Ensaio sobre Conhecimento, Ética e Política

Nos meus últimos 10 anos de vida, dos 33 aos 43 anos de idade, quando comecei a refletir sobre a humanidade e sobre a minha vida, percebi algumas características da inércia do comportamento humano. Mais do que isso, suspeito que haja uma grande e generalizada inércia psíquica, mental. Apesar que só consegui pensar em críticas construtivas após estudar psicologia na graduação e filosofia por conta própria. 

Sobre os outros posso falar somente do que pude observar e ouvir, já sobre mim eu poderia falar de meus pensamentos e sentimentos, mas já fiz isto em alguns textos anteriores, então vou me ater a uma observação geral sobre as pessoas. 

Particularmente vou falar da ética porque a humanidade precisa conversar sobre isso. A ausência de tal assunto na vida do ser humano fez e faz estrago - já abordei um pouco sobre este tema aqui: https://amorpelosabersaberamar.blogspot.com/2024/08/a-anti-etica-etica-e-psique-humana.html e (mais voltado a história das religiões) aqui: https://novotemplodauniao.blogspot.com/2024/09/qual-e-idade-da-religiao-monoteista.html. A ausência deste assunto sobre a ética não só faz estrago no convívio humano, mas também parece relacionada à inércia comportamental/ psíquica que mencionei. Pessoas que não pautam seu comportamento pela ética, pouco se importam com problemas de níveis relacionais, profissionais ou com problemas mais amplos e coletivos, sejam eles sociais ou ambientais, por exemplo.

A ética inevitavelmente trata da ideia do bem, de um bem necessário, mas não meramente particular, pois é universal: o bem para o convívio humano, para seu cotidiano, progresso etc. E, infelizmente, o bem parece ser tratado como um assunto muito relativo, ou de pouca importância, ou mais estranho ainda: pode ser considerado "subjetivo". 

Porém vamos destrinchar esses termos: Subjetivo pode parecer sinônimo de relativo por quaisquer razões, mas não é! Subjetivo é tudo que está SOB algo, que não está no ambiente perceptível pelos nossos sentidos humanos (visão, audição, tato, paladar, olfato). Na construção do conhecimento, notoriamente na filosofia, o termo subjetivo se refere a algo interior do ser humano, como os pensamentos, sentimentos etc. 

Relativo é tudo que é relativo a outra coisa no ambiente, ou seja, no espaço tridimensional, o meio perceptível pelos sentidos, ou seja, o objetivo! A velocidade dos corpos ("materiais", por exemplo) é relativa, mas a velocidade da luz não é relativa, possivelmente por ela estar além do tempo, que desde a teoria da relatividade, pode ser considerado integrado ao espaço como uma só curvatura (a curvatura espaço-tempo parece devaneio, mas é física). 

O bem então não se mostra nem meramente subjetivo, muito menos relativo, já que ninguém consegue interagir sensorialmente com o bem. O bem é uma ideia, mas não é particular de um indivíduo porque é um valor universal. Valores individuais são o que importa para determinadas pessoas em determinados momentos de suas vidas - estes momentos podem ser períodos de tempo curtos ou longos, sendo que algumas abordagens da psicologia os estudam, como a psicologia analítica de Jung. Porém o valor universal está mais relacionado às virtudes e a ideia do bem, temas amplamente e profundamente discutidos nas raízes da filosofia ocidental, particularmente nas obras de Platão. 

Negar a importância da ética é negar o bem, um valor universal e por mais que pareça difícil, relativo ou subjetivo falar deste tema, ele deve ser trazido para o convívio humano - da construção do conhecimento até a política. 

Isso porque se a questão do bem e do mal fosse levada só como uma "questão de perspectiva" não haveria ética e ética é a base das leis da sociedade, enfim de todas as nações. Alegar que a ética e o bem são uma questão meramente relativa, subjetiva ou de perspectiva, é relativismo e o relativismo é tão perigoso quanto um absolutismo só que de maneira diferente: ele fomenta indiferença às questões sociais e éticas enquanto o absolutismo impõe só um ponto de vista como verdade. Esta indiferença não é neutralidade, principalmente em uma realidade onde recebemos informação e temos acesso à informação - Ela é uma escolha com intenção e finalidade, e assim, se não é ética, ela é antiética... Portanto, ao longo da história humana, a ética nunca foi "questão de perspectiva" e foi debatida por lideranças, sejam elas políticas, religiosas ou econômicas. Conforme as sociedades ou nações foram democratizadas ao menos em parte, esse debate se expandiu, ou deveria ter se expandido, ao público geral.

Ao estudarmos história, é possível notar que houve um progresso moral/ ético na humanidade, por mais sutil ou pequeno que seja. Seguem alguns breves exemplos: Na Grécia "pré clássica" o perdedor das olimpíadas declarava guerra ao vencedor e o povo se juntava à matança, em certas pólis (cidades estado) bebês doentes eram jogados à morte; Roma tinha um número de escravizados maior que os libertos por um significante período e dissidentes do império eram jogados para serem devorados por feras diante o público, na era medieval até o fim da renascença houveram inquisições e caça às bruxas, no liberalismo mercantil houve o tráfico negreiro, na era moderna, duas guerras mundiais com utilização de armas químicas e de destruição em massa etc. O fim (ou diminuição) dessas atrocidades marca um progresso ético, ainda que tenhamos muitos problemas para se resolver até hoje. O processo é gradual e não-linear: tem altos e baixos. Não é porque esse processo é lento que deve-se abandonar a ética e sua busca por um bem/ valor universal. Isso seria abandonar uma questão central da filosofia ocidental desde sua fundação por Platão

Este bem é mencionado por Platão com o termo "kalos" (sem tradução exata, seria algo como "bom e belo, porém belo mais do que corporalmente - psicoemocionalmente") a ideia mais elevada / benéfica para todos, ou seja, um valor universal. Tal valor foi central na filosofia ocidental fundada por Platão, porque ele é importante desde a espiritualidade (tema também abordado pelo filósofo) até a vida da sociedade humana, ou seja, no estado, na política (um dos temas centrais das obras "A República" e "O Político"). E se o valor universal abrange da psiquê (mente e/ ou alma) dos indivíduos até os estados/ nações, entende-se que ele é mais que um valor individual, expandindo ao coletivo e assim, ele também é subjetivo e objetivo - Difundir esse valor entre as pessoas é defender a vida, a liberdade com respeito a nível da civilização (social e ambiental), sem abuso psíquico ou corporal, sem atacar o direito de viver.

Este tema trazido para o centro da construção de conhecimento (episteme) e da política, pelo fundador da filosofia ocidental, foi abordado eventualmente ao longo da história, mas dificilmente foi tratado com a importância dada a ele por Platão. Um dos motivos principais e um dos mais notórios, é que o conhecimento se trata de algo muito vasto, e, por isso, é fácil estudar qualquer outra coisa que não seja a ética em si. Soma-se a este fato, a ignorância ao alerta dado por Platão em seu livro 4 da "República", de que a classe mercantil deveria regulada e controlada pelas classes governantes e de defesa das nações. Essa crítica aparece em outras formas nas obras do autor: como em "Górgias" e "Apologia de Sócrates", onde ele critica a priorização da busca pelo sucesso financeiro e acúmulo de bens materiais etc; Hoje a classe mercantil liderada por empresários multimilionários que mal precisam se expor, dominam praticamente todos setores da sociedade e não só a economia/ o empresariado - mas também influenciam pesadamente a política, a religião e até mesmo a ciência. 

Platão alertou para que o dinheiro não adentrasse as classes governantes/ construtoras de conhecimento e de defesa do estado (também em "A República"), mas isso também é geralmente ignorado ao longo da história: Quando o feudalismo foi derrubado na Europa no século 15, o que se sucedeu foi o mercantilismo e desde lá é a mera intensificação desse sistema de ideologia capitalista: liberalismo e neoliberalismo são meras intensificações da atividade comercial/ mercantil que objetificam vidas humanas e precificam tudo. Cultura, bem-estar e sentimentos são gradativamente esmagados por essa ideologia não desde sempre, mas há cerca de 6 séculos. E isto é um problema ético. 

Peguemos de maneira resumida o período anterior ao mercantilismo e ao capitalismo, por exemplo: O feudalismo não era melhor do que o mercantilismo porque também era anti ético: não priorizava o bem como um valor universal, pois priorizava autoridade e obediência! A religião desvinculada da ideia do bem e do amor só leva a esse caminho de autoridade e obediência, onde não se estuda nem a natureza nem a ética, nem ciência e nem filosofia... E além disso, sem ética não há sequer espiritualidade. Qual é a diferença de uma espiritualidade sem ética diante uma atitude materialista sem ética? Em termos de resultados, não haveria diferença alguma: ambas fazem mal, seja para um grupo pequeno ou grande de pessoas.

Quando a humanidade se pautar pela ética haverá um aumento significativo da justiça, do bem-estar e da busca por um sentido na vida das pessoas. Por enquanto vivemos a era da injustiça, do mal-estar e do vazio existencial. Qualquer indígena da América, da Oceania ou da Sibéria sabe o quão nocivos são um estilo de vida prioritariamente mercantil e uma ideologia objetificadora e precificadora como o capitalismo. Ainda que esses povos tenham possíveis "problemas ou imperfeições éticas" como quaisqer outros, eles sabem deste fato, mas a maioria da "civilização" "moderna/ pós moderna" parece não saber, ou (talvez mais precisamente) parece continuar enganada por uma minoria de multimilionários que pregam a ganância, a destruição e/ ou a desesperança. Sendo que o na verdade precisamos do oposto dessas coisas: precisamos compartilhar/ cuidar de todos, precisamos construir cuidando de toda a vida e precisamos de esperança. Utópico? Talvez, mas necessário.

 

Ensaio sobre Conhecimento, Ética e Política

Nos meus últimos 10 anos de vida, dos 33 aos 43 anos de idade, quando comecei a refletir sobre a humanidade e sobre a minha vida, percebi al...