Aqui trago breves observações sobre dois textos de Platão. Embora os dois mostrem uma suposta conversa entre Sócrates e o sofista Hipias, o tema dos 2 textos diferem entre si.
Hípias Maior (Da Beleza)
Platão mostra o diálogo entre Sócrates e um bem-sucedido sofista chamado Hípias. Sócrates diz à Hípias que precisa dar uma respostas satisfatória para um homem, sobre o que é o belo (kalos, similar à palavra inglesa “fine”). Ao pedir para que Hípias ajude-o a descrever o que é o belo, eles debatem opiniões e Sócrates, como de costume, começa a conduzir o diálogo com seu método (a maiêutica).
Hípias, notavelmente um materialista, dá respostas insatisfatórias à Sócrates, que para acompanhar o raciocínio de seu interlocutor com certa ironia, também dá exemplos materiais de beleza, causando certa perplexidade no sofista. A partir daí, Sócrates parte para exemplos menos físicos, passando pela capacidade, dos indivíduos, utilidade das coisas, justiça, e, de certo modo, pela estética - o prazer da visão e da audição e finalmente do bem (o que é benéfico e bom).
Ao mencionar o prazer da visão e da audição, Sócrates destaca que esses prazeres têm beleza, diferente daqueles dos demais sentidos (olfato, paladar e tato), que apesar de prazerosos, diferem de beleza. [297e - 299e]
Os prazeres captados pelo tato, paladar e olfato embora desejáveis por muitas pessoas, geralmente não são admiráveis de se assistir e isto possivelmente tem relação ao fato de serem oriundos de fenômenos mais químicos, ou seja, mais “corporais” de cada ser individualmente. Quando falamos dos prazeres destes sentidos, é mais comum os gostos individuais e as divergências: Uma pessoa pode apreciar determinados sabores que outros abominam. Esses sabores variam não só em categorias (doce, salgado, amargo e azedo) mas também de alimento para alimento, possibilitando uma variância inumerável de gostos e “repulsas”. Alguém poderia afirmar que existem as culinárias típicas de determinados povos e culturas, porém isto também é baseado em limitações de disponibilidade dos tipos de alimento por região e não só uma questão de gosto "grupal" ou "coletivizado".
No caso dos prazeres táteis há os prazeres geralmente considerados suaves, como as carícias, abraço, cafuné (etc), e os normalmente mais intensos como os sexuais. Só neste último caso, por exemplo, cada pessoa pode ter diferentes zonas erógenas (excitáveis) em seu respectivo corpo. Algumas podem gostar muito destes prazeres, outras podem gostar menos etc.
Nos “prazeres” da audição e da visão, embora possam haver divergências, há mais consenso, talvez indicando gostos mais coletivos e culturais. Isto pode refletir nas músicas, danças, pinturas/ desenhos, vestimentas e esculturas (com suas respectivas cores, padrões geométricos, texturas etc) de cada cultura ao longo da história da humanidade por exemplo. Assim como existem arquiteturas típicas de uma nação ou grupo de nações, existem músicas regionais, tribos sociais etc.
Os prazeres da visão e da audição são causados então por uma beleza que o ser humano entende a partir de certas coisas que enxerga e ouve (belas paisagens, melodias etc) a qual Sócrates chama de essência. Hípias se mostra resistente à ideia de que haja algo em comum por trás da beleza captada pela audição e pela visão e tenta argumentar contra Sócrates, porém não é bem sucedido.
Interessante notar que estes dois sentidos (visão e audição) captam ondas, sendo que algumas delas se propagam pela atmosfera e outras são aparentemente mais independentes do meio (por exemplo a luz, que é um tipo de onda eletromagnética, as ondas de rádio etc).
Ao final do diálogo, Hípias se mostra irritado e critica Sócrates, pois o sofista despreza a filosofia, e prefere se empenhar em obter ganhos imediatos através de seus discursos políticos ou de seus discursos nos tribunais.
Hípias Menor (Do Falso)
No segundo diálogo com Hípias, Sócrates questiona o sofista em relação à sua apresentação de uma obra do antigo poeta Homero. Sócrates mostra que o personagem Aquiles também age como espertalhão, não sendo (apenas) Odisseu que age desta forma.
Hípias tenta defender Aquiles, alegando que este é melhor porque diz mentiras ou coisas equivocadas involuntariamente, enquanto Odisseu faz isso voluntariamente.
Sócrates então conduz o diálogo com seu método da maiêutica, fazendo Hípias mostrar que melhor é o indivíduo que realiza seus atos voluntariamente tanto em atividades físicas como em atividades psíquicas (lembrando que a palavra psiquê era empregada com o significado de alma, mas de modo abrangente, incluindo o conceito de mente e todos seus aspectos como memória, aprendizado etc). O indivíduo melhor em determinado(s) conhecimento(s) e/ ou o mais capaz, consegue fazer suas obras voluntariamente, seja de maneira boa/ correta ou de maneira má/ errada. Sócrates conclui que a justiça é uma qualidade da psiquê desenvolvida e aquele que comete injustiça voluntariamente tem conhecimento sobre a justiça. Se Aquiles estivesse mentindo involuntariamente como propôs Hípias, ele seria pior do que Ulisses no que se refere ao desenvolvimento da noção do bem, da justiça e do que é correto.
Aparentemente o diálogo leva a uma estranha conclusão: De que os homens bons são os que fazem os atos maus, pois os homens maus, são ignorantes, ou seja, de alma doente ou defeituosa, portanto estes últimos cometeriam a maldade de modo involuntário, enquanto os primeiros cometeriam voluntariamente.
Porém também é possível entender que Sócrates quis dizer que as almas inteligentes e/ ou sábias devem ter mais responsabilidade devendo também liderar pelo bom exemplo, com justiça, temperança e benevolência - quando não o fazem, caem nos erros mais nocivos, podendo ser esta nocividade (a si mesmo e/ ou aos outros), tanto em intensidade como em amplitude. Isto não é absurdo, tendo em vista que o diálogo começa a tratar personagens semi lendários da Grécia antiga e de seus arredores (Tróia) e possivelmente tais personagens também eram poderosos em algum aspecto, por serem líderes tidos como “filhos de deuses”.
Neste suposto diálogo entre Sócrates e Hípias, o mentiroso personagem Aquiles só poderia ser considerado melhor do que Ulisses (ou qualquer outro personagem) porque sabia o que estava dizendo, portanto era melhor em alguma coisa: ter noção do que é certo e errado, verdade ou mentira.
É importante notar que Sócrates não considera admirável a pessoa que
comete injustiça voluntariamente, pois Platão indica que ele critica
tais tipos de pessoas no diálogo com Górgias e seus companheiros, bem como em sua Apologia. Além disto, Sócrates e Platão entendiam a psiquê como algo indestrutível, portanto, imortal. Sendo assim, a alma do justo logicamente se unirá com outras almas justas após deixar o corpo, enquanto o injusto atrairá injustos para si...
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