Na parte tratada anteriormente, Teeteto e Teodoro, que acreditavam que o conhecimento era essencialmente sensorial, encontram Sócrates. Sócrates, Teeteto e Teodoro discutem então a teoria de Protágoras que afirmava que o "homem é a medida de todas as coisas", teoria esta que tinha similaridades à de Heráclito (de que tudo está em constante movimento). Sócrates refuta vários pontos desta(s) teoria(s), indicando a necessidade e a existência do repouso, da unidade, da totalidade, a insuficiência do uso exclusivo dos sentidos na construção do conhecimento etc. Também indicando que a verdade não é particular de cada ser humano, e a necessidade da busca de uma justiça universal, esta que por sua vez, não só faria bem ao estado e todos seus componentes/ integrantes, como também indicaria a existência de uma realidade divina ou de um "Theo" (possivelmente o Demiurgo, ou talvez Nous).
Após isso, para definir o conhecimento, Sócrates tenta utilizar comparações com linguagem figurada: por exemplo, a psiquê como cera de vela moldável para aprender, entender e guardar o conhecimento, depois a comparação da mesma com uma gaiola onde se prendem pássaros como se fossem conhecimentos etc.
Insatisfeito com os resultados, Sócrates continua sua investigação junto a Teeteto. Teeteto então diz que ouviu uma explicação de que o conhecimento é a opinião verdadeira associada ao discurso racional. Sócrates, por sua vez, diz que costumava ouvir (ou sonhar com) certas pessoas sustentarem que os elementos primordiais dos quais tudo e todos são compostos não admitem qualquer explicação racional. Cada um desses elementos é passível apenas de ser nomeado, não sendo possível nada mais dizer dele, ou que ele é ou não, uma vez que isso seria adicionar-lhe existência ou não existência. Na verdade nenhum termo que implica multiplicidade devem ser adicionado a tais elementos primordiais (como "essa", "cada um" etc) porque tais termos se distinguem das coisas às quais são adicionados. Enfim, tais elementos não podem ser explicados racionalmente e só podem ser nomeados. Porém as coisas compostas por esses elementos são complexas, o que transmite complexidade aos seus nomes, que por sua vez formam uma explicação racional. Assim, a associação dos nomes é a essência do discurso racional.
A partir daí, Sócrates conclui que quando alguém atinge a opinião verdadeira sobre alguma coisa dissociada do discurso racional, sua psiquê/ alma passa a deter a verdade no tocante a essa coisa, mas não detém conhecimento. Aquele que é incapaz de fornecer e receber uma explicação racional de algo, carece de conhecimento dele.
Para explicar o elemento primordial, Sócrates o compara com as letras: As letras formam sílabas pronunciáveis portanto explicáveis; porém a letra em si, é o símbolo que representa uma vogal ou consoante que por ela mesma não apresenta explicação racional, referindo-se ao som puro.
A seguir Teeteto e Sócrates investigam a soma, os números que a compõem e o resultado da soma; tais números seriam as partes da soma, mas a soma em si, é a combinação destas partes. Eles começam utilizando os termos "pan" para soma e "holon" para o todo, este último é o total numa forma autônoma. Apesar desta distinção inicial, eles concluem que a soma (de quaisquer números/ quantidade) é sinônimo de todo, ou seja, a soma é um resultado que forma algo completo autônomo, independente. Com tal explicação, esta soma/ todo não seria divisível, pois teria formado algo autônomo, novo etc.
Esta investigação e suas explicações são bastante incomuns e possivelmente complexas. Apesar de soar estranho alegar que a soma/ todo não é divisível, tal explicação serve para alguns casos ou objetos de estudo da ciência: Um possível exemplo seria um corpo de um ser vivo, seja animal, planta ou qualquer outro é constituído de células, que por sua vez são constituídas de moléculas, que por sua vez são constituídas de átomos e por aí vai. A partir destas observações, imaginemos uma planta toda dividida nestas partes microscópicas. Se juntarmos essas partes microscópicas, será possível reconstruir a planta exatamente como era antes de sua divisão? Apesar de não ser botânico nem físico, eu arrisco afirmar que não seria possível. Talvez com algum desenvolvimento científico/ tecnológico gigantesco e/ ou maior do que temos neste início de século 21. Mas voltando à explicação do todo autônomo e suas partes, creio que foi mais ou menos o que exemplifiquei que Platão tentou explicar.
Parece que tal estudo não tem implicação científica, mas em alguma construção de conhecimento importante eu sei que tem: Na psicologia, seja ela ciência ou filosofia. Foi por causa de discussões (não iguais, mas) semelhantes a esta, que surgiu a frente fenomenológica da psicologia. Foi uma necessidade para além da psicologia experimental, da psicanálise e do behaviorismo que apesar de terem suas respectivas utilidades, apresentaram visões deterministas do ser humano, e, em algum caso até reducionistas pelo fato de se apoiarem no materialismo e/ ou no biologismo. Abordagens da frente fenomenológica da psicologia, trabalham conceitos como a totalidade do paciente, buscam respeitar relatos do paciente, independentemente de cosmovisões e pressupostos, considerando-os como possibilidades para o tratamento e, portanto, para a construção de conhecimento humano também.
Continuando o diálogo, Sócrates diz: (...) "declararemos que os elementos, enquanto uma classe, são muito mais claramente conhecidos do que compostos e que oferecem um conhecimento muito mais importante para a completa consecução e domínio de cada ramo de estudo. E se alguém afirmar que o composto, por sua natureza, é cognoscível ao passo que o elemento é incognoscível, consideraremos que tal pessoa está, intencional ou não-intencionalmente, gracejando."
Apesar de aparentar algum avanço no estudo sobre o que é conhecimento, Sócrates em seguida questiona a definição encontrada, pois uma suposta indivisibilidade no exemplo da formação dos nomes/ palavras poderia ser encontrada tanto na sílaba (por se tornar o "todo autônomo") como na letra singularmente que é naturalmente indivisível. O conhecimento também não poderia ser somente ter uma opinião verdadeira sobre uma experiência em particular e explicá-la racionalmente, nem apresentar uma explicação meramente das partes de um todo. Com esse e alguns outros questionamentos, Sócrates, não chega a um resultado definitivo sobre o que é conhecimento, dizendo à Teeteto:
"Se depois dessa experiência, no futuro tentar conceber outros pensamentos, Teeteto, e realmente os conceba, estarás grávido de melhores pensamentos do que esses por causa da presente investigação; E se permaneceres estéril, te mostrará menos duro e mais afável com teus companheiros, pois estarás munido da sabedoria de não pensar que sabes aquilo que não sabes."
O filósofo conclui que não sabe o que os "grandes homens" do presente e do passado conhecem e que sua arte é capaz de realizar o efeito que gerou em Teeteto: enquanto a mãe de Sócrates tratava das mulheres com a "arte de parir" (crianças), ele tratava dos jovens que exibem beleza (certamente "kalos", a beleza mais que física - psíquica e moral).(*)
O diálogo termina com Sócrates se retirando para responder formalmente seu acusador, Meleto.
(*)Tratar dos jovens seria a educação ética proposta por Platão e em grande parte baseada na maiêutica de Sócrates.
Platão traça algumas observações sobre o conhecimento, mas não dá uma resposta definitiva sobre o que é o conhecimento (episteme) em si. Isto pode ser decepcionante em algum nível para quem esperava uma conclusão, porém na obra Sofista, que é praticamente a sequência deste diálogo, ele toca no assunto novamente, mas com uma ênfase no ser/ existir. Na obra seguinte então, fica claro que Platão tem uma preocupação mais psíquica e moral/ ética do que simplesmente definir o que é conhecimento sem tratar da psiquê humana e tratar sobre a existência.
Platão não poderia ficar meramente preso à opinião humana, nem à relatividade da realidade observável sensorialmente, pois buscou se pautar nas excelências ou virtudes - os valores universais, ou em termos mais utilizados atualmente, na ética.
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