Breves observações sobre Cármides (Da “Moderação”)

O diálogo entre Cármides, Sócrates, Querefonte e Crítias, supostamente ocorreu em 432 a.C. pouco depois da batalha de Delos e tem como tema central a “sofrosine” (do grego, sophrosyne) que não tem uma tradução exata, aglomerando os significados de temperança, bom-senso, moderação e, possivelmente, auto conhecimento. Após ouvir uma série de elogios sobre a bela aparência de Cármides, Sócrates diz que seus colegas estariam descrevendo um homem sem igual se ele também tivesse uma boa alma (psiquê) de formação. Então Crítias, primo mais velho de Cármides, diz que este também tem tal beleza da psiquê e decide chamar o jovem para uma conversa com Sócrates. Porém Crítias também diz que Cármides reclamou de uma dor de cabeça há pouco tempo e pediu para que Sócrates fingisse ter um remédio para tal problema. Sócrates de início perturbado com a presença do belo Cármides, logo passa a explicar que aprendeu um tratamento baseado em uma determinada folha e um encantamento. Este encantamento teria sido-lhe ensinado por um médico de Zalmoxis* da região da Trácia. O médico dissera que não deve se tratar do corpo sem tratar da psiquê e que, assim, era necessário se fazer de surdo aos apelos da riqueza, da nobreza e da beleza pessoal. 

*De acordo com Platão, o rei dos trácios era um deus (onde neste início de séc 21, situam-se a Bulgária e a Romênia). Não fica claro se eles tinham um monarca que era considerado divinizado, ou se veneravam um deus como se fosse monarca de sua civilização. Juntando a breve descrição platônica com a de Heródoto, foi formada a leitura que os povos trácios (e talvez os getas e dácios) eram monoteístas, venerando Zalmoxis como o “Deus-rei”. Apesar disto, existem várias outras interpretações de que Zalmoxis era um deus da terra, dos céus ou sincrético com outra divindade, sendo algumas destas leituras puramente linguísticas, mas todas elas exteriores à cultura trácia, que não deixou legado escrito. 

Crítias interfere no diálogo entre Sócrates e Cármides, para afirmar que este último já é detentor da sophrosyne, o que faz Sócrates perguntar se Cármides pode confirmar tal relato. Cármides, sem graça, diz que negar seria acusar Crítias de mentiroso e assumir ter a sophrosyne, seria de mau gosto (um ato de arrogância). Sócrates diz que esta é uma boa resposta e propõe uma investigação sobre o que é a “sofrosine”. Cármides responde a Sócrates especulando que sophrosyne seja a tranquilidade. Sócrates explica que sendo a sophrosyne algo admirável, pois se trata de um aspecto da virtude, a tranquilidade teria que ser totalmente admirável também. Porém a tranquilidade também é calmaria, inércia e lentidão, coisas que para determinados assuntos não são adequadas, portanto a tranquilidade não é totalmente admirável, pois muitas vezes os seres humanos precisam de rapidez ou de brevidade. Cármides então tenta comparar a virtude da sofrosine com algo entre o pudor, a vergonha e a timidez, ao que Sócrates responde a partir de um verso da Odisseia, que tais coisas podem não ser boas para um homem necessitado. Cármides então fala que ouviu dizer que a sofrosine era “saber executar seus próprios negócios”. Sócrates imediatamente suspeita que Cármides tenha ouvido tal coisa de Crítias ou de alguém de seu círculo, ao que o primo do jovem nega de início. Sócrates então cita o exemplo do governo ideal, onde os governantes devem cuidar de assuntos que não são seus próprios negócios, indicando que “executar os próprios negócios” nada tem com a moderação, o autoconhecimento e a temperança (a sofrosine). Ele conclui que se Cármides não ouviu isso de um idiota, ele ouviu de alguém que fala por enigmas e questiona se o jovem sabe o significado de tal enigma. Cármides diz que ignora tal enigma e após sorrir e olhar brevemente para Crítias, diz que alguém mais deve saber o que significa tal frase. Critias se irrita e pergunta se Cármides realmente não sabe o que significa a frase, ao que Sócrates o interrompe e pede para que ele passe a investigar o que é sofrosine, junto a si. Crítias então tenta comparar o possuir da moderação/ autoconhecimento/ temperança com o “conhecer a si mesmo” (frase típica do templo de Apolo). Fazendo isto, ele tenta separar este “conhecimento” da moderação de todos os outros conhecimentos e artes, mas fracassa. O diálogo segue de modo pouco ou nada produtivo e termina sem conclusão. Nos termos de Critias, Sócrates não consegue desenvolver ou opta não desenvolver a resposta sobre o que é e para que serve a moderação/ autoconhecimento/ temperança (sophrosyne). 

No fim este diálogo não conclui sobre a moderação (sofrosyne), apesar que o tema é bem abordado em outros diálogos como Górgias e Filebo. Ao menos a obra "Cármides" (Da "Moderação") parece servir para mostrar que entre a elite grega, poucos indivíduos realmente tinham a “mente aberta” para serem conduzidos pela maiêutica de Sócrates. Crítias é claramente um indivíduo orgulhoso demais para “parir” a ideia da virtude ou de qualquer aspecto desta. Vários outros indivíduos abordados pelo filósofo também não conseguem conceber as ideias do bem, da virtude, da justiça, da coragem etc… 

 

 

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