sistema nervoso, propaga-se a opinião da inexistência da alma como se isto fosse um fato comprovado. Desta forma, pode-se alegar até mesmo a inexistência da mente como algo abstrato, reduzindo-a meramente ao cérebro, fazendo com que a psicologia fique dependente de áreas como a neurologia e/ ou a (psico) farmacologia. Porém tal comprovação não existe: é só uma opinião transformada em dogma, pois na verdade, a teoria da mente, seja chamada de teoria mente/ corpo ou mente/ cérebro, é uma questão em aberto... Ao menos até este ano de 2023.
Um Breve Olhar Histórico sobre a Filosofia:
Na antiguidade, particularmente na "Grécia Clássica", a filosofia não era tão fechada.
A filosofia surge no ocidente com os naturalistas (filósofos "pré socráticos") das antigas cidades estado helênicas (Grécia) e suas colônias. Estes filósofos geralmente explicavam o cosmos e a natureza; Seus argumentos contrariavam e/ ou libertavam o conhecimento em relação à mitologia e à antiga religião politeísta repleta de explicações míticas. Por isso os filósofos são considerados precursores dos cientistas;
Pitágoras (570 aC - 495 aC) - Abordou música, matemática, religião e cosmologia e como alguns outros filósofos de seu tempo, talvez foi influenciado por outras culturas (egípcia, mesopotâmica etc);
A sociedade, ou escola, pitagórica era mística/ religiosa, mas também filosófica/ pré científica - aceitava mulheres diferentemente da maioria da sociedade helênica; Sua religião parecia o orfismo, mas voltada à Apolo ao invés de Dionísio (Baco). Diferente da religião popular "grega" de sua época, o pitagorismo, assim como o orfismo, aceitava a transmigração das almas, um tipo de reencarnação semelhante a de outras culturas (hindu, celta, espírita etc).
O Ser - o que é - proposições ontológicas
A questão do ser (ontos, em grego) foi discutida na filosofia ao longo dos anos. Basicamente entende-se 3 possibilidades sobre o ser:
o ser é;
o ser está sendo ou ser é devir, vir-a-ser;
o ser não é ou nada é (niilismo);
Tais estudos filosóficos faziam questões como "O que gerou o cosmos é ou está sendo?"
Parmênides de Elea (530 aC - 460 aC) explicava que o (verdadeiro) Ser é puro positivo - uno, imutável... Isto tem semelhanças com O Deus único das religiões judaico-cristãs etc.
Sócrates e Platão seguem um pouco destas idéias; Em variados textos de Platão aparece a palavra Theos (com maiúscula) provavelmente referindo-se a Deus como único, supremo. O conceito de Nous também aparece em alguns trechos da obra de Platão, como a Mente que criou o universo, certamente uma influência de filósofos naturalistas (pré socráticos; como por exemplo, o filósofo greco-persa Anaxágoras, citado nas obras platônicas).
Os sofistas
Os sofistas vão surgindo pouco depois dos filósofos naturalistas/ pré socráticos, possivelmente aproveitando-se do questionamento da religião politeísta popular da "Grécia" clássica/ antiga.
Para os sofistas, a filosofia era retórica e chamavam de dialética a "arte" dos discursos (persuasão e oratória). Isto porque eram relativistas extremistas. Pareciam humanistas por trazerem a filosofia da natureza para a vida pública, mas eram individualistas pois ignoravam o conteúdo buscando apenas convencer seus alunos e clientes: O ensino sofista era comercial e propagava a inexistência do bem e do mal - tudo depende de cada um.
A Filosofia Socrática
Em Atenas, pólis (cidade estado) helênica onde se inventou a (pré) democracia, a filosofia (ocidental), a ciência, o teatro e a poesia, Sócrates (470 aC - 399 aC) "ensinou" filosofia oralmente e acabou condenado à morte pelos democratas por "corromper" a juventude; Ele e seu pupilo, Platão (428 aC - 347 aC), são considerados os fundadores da filosofia ocidental, certamente porque as obras de filósofos anteriores sobreviveram apenas em fragmentos, "preparando o terreno".
A historicidade de Sócrates se dá pelo seu discípulo, Platão; por Xenofonte, Aristófanes etc;
Sua filosofia é Sócratico-Platônica, pois é difícil de estabelecer uma fronteira entre Sócrates e Platão; Esta filosofia, não só valoriza a razão, o saber, mas notoriamente trata da Ética - o que é ética, o que é o bem e o mal; a moral e como o ser humano deve se comportar para ser feliz. O que é agir bem e a busca da virtude; Sócrates (e Platão) racionalizou e questionou sobre o assunto;
O Método socrático: Era constituído do diálogo e da maiêutica (o parto das idéias); Extraía o saber através de perguntas ao interlocutor e frequentemente desconstruía ideias respondidas; O ponto de partida, que pode ser considerado o pressuposto da filosofia socrática, é a Presunção da ignorância - o início de toda (busca da) sabedoria/ conhecimento é a ignorância;
Sócrates buscava o conceito único de virtude, de justo (ou do bem, do bom) e isto pode ser considerado a ontologia (a busca pela qual melhor maneira das coisas serem, como indicado no diálogo Fedon 96 b-e, 97 a-e, 98 a-b) de sua filosofia, embora alguns autores mais atuais possam classificar a finalidade do estudo de teleologia; Por causa de sua busca, ou da finalidade de sua filosofia, Sócrates usava a maiêutica: Para provocar, ou mais especificamente fazer o interlocutor "parir" o que está na psiquê de todo o ser humano (certamente na inconsciência em muitos casos)! Por isso Sócrates não é relativista nem determinista, ele não ensina nem insere conhecimento algum nas pessoas: O filósofo ajuda o interlocutor a trazer à tona a divindade do ser, ou a noção do bem.
Isto é "existencialista" muito antes do existencialismo do século 20 e também é similar à ética espírita (e cristã), só que cerca de 1200 anos mais antiga do que a filosofia de Kardec.
Buscando trazer a tona o bem, o belo, a justiça (a virtude) racionalmente, Sócrates pode ser considerado pesquisador da ética;
Para falar do conhecimento mais inacessível, o filósofo usava os mitos, mas mudando muitos destes, priorizando a justiça, a virtude, o autocontrole e ideias similares... Além disto, ao menos para os padrões de sua época, Sócrates mostrou-se igualitário, pois dialogou com escravo em Menon, criticou aqueles que buscavam prioritariamente enriquecer em Hípias (Maior) e Apologia; Aprendeu com mulheres (Aspásia e/ ou Diótima, como mostra a obra "O Banquete") e Platão seguiu estas ideias socráticas em "A República", por exemplo.
Ambos (Sócrates e Platão) deserotizam o amor, priorizando a amizade (filia), o amor à justiça e ao bem também priorizando a psiquê/a alma ante o corpo; Também criticaram o naturalismo (que era mais materialista) e a sofística (o relativismo típico dos sofistas, que afirmava que não há verdade e tudo é construção humana/ social. Conforme este reducionismo bem e mal eram meras convenções);
Platão era mais aristocrático e mais adequado à sociedade do que Sócrates; Não vivia como seu mestre, na pobreza material em um "estilo" de vida minimalista.
Sócrates adentrava os altos círculos sociais com seus diálogos que praticamente batiam de frente com os grandes influenciadores da elite grega. Já Platão, foi mais construtivista do que seu mestre, certamente buscando mais as soluções políticas.
Na obra Fedro, Platão mostra Sócrates criticando a escrita. Apesar disto, Platão era bom escritor e não só filósofo; Teve cerca de 4 fases com total de 47 obras:
1. fase mais descrita, dialética - bem socrática;
2. intermediária - mais reflexiva, talvez com influência pitagórica;
3. Grandes diálogos - trabalha ideias, busca de perfeição;
4. Tardia: discute grandes autores e ideias;
O Aspecto Mental na Filosofia: Mais verdadeiro e mais perfeito do que o sensorial
O mundo das ideias descrito por Platão é o "mundo" de "eidos" (formas, mais perfeitas/ verdadeiras, que a alma encontra); Não é tão abstrato quanto o conceito romano de ideia certamente propagado após difusão do idioma latim, tanto é que a palavra eidos é tratada como um meio termo de forma e ideia. Um possível uso mais atual da palavra eidos é como sinônimo de tipo;
Díade (princípio indeterminado, matéria inteligível) e Uno (praticamente Deus) formam o mundo das ideias; A psique (alma/ mente) é eterna pois é de natureza divina, por isso só com ela se acessa as verdades;
Na obra Fedon, Platão descreve a morte de Sócrates, que recomenda aos seus discípulos que não chorem, mostrando indiferença para com o que fariam com seu corpo. Esta era uma maneira inédita de encarar a morte nas cidades-estado gregas, sem conotação de tragédia, de maneira quase alegre. Durante todo o livro, Sócrates está em diálogo com seus discípulos e o tema é justamente a questão da morte e a imortalidade da psique (alma). Sócrates se depara com argumentos de uma filosofia materialista, no entanto, ele observa que tais argumentos, típicos dos filósofos naturalistas, não comportavam a explicação de todos os problemas e de toda realidade, pois deixava de lado a dimensão espiritual do ser. A realidade física não é a totalidade das coisas que são, mas a totalidade das coisas que parecem ser (o sensorial, que Platão chama de sensível). Existem coisas que não são compreendidas apenas sensivelmente, mas pela razão e pela intuição. A realidade é, em um 1º nível, perceptível/ sensível, mas há um (2º) nível além: o invisível, o inteligível.
O Mito da caverna de Platão: Esta famosa história, mostra prisioneiros acorrentados dentro de uma caverna que viam só as sombras projetadas no fundo deste lugar; Os personagens só discutiam as sombras como se fosse toda realidade até que um dos prisioneiros escapa da caverna e, ao sair para a superfície iluminada pelo Sol, ficou ofuscado por um tempo, mas em seguida admirou-se com a realidade menos deplorável do que sua prisão: enxergava cores, imagens refletidas na água, além das coisas em si, com seu volume sob a luz do Sol (etc), coisas praticamente inexistentes dentro da caverna. O ex-prisioneiro então voltou à caverna e tentou convencer os prisioneiros da caverna para fugirem da de lá, mas fracassou; Tal mito não só mostra a superioridade da psique em relação ao corpo, pelo fato desta acessar conhecimento, mas também dá indícios de sua teoria de eidos comentada há pouco. Particularmente vejo no Mito da Caverna de Platão até uma vaga semelhança com o conto Flatland - A Romance of Many Dimensions, de Edwin A. Abott (1838-1926) e reproduzido posteriormente por Carl Sagan (1934-1996).
Resumo sobre a vida de Platão e seu legado
A vida de Platão não foi muito mais fácil do que a de seu mestre Sócrates. O filósofo tentou implementar algumas de suas ideias no governo das polis helênicas, mas praticamente não obteve êxito e teve que fugir de perseguições e ameaças algumas vezes. Como continuador da obra de Sócrates, obviamente o platonismo devia incomodar os poderosos avarentos, gananciosos e hedonistas. A Academia de Platão perseverou por alguns séculos até ser destruída pelos romanos em 86 a.C.
O mais famoso pupilo de Platão, Aristóteles (384 aC - 322 aC), nomeia o supra sensível (baseado em Platão; de Deus), mas separado do ser da substância; Para ele Deus é causa e o princípio de tudo. O estudo do ser foi substancial para Aristóteles - A ontologia; Sua Metafísica estuda o que pode transcender/ alcançar Deus: estuda a origem e essência dos seres (humanos, seres divinos, Deus, almas); No sentido clássico esta é a metafísica Aristotélica: uma investigação da realidade que transcende a natureza;
Entende-se que Aristóteles tenha valorizado mais o estudo sensorial/ da natureza "material", diferentemente de seus antecessores Platão e Sócrates. Talvez este fato tenha relação com a aceitação de Aristóteles por parte dos poderosos da Grécia: Ao invés de perseguido como Platão ou condenado como Sócrates, Aristóteles foi aceito por Filipe II da Macedônia, como tutor de Alexandre o Grande: Com a filosofia aristotélica relegando o mundo de eidos/ das ideias a uma importância inferior ao mundo sensorial, talvez a psiquê deixava de ser mais importante que o mundo sensorial, então poderia ser mais tranquilo ser menos justo, ou até mesmo ser sedento por poder e inconsequente, sem ter que se preocupar com o destino da alma. Ainda assim, nem tudo foi "flores" para Aristóteles: Após a morte de Alexandre, o movimento anti macedônico na Grécia tornou-se uma ameaça e o filósofo fugiu.
Enfim, os sucessores de Platão não foram precisamente fiéis aos ensinamentos de seus mestres: Os céticos entendiam Sócrates apenas como questionador (e talvez humilde, mas não pareciam entender como construir conhecimento ou buscar a verdade e o bem); Os cínicos entendiam só o desprendimento de bens materiais e das regras sociais; Assim, o platonismo possivelmente foi perdendo força após a expansão de Roma (alguns imperadores eram simpáticos ao platonismo, como foi o caso de Marco Aurélio, já outros perseguiram os filósofos) e com a expansão do cristianismo (particularmente da igreja católica) após século 5, o platonismo praticamente desaparece da Europa até o século 15, quando filósofos precursores da renascença propagam suas teorias mais uma vez na história.
"Fontes":
https://nea-ekklesia.blogspot.com/2023/11/filosofia-teoria-mente-corpo-e-o.html
https://nea-ekklesia.blogspot.com/2023/11/filosofia-teoria-mente-corpo-e-o_01035175189.html
Fedon - Diálogos III, Edipro; tradução de Edson Bini
Roteiro de estudos do Curso de Pedagogia Espírita, Universidade Livre Pampédia; Alexandre Cesar Bigheto
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