Breves observações sobre Protágoras (Sofistas)

Platão escreve um texto tratando de um famoso sofista da "Grécia Clássica": Protágoras. 

De acordo com esta obra, Sócrates recebe o jovem Hipócrates (não o famoso “pai da medicina”), que está ansioso para aprender com o sofista recém chegado em Atenas, Protágoras. Sócrates então ajuda Hipócrates a identificar a ocupação como sofista de Protágoras e aconselha o jovem ter cuidado ao dispor-se a aprender qualquer coisa que venha afetar-lhe a alma. Afinal ensinar técnicas de persuasão e busca por dinheiro, como Protágoras e outros sofistas faziam, não torna uma pessoa melhor. 

Então ambos visitam Protágoras, quando Sócrates começa a questionar o anfitrião: 

…”Hipócrates mostra-se desejoso de estudar contigo e, portanto, declara que gostaria de saber qual o resultado que obterá de tuas aulas”... 

Protágoras responde que Hipócrates se tornará um “homem melhor” após cada dia de aula. 

Sócrates então reformula sua pergunta, dizendo se Hipócrates estudasse com um pintor se tornaria melhor na arte da pintura após cada dia de aula e se estudasse com um flautista se tornaria melhor na arte da música (tocar flauta) após cada dia de aula e questiona Protágoras: …”de que forma ele (Hipócrates) sairá de suas aulas sendo um homem melhor e no que fará progresso a cada dia que passar contigo (Protágoras)?” 

Protágoras então responde não ser como outros sofistas que ensinam matérias/ artes (do grego tekhnas). Ele alega ensinar seus alunos a desenvolverem bom discernimento e a administrarem negócios privados e públicos através do discurso e da ação. 

Sócrates então pergunta: Estarei acompanhando o que dizes? Parece estar se referindo a arte cívica e se propondo a fazer dos homens, bons cidadãos. Protágoras então confirma, ao que Sócrates responde: 

"Que bela arte (ciência) você se apropriou, Protágoras, se é que você a domina! Bem, você não vai ouvir nada diferente do que eu penso. Porque eu, Protágoras, não achava que fosse ensinável, e quando você diz isso agora, não sei como desconfiar. E porque não acho que isso seja objeto de ensino ou suscetível de previsão (ou transmissão) de alguns homens para outros, é justo que vos explique. Eu, dos atenienses, como também dos gregos, afirmo que eles são sábios. Pois vejo que, quando nos reunimos na assembléia, sempre que a cidade (estado) deve fazer algo em construções públicas, os construtores são enviados como consultores na construção, e quando se trata de navios, os construtores navais e assim por diante, o mesmo se aplicando ao que é considerado ensinável ​​e “aprendível”. E se alguém que eles não reconhecem como profissional tenta dar seus conselhos sobre o assunto, mesmo que seja muito bonito e rico e de família nobre, eles não o aceitam de jeito nenhum; mas eles o escarnecem e vaiam, até que aquele que tentou falar se afaste, sendo vaiado, ou os oficiais o retirem e o conduzam por ordem dos presidentes (das assembleias). 

Sobre coisas que eles acham que pertencem a um ofício técnico, eles se comportam assim. Mas quando se trata de algo que diz respeito ao governo da cidade e uma decisão deve ser tomada, sobre essas coisas ele aconselha, tomando a palavra, tanto carpinteiro quanto ferreiro, curtidor, comerciante, navegador, rico ou pobre, o nobre, ou o de origem obscura, e ninguém os repreende, como fizeram antes, que sem aprender em lugar nenhum e sem ter tido professor, então tentam dar seus conselhos. Obviamente, é porque eles acreditam que não é algo que pode ser aprendido. Não só parece que a comunidade cidadã assim pensa, mas, em particular, os mais sábios e melhores dos nossos cidadãos não são capazes de transmitir aos outros a excelência que possuem. Sócrates encerra dizendo, que pode acontecer de um filho (sucessor, discípulo etc) de uma pessoa cheia de virtudes (sábia, justa etc) ser corrompido, não herdando virtude alguma de seu educador."

Protágoras, então, alegando estar idoso (Sócrates então deveria ter entre 40 e 55 anos de idade), propõe duas formas de responder: com uma exposição regular e com um mito. A platéia pede para que ele responda como quiser e ele começa: 

O mito trata de como Epimetheus distribuiu as diversas características às formas de vida de inteligências não desenvolvidas (tamanho, força, agilidade, armas naturais etc). Após Epimetheus terminar o trabalho, seu irmão Prometheus encontrou a humanidade com alguma inteligência, mas “muito vulnerável" em relação às demais formas de vida. Prometheus então rouba a sabedoria das artes práticas de Athena e Hephaistos, juntamente com o fogo, e deu à humanidade, o que fez com estes se desenvolvessem na auto preservação. Porém a humanidade ficou sem a sabedoria para a arte cívica e vida em comunidade e após se agruparem, passaram a cometer injustiças. Zeus então enviou Hermes para instaurar senso de pudor e justiça entre os homens, mas não como o conhecimento dado por Prometheus, que ficava detido sob aqueles que o praticavam - Zeus ordenou que Hermes desse um quinhão de senso de justiça para cada indivíduo de toda a humanidade. Assim, Protágoras usa o mito para estruturar sua teoria relativista: todo ser humano se aconselha com um outro ser humano qualquer, esperando que todos tenham algum senso de justiça. O senso de justiça na terra fica inerente apenas ao ser humano. Ele segue dizendo que as pessoas punem (racionalmente) o malfeitor com a intenção de intimidar este, o que implica no caráter de aprendizado da virtude. 

Sócrates então, faz uma pausa observando seu interlocutor e aguardando uma continuidade, até que alega ter sido convencido por Protágoras exceto por uma pequena dificuldade. A seguir faz uma breve crítica aos oradores políticos que falam do mesmo tema abordado naquela reunião, dizendo que quando indagados por um ínfimo aspecto do assunto discorrido, “permanecem ressoando por muito tempo após receberem uma batida”, prolongando o tema até serem interrompidos ou impedidos. Então conclui seus pensamentos questionando Protágoras: …”há algo que me surpreendeu em seu discurso; preencha-me esse vazio em minha alma. Você disse que Zeus enviou a justiça e o senso moral aos homens, e então repetidas vezes em suas palavras você aludiu à justiça, ao bom senso, à misericórdia e todas essas coisas, como se juntas formassem uma certa unidade: a virtude. Explique-me, por favor, exatamente com raciocínio, se a virtude é uma certa unidade e se dela fazem parte a justiça, o bom senso e a piedade, ou estes que eu agora nomeava são todos nomes de algo idêntico que é único…” 

 Protágoras responde que a virtude é uma coisa única e que as qualidades são partes dela e depois diz que são como as partes de um rosto em relação ao rosto como um todo, explicando que um justo pode não ser sábio, um corajoso pode não ser justo etc. 

Sócrates então diz que tais qualidades são de mesma natureza, exemplificando que a justiça e a devoção (religiosidade) são ambas justas e ambas religiosas. 

Importante notar que a religião que Sócrates menciona é a do Deus justo e sábio que ele menciona em outros diálogos como indica os textos de Platão (seja Nous, a mente cósmica, "um" Zeus justo e piedoso ou Apolo). O Deus mencionado por Sócrates é bom, justo e sábio, se assemelhando ao que Jesus de Nazaré chama de Pai, portanto praticamente não tem semelhança alguma com os deuses caprichosos e violentos dos poemas gregos de Homero e Hesíodo, nem com as seitas meramente ritualísticas (os judeus fariseus, por exemplo) e nem com as igrejas institucionalizadas como ferramentas de poder (as igrejas cristãs após o século 4 por exemplo). 

Protágoras tenta se esquivar do assunto, mas sob certa pressão de Sócrates acaba dizendo que todas as coisas têm alguma semelhança entre si, porém não é correto afirmar que algo é semelhante a outra coisa, quando possuem somente alguma ligeira semelhança entre si. Sócrates "responde" dando exemplos sobre coisas diametralmente opostas entre si, (ou seja, que não podem se assemelhar uma à outra) as quais Protágoras concorda que existem. Ele segue demonstrando que todas as qualidades (sabedoria, sofrosyune* etc) são da mesma natureza, ou seja, são únicas em natureza, tendo um só oposto (ignorância, insensatez etc). Protágoras começa a ficar irritado e Sócrates cogita ir embora, então os membros da plateia insistem para que ambos continuem. Após decidirem como continuariam com o diálogo e exposições de pensamentos, Protágoras e Sócrates discutem um poema de Simônides, que aborda o ser bom e o vir a ser bom. 

*Importante notar que esta palavra grega (sofrosune ou sofrosine) não tem tradução exata para o português: Ela significa moderação, sensatez e autoconhecimento. 

Terminando a discussão sobre o poema, iniciada por Protágoras, Sócrates chega a dizer que o prazer pode ser bom, assim como a dor pode ser boa para algum fim, como correção de algo etc. O que torna as coisas ruins é a falta de moderação (falta de sofrosyune mais precisamente), ou seja, o que corrompe não é o prazer em si, mas sim o exagero (insensatez etc) que torna as coisas ruins. 

Sócrates refutou os argumentos de Protágoras, demonstrando como sua teoria relativista era contraditória, mas não ofereceu uma resposta à questão (sobre a virtude ser ensinável ou não) que ele mesmo trouxe no início do diálogo com o sofista, mesmo porque a resposta de tal questão talvez nem fosse o objetivo de Sócrates.

 

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