Questões de Indivíduo e de Coletivo

 

Prelúdio: Discursos Contraditórios e Manipuladores nas Religiões

Para abordar um problema possivelmente complexo envolvendo "individualidade e coletividade", começarei com o típico conflito entre religião e ciência.

Na "revista espírita/ jornal de estudos psicológicos" de maio de 1862, O fundador do espiritismo, Allan Kardec, (recebeu e) publicou a seguinte carta de autoria de um indivíduo que se identificou como "Gauzy": 

"Li com muita desconfiança, direi mesmo com o sentimento de incredulidade, vossas primeiras publicações sobre o Espiritismo. Mais tarde as reli com enorme atenção, bem como as vossas outras publicações, à medida que apareciam. 

Devo dizer sem preâmbulo que eu pertencia à escola materialista, porque de todas as seitas filosóficas ou religiosas era a mais tolerante e a única que não tomava armas para a defesa de um Deus que disse pela boca do Mestre: “Os homens provarão ser meus discípulos amando-se uns aos outros”. Depois, porque a maioria dos guias que tem a Sociedade para inculcar nos espíritos jovens as ideias de moral e de religião, pareciam mais determinados a lançar o pavor nas almas do que ensinar-lhes a bem se conduzirem e a esperar uma recompensa aos seus sacrifícios e uma compensação às suas aflições. 

 Assim, os materialistas de todas as épocas, e principalmente os filósofos do século passado, a maioria dos quais ilustram as Artes e as Ciências, aumentaram o número de seus prosélitos, à medida que a instrução emancipava as criaturas. Preferiu-se o nada aos suplícios eternos. 

É natural que o infeliz compare. Se a comparação lhe for desvantajosa, ele duvidará de tudo. Com efeito, quando vemos o vício na opulência e a virtude na miséria, se não termos uma doutrina raciocinada e provada pelos fatos, o desespero apodera-se da alma, perguntamos o que é que se ganha em ser virtuoso, e atribuímos os escrúpulos da consciência aos preconceitos e aos erros de uma primeira educação." (...)

O correspondente continua explicando que aceitou o espiritismo porque este procura explicar fenômenos sem as contradições absurdas e as condenações tão comuns no meio religioso. 

Aqui não vou avaliar as qualidades ou defeitos do espiritismo. O fato mais importante da carta de Gauzy é mostrar que muitas pessoas deixaram o cristianismo na Europa dos séculos 18 e 19 por causa de certas contradições na igreja. Estas contradições obviamente são propagadas por pessoas em posição de poder dentro do meio religioso - não se trata de uma propagação feita pelo povo, nem pelas massas dos fiéis. 

A religião/ a espiritualidade geralmente faz parte de uma "visão de mundo", de uma cosmovisão que toda pessoa tem. Isto pode ser notado na história - Cada cultura da humanidade tem uma visão de mundo diferente entre si porque o ser humano se organiza em sociedade/ em coletivos, e cada indivíduo é afetado por esta, mas pode alterá-la com suas próprias interpretações devido suas experiências particulares. 

Contradizer os ensinamentos de amor e piedade propagados por Jesus, defendendo a utilização de armas, e portanto, de violência, pode ser feita por qualquer indivíduo interesseiro, mas quem espalhou tal tipo de mentira por séculos? Os chefes das igrejas (bispos etc) fazem isto no mínimo desde a Idade das Trevas (séc 5...) 

Propagar medo através de discursos de penas eternas, inferno e coisas similares é ato de quem nas religiões? Isto é realmente diferente de um discurso condenatório ou limitador? Quem ao invés de propagar a partilha do alimento, a solidariedade, a piedade, o amor, a humildade, prefere deixar os cristãos amedrontados? Eles novamente: os líderes, os religiosos em posição hierárquica, no mínimo, em posição de autoridade sobre os coletivos de fiéis. 

Diante tal cenário, as pessoas que buscam viver os ensinamentos de Jesus em algum nível (os cristãos, por exemplo), tem poucas opções: Uma é continuar cristão. Neste caso, ou ele vira um cristão independente de igrejas (algo muito raro durante o século 19, época de Kardec), ou ele contradiz o que entendeu de Jesus Cristo e passa aceitar os absurdos de seu líder corrupto. Outra opção é se afastar, buscar outra "visão de mundo". É aí que se encontrava Gauzy - Diante as contradições apresentadas por líderes picaretas, ele havia se tornado materialista que é praticamente um ateísmo e um abandono da visão de que possa existir algo além da mera vida material. Ele passou a negar tudo que não era perceptível sensorialmente, o que é uma reação intensa que extrapola a religião/ o cristianismo - é uma aversão à TODA religião / espiritualidade, uma visão de mundo reducionista, que nega o desconhecido para os sentidos. 

Esta reação exagerada (um "over react") continuou a ocorrer na história da humanidade após o século 19. Cada pessoa pode ter sua cosmovisão ou visão de mundo, mas não é algo ético tentar forçá-la sobre os outros, seja através de ameaças, ou através de métodos mais sutis, como disfarçar sua opinião de alguma forma de conhecimento/ de saber. Utilizar-se de um meio do qual as pessoas esperam alcançar a verdade (ou alguma verdade) para propagar a própria opinião e/ou realizar discursos manipuladores é algo que se espalhou para além da religião já na época desta carta (século 19). E se os discursos/ argumentos mentirosos se propagam, eles podem causar estragos a nível social coletivo das mais variadas maneiras.

160 anos depois ainda temos a propagação de discursos contraditórios e manipuladores 

Ano passado (2022) me entregaram um jornal de uma das inúmeras igrejas evangélicas da capital paulista e eu dei uma olhada para ver do que se tratava as matérias. 

De fato eu não esperava muita coisa, talvez por preconceito, talvez porque eu tivera uma rápida conversa com um pastor daquela igreja que apareceu em um centro de acolhida que eu visitava regularmente. O que eu vi no jornal foi os seguintes tipos de discurso: Que atualmente as pessoas estão se perdendo em questões externas, que olham muito para o que está acontecendo ao seu redor, ou pelo mundo; Por causa disto, as pessoas não prestam atenção em si mesmas, não dedicam tempo a si mesmas; 

Até aqui, há uma verdade (possivelmente vaga) nestes argumentos pouco embasados e pouco conclusivos, porém o seguinte tipo de discurso completava estes dois, mostrando quais eram os "valores" daquela igreja: As pessoas tem que dedicar mais tempo a si mesmas, ou nada muda. Não conseguirão empregos, nem dinheiro, nem os tão sonhados bens básicos que todos querem, como casa e carro... 

O que dizer sobre tal tipo de conteúdo? Ensinamento de Jesus Cristo? Certamente não. 

Meritocracia? Coach corporativista? Conservadorismo? Sim, um pouco de cada uma destas coisas, ou tudo isto junto. É mais do mesmo: Teologia da Prosperidade, ou seja, praticamente um culto ao "deus" dinheiro, uma ideologia precificadora e desumanizadora que vem crescendo há tempos, principalmente dentro de certas religiões ou espiritualidades. 

Esse tipo de discurso asqueroso (feio e nocivo), foi se espalhando na "grande mídia" lá pelos anos 70 ou 80 do século 20 e depois do crescimento das empresas de redes sociais na internet (por volta das duas primeiras décadas deste século 21), obviamente o espalhamento continuou. Nos últimos anos vi este discurso infestar a internet: Grupos de que participei tinham alguns admiradores de religiões orientais (budismo e/ou hinduísmo) que eram "teólogos" da prosperidade. Pregavam que a dificuldade dos outros era karma, mas a de si próprios não. Tentavam manter postura "gratiluz", mas mal superavam seus próprios egoísmos, machismos e outras atitudes nocivas. Um ou outro destes indivíduos que se abria ao diálogo começava a entender a realidade e se corrigir, mas tantos outros se fechavam em suas ideias individualistas. Deixando de lado os ateus de direita e falando só dos religiosos e "espiritualistas", eu vi o mesmo tipo de postura entre espíritas, umbandistas (!) e claro, entre católicos e crentes (evangélicos/ "protestantes"). Mais surpreendentemente encontrei pessoas que (supostamente) admiravam a filosofia de Sócrates e Platão e discursavam argumentos neoliberais/ capitalistas/ de direita... Estes não entenderam nada de Górgias, da Apologia de Sócrates, de Filebos nem da República... 

Por fim, defensores deste tipo de discurso hipócrita e alienado não se limitam às religiões e filosofias, pois se espalharam, invadindo também as ciências. Seguem dois exemplos distintos entre si nas ciências: Olavistas (místicos conservadores e fascistas) distorcendo a teoria (e certamente a prática também) da logoterapia e materialistas utilitários na neurologia e na neuropsicologia, negando a existência da mente (consequentemente da alma também, é claro) e classificando sentimentos e sentido de vida como ilusões, tolices ou ingenuidades... O 1º caso é fácil de ser identificado como pseudociência, ao menos entre pessoas com algum estudo. Já o 2º caso eu tratei em outros textos e é bem mais complicado: Isto porque tal caso está enraizado na ciência tradicional, ou, em outros termos, é uma mera visão de mundo/ opinião vendida como verdade e como pressuposto filosófico no "mainstream" da ciência. 

Mas o que há de errado em se posicionar como neoliberal, ou "à direita na política"? 

Basicamente é a idolatria da ganância e propagação do egoísmo, mas isto eu também já devo ter explicado em outros textos e não vou detalhar mais aqui. 

Referente a "esquerda política" o erro mais comum é propagar o materialismo como verdade absoluta - um reducionismo que acaba servindo grandes líderes da direita que obviamente defendem não só uma "filosofia" (visão de mundo), como também um estilo de vida... materialista.

Porém a questão é mais do que social, política e econômica: Ela não é só coletiva, mas um problema dos indivíduos também; é uma questão psicológica e ética! E sendo ética, é também uma questão filosófica, metafísica e até espiritualista/ religiosa! 

Individualidade e Coletividade 

Alegar que a pessoa não olha para si mesmo é uma afirmação parcial e incompleta. Deve-se questionar, olhar para si mesmo em busca de quê? De se tornar compreensivo? Tolerante, solidário, humilde? Buscar uma postura ética de valores universais que se aplicam a si mesmo e a todos os outros? Isto seria bom, e é o que pregaram, ao longo da história da humanidade, certas espiritualidades e líderes espirituais como (Santa) Teresa d'Ávila, Lahiri Mahasaya, Yogananda entre tantos outros. 

 Porém o que os religiosos do jornal mencionado neste texto (similarmente a outros indivíduos neoliberais/ individualistas) pregam é a busca pelo sucesso material (financeiro, status etc) deixando de lado questões sociais. Parando de olhar os problemas no entorno, na sociedade, a nível coletivo. É um discurso antissocial e anti político que favorece a busca descontrolada por riquezas materiais e portanto de prazeres materiais etc. É um individualismo disfarçado de individualidade, que fomenta a ignorância política, a conveniência com o "cada um por si e ninguém por todos". Não tem nada do Deus que Jesus nos ensina neste discurso... 

Seja de um ponto de vista religioso, filosófico ou científico, cada indivíduo precisa aprender a viver em sociedade. Ele pode tirar o quanto de tempo for em retiro ou isolamento e isto pode lhe fazer algum bem. Mas destes 3 pontos de vista ele tem deveres de convívio - ninguém existe só para si mesmo. Tentar omitir ou distorcer isto é uma falácia: para ser forte não é preciso ignorar o meio, muito menos tirar proveito de outros indivíduos ou coletivos. Esta suposta força invocada por coachs, por pastores do deus dinheiro e por mega empresários é vendida como algo mental, como se abandonar a empatia ou contrariar a empatia fosse um sinal de superioridade intelectual ou força de vontade. Porém, na verdade, é o contrário: qualquer indivíduo que sucumbe a desejos de posse ou de prazer, facilmente faz mal ao próximo e não demonstra força de vontade alguma! 

Força de vontade é resistir impulsos animalescos, desejos mesquinhos e caminhos fáceis de se dar bem prejudicando outros. É não revidar ofensas banais, mas também é não deixar de denunciar quem  prejudica os outros buscando proveito próprio. Esta força de vontade foi atacada em diversos setores da sociedade, particularmente nas áreas do saber, ao menos, desde o início do século passado. 

Nas religiões (particularmente nas "cristãs"), temos a propagação da insensibilidade, do conservadorismo da pobreza e da miséria alheia, criticado por alguns poucos movimentos como a teologia da libertação, por exemplo. 

Na filosofia e na ciência, tivemos movimentos niilistas e materialistas que atacaram e ainda atacam a espiritualidade e a subjetividade dos indivíduos, como nos mostram por exemplo, Rollo May (no livro Love and Will) e Viktor Frankl (em sua obra Vontade de Sentido). 

Com todos estes ataques à empatia e à força de vontade deveríamos entender que para se criticar o que há de errado nas religiões, não é necessário assumir uma postura anti religiosa nem anti espiritualista. Não é a possível existência de espíritos, da imortalidade da alma, nem a presença de uma mente cósmica (Deus) que precisa ser combatida: São os interesses mesquinhos e práticas de extorsão, chantagem e ameaça que devem ser combatidas. 

Eles também mostram que a ciência não precisa impor verdades absolutas, emitindo juízos sobre outros saberes. Não são essas coisas que constroem conhecimento, na verdade é bem possível que tais posturas atrasem ou impeçam investigações e descobertas. Construir conhecimento não é coerente com determinismos nem com relativismos: requer buscar melhoria, seja essa melhoria chamada de progresso, de desenvolvimento ou de evolução.

De fato, como indivíduos, durante a maior parte do tempo é difícil fazer algo em prol do coletivo e isto é óbvio. Porém uma sociedade composta por pessoas de mentes (ou almas) empaticamente, eticamente ou espiritualmente bem desenvolvidas não se compraz na miséria de outros. Pessoas éticas, empáticas ou verdadeiramente espirituais/ religiosas não pensam nem agem de maneira mesquinha, buscando cada vez mais riquezas materiais. Não buscam se sobressair sobre os outros, humilhando-os ou oprimindo-os. Pessoas evoluídas moralmente, socialmente ou espiritualmente desejam o bem dos outros à nível coletivo, em outras palavras, desejam o bem da sociedade e da humanidade. Claro que não só materialmente, pois deve-se desejar o bem-estar psíquico dos outros, e, porque não, espiritual também... Mas desejar que os outros desenvolvam-se moralmente ou espiritualmente é algo que requer paciência e esperança, pois não se pode forçar as outras pessoas neste tipo de evolução ou progresso. Esta evolução humana é interdependente: Há progresso material, social e há progresso moral/ ético. Este último está mais ligado à psicologia, à filosofia e à espiritualidade de cada pessoa. A civilização evolui quando os indivíduos evoluem e vice-versa: uma sociedade justa, com boas leis funcionando, com equidade (acesso aos recursos e oportunidade para todos) e diversidade (cultural/ artística, espiritual, religiosa) causa muito menos entraves no progresso dos indivíduos, pois há menos dificuldades, sejam conflitos/ violência ou miséria. Portanto a evolução individual deve servir a coletiva em algum nível, e a coletiva deve servir a individual. Não há espaço para discurso de enriquecimento individual nem de rivalidade (seja competitividade ou intolerância) nesta evolução.

Para preencher o vazio

Este é texto é uma continuação (feita em 07/2021) mais filosófica do "O Que preenche o Vazio?": 

Um vazio (seja ele afetivo, existencial ou outro) é natural? Possivelmente não enquanto a existência persistir… O natural seria preenchê-los, no mínimo, em algum momento. O vazio é a “falta de” e pode ser ocasionalmente notado desde a “abstrata” mente humana até os confins do “concreto” universo/ espaço-tempo conhecido até então. 

Quando faço a comparação de aquisição e desenvolvimento racional/ empático com o processo de expansão mental ( neste texto, por exemplo: https://nea-ekklesia.blogspot.com/2021/05/3-be-ba-da-realidade-o-que-e-ciencia.html ), também considero possível relacionar este fenômeno com o processo de surgimento e desenvolvimento de todos os corpos do universo. Claro, é uma relação bem generalizada, mas há semelhanças entre variados sistemas, biomas e formas de vida, do macro cósmico ao microcósmico: Sistemas estelares nascem e morrem, assim como as florestas, as árvores, as faunas, os animais, as civilizações etc. Os sistemas estelares devem estar distribuídos em um determinado padrão de posição e/ ou de movimento, assim como os planetas têm seus movimentos padronizados por suas órbitas que se relacionam com uma estrela. Nossa estrela, o Sol, relaciona-se com todos biomas da Terra, afetando o clima, causando degelo, inundações ou secas. As florestas e os demais biomas da Terra relacionam-se não só através dos ventos que carregam areia, pólen ou outras partículas entre um e outro, como também relacionam-se com animais que migram de um ponto ao outro. Todas essas trocas relacionadas por plantas e animais relacionam-se com o solo afetando sua composição química também. Por fim, o ser humano é o que mais altera (ou adultera) a composição dos biomas, dos solos, das faunas etc. Em algum nível, tudo relaciona-se. Nada está completamente à parte de tudo. 

Voltando aos corpos maiores como estrelas e buracos negros, sabe-se que eles têm a capacidade de distorcer o espaço-tempo. Tais propriedades devem ter alguma relação com as teorias de dimensões além das três (ou quatro) conhecidas pelo ser humano até então. Confirmando-se estas propriedades, abre-se a chance de entender que as relações mencionadas anteriormente vão além do espaço-tempo, ou seja, além da tridimensionalidade. 

Então, o processo de expansão/ extensibilidade psíquica também pode ter uma relação (como em outros sistemas) com estas dimensões praticamente desconhecidas até então. Isto poderia explicar os inúmeros relatos de experiências transcendentais, sobrenaturais e outras similares a estas. Relatos que se estendem desde a história pré-escrita da humanidade, por todo globo terrestre. 

O mesmo vale para o que é conhecido como alma. Este conjunto de aspectos psíquicos presente nos seres humanos, ou possivelmente, a essência do ser humano, poderia se estender para muito além do que entendemos como vida. 

Todo este texto é descritivo, ou seja, um tanto racional. Isto se deve por se tratar de uma tentativa de mostrar e explicar a relação entre todos estes assuntos tão variados, tidos por grande parte da humanidade, como temas isolados e independentes entre si. Mas, apesar de toda racionalidade, este texto certamente seria considerado como fútil por grande parte da comunidade científica atual. Por enquanto não vou me ater aos possíveis motivos deste julgamento. 

O fato é que essa relação entre assuntos supostamente tão variados entre si, também trata se sentir e de sentimentos, pois também trata desde a empatia de um ser humano até suas relações sociais e o comportamento da sociedade… E muito mais, é claro. Estamos falando de sistemas e de relações. Não de meras medições e quantificações, mas de todos os elementos/ corpos e de suas respectivas relações. E se sentimentos estão nesse processo de expansão/ extensão, em seu ápice, tal processo seria muito vasto. Esta vastidão que se relaciona fisicamente poderia ser chamada de universo ou qualquer coisa assim. Mas no que se diz respeito à inteligência e ao sentimento estamos falando de mente. Uma mente tão abrangente, ou seja, literalmente grandiosa, seria Deus. 

 Com toda essa “viagem”, estou trazendo os sentimentos ao centro de todo um assunto sobre sistemas. Eles existem e se manifestam frequentemente. Estas manifestações as quais podemos chamar de emoções se dão através do que entendemos como matéria, mais especificamente, através dos corpos, como por exemplo, os corpos humanos. Sorrisos, choros, risos, gritos, gestos corporais ou com as mãos, tanto faz. São os meios de manifestação de algo central na existência humana - os sentimentos. Central porque existem há centenas de milhares de anos, desde o surgimento ou desenvolvimento dos homo sapiens, e até mesmo antes disto. Embora as emoções sejam as manifestações, ou seja, as expressões - o que sai através do corpo, sabemos que há mais coisas envolvidas pelos sentimentos. Hormônios saem do corpo pelo ar podendo ser farejados por animais como cães por exemplo. Mas não é só isto: há todos os mecanismos do cérebro e do sistema nervoso: as sinapses e seus impulsos elétricos etc. Mas não devemos confundir estes efeitos e produções com os sentimentos em si. Isto não seria científico. Não seria inteligente nem sábio, nem empático. Seria ignorância ou mera opinião. Entendemos os sentimentos como vários, mas já expliquei rapidamente sobre alguns deles em outros textos. O que quero resumir aqui é: o vazio sendo o mais próximo de uma "não relação" (ou talvez uma “não existência” de algo), na mente humana ele surge para ser preenchido. Não vou falar de um ritmo do qual ele deva ser preenchido, nem de um sentimento específico ou uma possível intensidade deste. Como eu disse em outro texto ( https://amorpelosabersaberamar.blogspot.com/2023/12/o-que-preenche-o-vazio.html ), o sentimento positivo é o naturalmente “querido” ou “desejado”. 

Não estou defendendo a ideia esdrúxula típica de alguns coach, que dizem para as pessoas pensarem positivo o tempo todo, ignorando a realidade ao seu redor. Mesmo porque tais ideias parecem oriundas de uma mistura do pensamento meritocrático pregado no mundo empresarial com o “gratiluz” ou “goodvibes'', o que resulta em uma teologia da prosperidade (deus dinheiro transvestido de conceitos de religiões/ filosofias orientais). Quando cito o necessário para se buscar saúde mental ao preencher vazios, me refiro mais a um conjunto de bons sentimentos demonstrados ou direcionados a alguém que possa respondê-lo de maneira “positiva”. E desta forma, eu definiria o amor como o elemento principal e mais ideal para preencher o(s) vazio(s). Claro, é uma generalização, porque falar dele requer um outro texto, este sim, com profundidade e possivelmente com menos racionalidade. 

 


O Sentimento - Uma realidade menosprezada? 

O ser humano pode ter sentimentos vastos, profundos e bem desenvolvidos, assim como podemos ter conhecimento racional desta mesma maneira. Ter sentimentos desenvolvidos não é sinônimo de suprimir a racionalidade. Alegar que o termo sentimental é pejorativo ou usá-lo como ofensa é uma tolice, pois desta forma um ser racional também seria alguém sem sentimentos ou alguém racional em excesso, portanto seria pejorativo também. E sabemos que não é (ou deveríamos saber). Pois bem, quem é minimamente sentimental deve saber: 

Uma grande afinidade com “coisas” (objetos por exemplo) é apego e afinidade com pessoas é afeto. 

De objetos e locais nós gostamos ou não gostamos, geralmente por experiências físicas, embora seja possível associar o objeto ou local a uma memória. 

Porém para gostar de pessoas é preciso conhecê-las e conhecimento vem do aprendizado. Enquanto o afeto (positivo e mais significante, ou mais intenso) é sentimento que surge após o desejo pela pessoa virar confiança. 

É possível dizer que confiar instantaneamente em um indivíduo é uma questão de acreditar, ou seja, de crença, uma vez que não se conhece tal ser. Nas interações sociais (amizades, namoros etc), a confiança tende a se construir gradativamente enquanto aprendemos a nos relacionar, mas é fácil destruir esta confiança rapidamente, principalmente se há omissão ou mentira no relacionamento. Tais omissões e mentiras aqui referem-se desde a esconder uma opinião, até enganar a outra pessoa para fazer coisas sem esta saber. Assim, o sofrimento da pessoa enganada possivelmente tem uma relação proporcional à quantidade de informações escondidas ou a importância desta “informação”. Quando a confiança que uma pessoa tem em outra é destruída, o afeto positivo "desaba'' e seu impacto causa um sofrimento psíquico que pode ser uma anulação do afeto gerando frieza ou vazio, ou uma inversão que o transformaria em um "afeto" negativo como ódio. Tal possibilidade de destruição dos afetos positivos, não deve nos impedir de manifestar sentimentos. Não deve nos paralisar, nem impedir relações. Sejam elas reconstruções ou novas relações. Como tantas coisas que crescem e morrem, sentimentos como o amor podem renascer quantas vezes for preciso. Não se trata de apego e sim de sentir… 

As pessoas que geralmente desprezam afeto e confiança, talvez porque não tiveram exemplos durante a infância e adolescência, não são necessariamente pessoas más, pois geralmente não sentem prazer no sofrimento alheio. Ao invés disto, tendem a ser materialistas e/ ou predominantemente racionais. As emoções destas parecem menos intensas e mais breves do que aquelas dos mais sentimentais. Como mencionado anteriormente, sentimental aqui não tem significado pejorativo e sim de uma pessoa que tem bastante sentimentos ou tem sentimentos mais intensos. 

Uma vez que o “racionalista” (racional em demasia) tem sentimentos subdesenvolvidos, este deve receber prazer, bens ou serviços nos relacionamentos, caso contrário as relações não valerão a pena. Afinal como mencionado anteriormente, tal pessoa deve priorizar outra coisa além do sentimento nas relações: seja bens materiais, sucesso acadêmico ou profissional etc. Tais pessoas não são máquinas, portanto devem possuir sentimentos, sejam breves ou superficiais. Como os sentimentos são notoriamente diferentes da racionalidade, frequentemente eles devem ser considerados fúteis, bizarros ou ao menos abstratos demais. Portanto a pessoa com esta característica, quando recebe afeto e confiança, não pode ou não quer retribuir, porque afinidade com pessoas tende a ser considerada mero apego e com objetos é real e plausível. Tal pessoa “fria” ocasionalmente pode parecer cruel e até pode se aproximar ou ter algumas atitudes sádicas, mas está mais para insensível. Possivelmente mesmo o termo insensível seja impreciso para definir as pessoas com um profundo vazio afetivo: Como tal característica pode ter origem na tenra infância, período em que se forma um "repertório emocional" do indivíduo, é possível que a pessoa "fria" ou "com vazio" direcione a manifestação de seus sentimentos de forma muito particular/ incompreensível para a maioria das pessoas.

Se este vazio afetivo durar um período significativo na vida da pessoa, ele pode “conceder” alta adaptabilidade ao conflito ou à solidão, uma vez que o indivíduo tende a suprimir a empatia e perder a noção dos benefícios gerados por bons sentimentos e por relações saudáveis. As pessoas com tal vazio (afetivo ou existencial), para não se perderem em meio a apatia ou ao isolamento, podem traçar objetivos buscando sucesso profissional ou conquistas financeiras. Se este vazio gerar anseios frequentes na pessoa, ela pode alegar gostar de uma outra pessoa em pouco tempo de convivência e descartá-la com a rapidez proporcional a (breve) duração de seu sentimento. 

Enfim os sentimentos formam uma condição básica do ser humano e de vários outros animais também, geralmente mamíferos. Como a própria palavra mostra, o sentimento está relacionado ao “sentir” e se manifesta na forma de afeto. Isto pode ter surgido por uma necessidade de sobrevivência, como por exemplo, no caso da relação da progenitora (mãe) com seus filhotes. Embora outros animais tenham se desenvolvido sem esta característica, é notável que a maioria (se não todos) dos mamíferos encontraram esta maneira de sobreviver. 

Por fim, o vazio afetivo que pode gerar problemas como a depressão ou a ansiedade, possivelmente afeta a parte química do corpo, por isto em determinados casos é necessário tratamento medicamentoso. A dúvida que fica é: Os medicamentos não tratam só os efeitos causados pelo vazio? O vazio em si permanece já que o indivíduo se desenvolveu com eles. Portanto, se uma pessoa teve a infância sem afeto da mãe e/ou do pai, ela pode adquirir ou aprender a ter este sentimento por outras pessoas depois de adulta? 

Quando penso sobre sentimento, não me limito às emoções, como felicidade, ódio, tristeza etc. Pois também percebo outra possibilidade: A de sentir intenções e emoções de outras pessoas. Neste último caso sentir está mais para intuir. Esta intuição é uma capacidade muito antiga do ser humano, pois entende-se que tal capacidade foi muito utilizada nas sociedades hominídeas primitivas, uma vez que não tinham a racionalidade muito bem desenvolvida e aplicada para a construção de conhecimento e tecnologia. Juntamente com a intuição, sempre esteve o sentimento, desde os primórdios da humanidade e possivelmente dos mamíferos. Assim pode-se entender que o sentimento é uma característica elementar do ser humano, não podendo deixar de existir de maneira alguma. No máximo ele pode ser suprimido como nos casos mencionados acima, trazendo mais malefícios do que benefícios. Sendo uma característica constituinte/ elementar do ser humano, temos a resposta da questão feita anteriormente: O sentimento pode ser desenvolvido na fase adulta. O quão fácil ou difícil é uma outra questão que irá exigir uma análise de cada indivíduo particularmente.

O Que Preenche o Vazio?

 

Este texto (que escrevi em 06/2021) começa com relatos autobiográficos. Ao menos neste primeiro momento, o texto não tem pretensão alguma de ser científico (empirista/ racionalista), pois trata de sentimentos e para expressá-los acho útil me afastar de linguagens muito formais ou acadêmicas:

 Relatos do Passado

As primeiras lembranças de minha vida são da época em que eu tinha aproximadamente 3 anos de idade: Ir para uma tal de Escolinha da Tia Lia, desenhar em papel de pão (em 1984 não havia saco de pão, ao menos não na Vila Esperança, na capital de SP) e brincar com faquinhas coloridas de plástico no chão da sala. Lembro-me vagamente que eu preferia ficar com minha família ao invés de relacionar-me com outras crianças da escolinha. Também lembro-me vagamente de fazer perguntas aos adultos (minha mãe e talvez a mais alguém) sobre de onde eu vim e sobre a morte, mas não lembro das respostas que obtive. 

Aos 4 anos de idade lembro que meus desenhos progrediram: não esqueço que fiz 10 desenhos enumerados e coloridos de paisagens em folhas que pareciam as de um caderno de desenho. Fui elogiado, acho que pela minha mãe e ao menos por um tio meu e fiquei feliz com tais elogios, pois pareciam me incentivar a desenhar mais. Não sei porquê, mas o desenho que mais ficou gravado em minha memória era de um circo rosa-choque (ou vermelho?) e amarelo com algo a mais como um céu azul e nuvens brancas. Durante esta época, minha mãe ensinou-me a rezar, pois ela era bem católica e passamos a ir semanalmente às missas. 

Os anos foram passando e me lembro que continuei desenhando bastante, também me lembro de brinquedos e de brincadeiras que não precisavam de brinquedos, como esconde-esconde, pega-pega e interpretar heróis e vilões imaginários junto de meus dois irmãos. 

 Haviam algumas discórdias, é claro, sobre brinquedos e sobre quem estava certo ou errado nas brincadeiras. Alguns dos mini conflitos eram resolvidos com broncas de minha mãe, outros com chineladas, uma punição coerciva, mas nem tão dolorosa assim, pois obviamente nem chegava a machucar. Broncas, chineladas, palmadas e raros castigos faziam parte da educação, mas nada para se gabar nem para se envergonhar, pois eram medidas corretivas usadas quando as medidas preventivas eram insuficientes. E quais eram as medidas preventivas? O ensino em geral e algumas orientações sobre o que se devia fazer e o que não devia. Não brigar com os irmãozinhos era algo que devia ter sido repetido várias vezes, é claro, afinal a convivência tem seus momentos de dissonância. Mas as orientações, em geral, se limitavam à vida que nossos pais eram capazes de observar. E também eram limitadas de acordo com as experiências que nossos pais tiveram antes de constituir família. 

Quando me recordo de minha infância, percebo minha mãe como uma pessoa braba e carinhosa (mais precisamente amorosa). Meu pai era sério, pouco envolvido no ambiente domiciliar, mas trabalhador e responsável (principalmente do ponto de vista econômico, apesar da fama de sovina). Considero que tive uma boa infância: Recebi afeto (principalmente no sentido positivo da palavra) e educação, além disso meus pais me davam a sensação de uma segurança no mínimo razoável. 

Mas conforme a adolescência chega, transformações são inevitáveis. A minha foi desagradável em vários aspectos: Tive uma série de problemas intestinais que me atormentaram ao longo dos anos, passei a estudar em escola de período integral (a Escola Técnica Walter Belian, da antiga Antártica, onde meu pai trabalhava), sofri com minha timidez diante o cenário de tosca rivalidade escolar, passei a fazer psicoterapia (bancada pela Antártica) e odiava acordar cedo, fazer o trajeto “casa-escola-casa” (bastante longo na maioria dos anos) e carregar mochila pesada quase todos os dias. Na 5ª e nas duas 6ª séries (repeti de ano) tive mais “inimigos” que amigos. Numa linguagem vulgar: Foi uma bosta. Perdi a fama de menino inteligente de uma vez por todas e só não viciei em vídeo game porque minha mãe estabeleceu horários rígidos para jogar, ao menos até minha 7ª série, se não me engano. 

 Da 6ª série em diante os hormônios começaram a dominar a molecada da escola que cada vez mais queria se mostrar “adulta”, um comportamento do qual eu praticamente não compartilhava: Eu preferia meus brinquedos e o vídeo game até terminar minha sexta-série e meus jogos (video game e rpg) até terminar a 8ª série. 8ª série que por sinal, era notável o ápice do comportamento “quero ser adulto” nos colegas de escola. Alguns colegas começavam a falar de músicas, de roupas e se enturmar com o sexo oposto, chegando a se encontrar fora do horário de aula. Outros colegas fracassavam miseravelmente em “ser adulto” e buscavam se sentir melhor procurando alguém para humilhar e/ ou provocar. 

Encerrando esta época, abandonei a psicoterapia, fui reprovado na prova para continuar na ETWB e estudei 6 meses numa escola pública. Durante estes 6 meses continuei quase que incapacitado pela minha timidez, mas o ambiente escolar era um pouco melhor do que a tão conceituada ETWB.

 No fim do semestre passei no concurso (vestibulinho) para fazer o ensino médio-técnico no SENAI (semestral) e finalmente fui resolvendo meus recorrentes problemas intestinais com bastante dificuldade. Candidatas a namoradas não me faltaram, mas continuei só durante todo este período, pois apesar de superar a timidez para falar em público, continuei incapaz em lidar com garotas. Meu desempenho escolar era medíocre, ocorrendo uma melhora significativa apenas em história e geografia. 

 Durante este período, meus irmãos fizeram novas amizades numa “loja de artigos importados”, onde jogavam role playing game (RPG) e eu acabei apresentado para a turma de jogadores que frequentavam o local, apesar de ter pouco tempo disponível, pois o curso do SENAI era de período integral. 

A escola oferecia especialização em 3 segmentos da indústria gráfica: Pré-Impressão, Impressão Offset e Impressão “Roto/Flexo”. Quem tinha as melhores notas escolhia primeiro e eu me lembro que eu peguei a última vaga da pré-impressão. Nada muito útil: O setor estava se digitalizando e eu não tinha os programas de edição gráfica em casa para praticar. Acabei encontrando grandes dificuldades para conseguir emprego, pois além da falta de prática eu não tinha desenvoltura nenhuma para “conquistar” entrevistadores das empresas. 

 Minha adolescência se encerrou assim: Passei a frequentar menos as missas, terminei de estudar em mais uma escola bem conceituada (o SENAI), mas sem notas impressionantes, sem namorada, e praticamente sem me fixar em emprego algum. Eu era um fracassado para os intelectualóides racionalistas (que repetem frases como "você devia estudar engenharia ou medicina"), para os típicos machistas pró patriarcado (que pregam que "homi tem que pegá várias muié") e para os meritocratas (do discursinho "o sucesso só depende de você").

 No âmbito familiar passei a ver minha mãe como uma pessoa mais controladora (ainda bastante carinhosa), mas reconheci que ela fazia muito por mim e pelos meus irmãos e que precisava de ajuda com as tarefas domésticas. Já em relação ao meu pai, desgastamos nosso pífio relacionamento, pois depois que ele se aposentou, mais ou menos durante minha transição da ETWB para escola pública, ele se tornou mais amargurado e difícil de lidar. Com meus irmãos o relacionamento continuou bom, passei a escutar as músicas que eles escutavam, mas eu me recusava a sair para beber como eles faziam, pois pensava comigo mesmo que não precisava ficar bêbado para ser feliz (ou algo assim). 

A Juventude Adulta 

Enquanto eu não conseguia “me colocar no mercado de trabalho”, peguei mais gosto por estudar (variados temas fora das exatas) e desenvolvi meu próprio cenário de RPG. 

Eis que a solidão começou a me incomodar profundamente. Senti falta de meus colegas do ensino médio, e meus “amigos do RPG” estavam me parecendo distantes conforme eles saiam para beber com meus irmãos… Então entre 2002 e 2003 decidi começar a beber com eles e (por coincidência ou não) gradualmente tornei-me ateu nos anos seguintes, ao menos, em prática. Mas deixemos o assunto da religiosidade para outra ocasião. 

Neste período pensei comigo mesmo: não preciso criar grandes expectativas ao sair ou ao beber, só preciso estar com meus amigos/ irmãos e se possível, me divertir. Até me diverti, apesar das roubadas em que me enfiei algumas vezes e achei curioso o padrão de conversas utilizados pelo meu irmão mais novo e por alguns amigos ao se aproximarem de mulheres: As conversas alternavam entre frágeis exibicionismos e lorotas. É compreensível, uma vez que em uma sociedade predominantemente capitalista, o que se cultua são bens materiais e status, coisas que a maioria deles tinha pouquíssimo ou nada. Alguns deles começaram a namorar e passei a sair com alguns colegas literalmente mais novos (que conheci entre 2004 e 2005). Inicialmente os colegas mais novos me conheceram predominantemente bêbado, mas após alguns meses notaram que eu era muito menos extrovertido enquanto sóbrio, ou seja, tornei-me dependente da bebida em algum nível para socializar. 

Estes anos por volta de 2005 e 2012 foram melhores em um conjunto de aspectos gerais: Mantive amizades, estudei mais e fui melhorando minha carreira profissional. Porém houveram dificuldades durante este período: Meu pai faleceu, mais amigos entraram em relacionamento sério e os que já estavam neste tipo de relacionamento, casaram. Esta questão dos relacionamentos não foi nada fora do esperado, na verdade ocorreu tudo nos conformes das regras e costumes sociais. Vendo isto eu finalmente comecei a me esforçar para superar minha timidez com mulheres e após superar comecei a cogitar namorar, mas para isso precisava conhecer mulheres. 

Então durante as manifestações de 2013 tive a talvez não tão feliz ideia de me informar sobre política. Houveram alguns pontos interessantes neste processo, como enxergar a relação deste campo com algumas áreas de estudo, principalmente com a geografia, a economia e a sociologia, porém nesta mesma época perdi meu emprego e demorei vários meses para conseguir outro. 

Em paralelo decidi ajudar uma amiga que aparentemente tinha se tornado drogadicta há pouco tempo. Foi um período bem difícil, mas de grande aprendizado, durante o qual me interessei pela psicologia. Este meu interesse não aconteceu só pelo fato de ter uma amiga passando por uma situação de drogadição, também surgiu ao ver uma espécie de vazio na mentalidade de variadas pessoas. Este vazio se refere mais aos sentimentos do que a qualquer outra coisa. Lembro-me que nesta época li sobre o os casos de overdose do cantor Chorão, além dos casos de suicídio dos atores Fausto Fanti e Robin Williams… 

O que leva as pessoas tão bem sucedidas no sistema social e econômico dominante nos países da América (chame de neoliberalismo ou de capitalismo, tanto faz) a destruírem a própria vida? O ditado “Dinheiro não traz felicidade” parecia fazer mais sentido após esta época, mas não me explicava tudo. Então eventualmente fui pensando sobre este e outros assuntos similares e me lembrei que nunca almejei ser rico / multimilionário. Lembro-me que eu achava importante ter pessoas que eu gostasse por perto e que meus amigos seguindo rumos diferentes, talvez a melhor idéia fosse eu arranjar uma namorada. Ora, então o que mais faz sentido na vida é ter alguém para gostar? Quase isto… mas nos dois ou três anos seguintes fui complementando estes meus pensamentos e reflexões. 

 Reflexões sobre o Vazio e o Sentimento 

O que era o vazio presente em tantas pessoas? Comecei a estipular que era falta de afeto - sentimento direcionado de uma pessoa à outra (de acordo com a psicanálise), ou seja, sentimento expresso. Para fazer uma diferenciação entre o sentimento interno na mente (não expresso) e o sentimento expresso, chamarei este último de emoção e o primeiro de sentimento. Importante mencionar que isto só serve como um vago parâmetro para comunicação. Não é uma verdade rígida nem totalmente segmentada. 

 Sentimento é o ato de sentir, e por isso, está vinculado à intuição e às sensações. Sentir é básico de toda forma de vida, ao menos da vida animal e principalmente dos mamíferos. Mesmo que não for manifesto/ expresso, o sentimento existe e certamente não existe para ficar contido. Como um elemento do aparelho psíquico (a mente, estruturada conforme determinadas abordagens psicológicas), o sentimento é naturalmente direcionado a outros aparelhos psíquicos. Isto porque é onde ocorre uma ação e uma reação: Objetos não retribuem afetos de nenhuma natureza, em geral, eles só reagem às ações físicas, ou seja, necessitam da intermediação do corpo. 

Não é impossível uma pessoa tentar direcionar um sentimento a um objeto, mas a pessoa não obterá resposta e em algum momento tal pessoa irá sofrer a consequência disto. 

Por exemplo, uma pessoa passa a “amar” um objeto, que pode ser uma peça de roupa, um vaso de flores, um bichinho de pelúcia, um carro, ou até mesmo um determinado tipo de comida. A consequência desta falta de relação (ou de resposta) poderia ser crises de ansiedade, depressão ou qualquer outro distúrbio psíquico, pois o sentimento não é correspondido. O sentimento ou a emoção simplesmente não existe para o objeto. Claro, a pessoa poderia desenvolver um sentimento negativo como ódio e atacar fisicamente (corporalmente) destruindo o objeto, mas mesmo assim não dizemos que o objeto foi quebrado pelo ódio da pessoa e sim pelo golpe físico, seja uma paulada, um chute etc. Este ódio manifesto através de um golpe contra o objeto, não cessa a necessidade da troca de sentimentos/ emoções da pessoa. Ela apenas manifestou um outro sentimento (ódio) por não trocar um sentimento positivo que ela desejava (como acolhimento, amor etc). Neste exemplo simplório, também notamos que sentimentos negativos têm como objetivo uma reação destrutiva ou subtrativa. No caso do vaso, por exemplo, este objeto seria despedaçado, ou seja, fragmentado, reduzido a cacos. Portanto, os sentimentos positivos, são o contrário: Eles têm o objetivo de construir, criar ou até de embelezar e aumentar. Sentimentos negativos fazem parte da vida humana e não devem ser simplesmente reprimidos, mas os positivos são notoriamente mais necessários. São eles que possibilitam o desenvolvimento da paciência para tolerar determinadas situações, ambientes ou até mesmo relações. Também possibilitam o desenvolvimento da empatia para compreensão de outros indivíduos e para o convívio em sociedade de maneira menos conflituosa. Obviamente esta importância maior do sentimento positivo não significa que devemos reagir positivamente a um agressor que nos odeie ou que seja uma grande ameaça. Significa que devemos cultivar os sentimentos positivos e difundir sua importância. Mesmo porque manifestações exageradas dos sentimentos negativos resultam em grandes violências, seja contra algumas pessoas em específico, contra um grupo de pessoas ou contra nações inteiras. Discursos e propagação de ódio e intolerância, por exemplo, devem ser combatidos não só pelas leis, e por denúncias, mas também por uma educação humanizada, que não deixe de lado a importância de emoções e sentimentos como a solidariedade e a empatia. 

Então o que são os vazios? Quais são e como podem ser preenchidos? Obviamente o tema aqui refere-se à mente humana (ou aparelho psíquico, chame do que quiser), então este vazio é um vazio de sentimento ou de correspondência de sentimento. Como mencionei anteriormente (creio que não só neste texto), não existem sentimentos neutros: Ou eles são agradáveis ou desagradáveis, benéficos ou maléficos… E por aí vai. O vazio do aparelho psíquico então surge de relações muito fragilizadas, seja por um distanciamento, por uma frieza (não correspondência) ou talvez até por repressão de sentimentos, de expressões, de ideias etc. Desta forma tanto o termo vazio afetivo como vazio existencial estão corretos e ambos são nocivos para as pessoas, seja a curto prazo ou a longo prazo. Embora tais vazios sejam relativamente comuns, e algumas pessoas possam tomar atitudes por se sentirem incomodadas por eles, todo ser humano precisa dos sentimentos e a maioria irá preferir bons sentimentos. Sim, eu sei e já falei que os sentimentos ruins fazem parte de nossa existência, mas também expliquei que de maneira mais evidente ou menos evidente, os sentimentos ruins estão relacionados à dor, à contenção forçada, ao aprisionamento, ao impedimento, à separação, às manifestações destrutivas etc. 

Então são os sentimentos que preenchem os vazios da mente? Essencialmente sim, é claro, e provavelmente apenas os sentimentos positivos podem preenchê-los de maneira mais plena. Afinal, como citei anteriormente, os sentimentos negativos tendem a todo tipo de destruição e redução das coisas. Portanto o ato de preencher vazios com sentimentos negativos, além de potencialmente nocivo, é, no máximo, um fenômeno temporário, uma vez que eles têm estes objetivos de separação / redução/ destruição. Este movimento contrário à união, à expansão e à criação/ criatividade, nada mais é do que uma forma de esvaziamento, seja de relações ou de sentimentos. 

 Por fim, para cultivar os sentimentos positivos é preciso expressá-los ou buscar quem os expresse. É preciso iniciar e construir relações, mas quais destas relações devem passar por uma manutenção e quais devem acabar para outras nascerem, é uma outra história...

Observações sobre Timeu; Parte 2

Continuo aqui as observações sobre a obra Timaeus ( Timeu ); (48) O astrólogo Timeu então diz que este universo ordenado (em que vivemos) na...