Continuo aqui os resumos e observações sobre a obra "A República" de Platão, onde o clássico autor fundador da filosofia ocidental mostra seu mestre Sócrates, discutindo com colegas sobre a cidade/ estado ideal, incluindo seu sistema político, a educação necessária etc.
Livro 5: Sócrates propôs começar a falar dos governos, mas seus interlocutores pedem para que fale da criação dos filhos antes de entrar em tal assunto [449a-451a].
Sócrates - [452a-457d] (…) somos da opinião de que as fêmeas dos cães devem cooperar com os machos na atividade da guarda, da caça e em todo o resto, ou que devem permanecer no canil, incapazes de realizar outra coisa porque dão à luz e alimentam os filhotes, enquanto os machos trabalham e assumem toda a responsabilidade do rebanho?
Glauco — Somos da opinião de que devem fazer tudo em comum, com a ressalva de que, para as tarefas que deles esperamos, consideremos as fêmeas mais fracas e os machos mais fortes.
Sócrates — Mas é possível exigir de um animal os mesmos trabalhos exigidos de outro, se ele não tiver sido alimentado e criado da mesma forma?
Glauco — É impossível, naturalmente.
Sócrates — Logo, se exigimos das mulheres os mesmos serviços que dos homens, precisamos fornecer-lhes o mesmo tipo de educação.
Glauco — Com certeza.
Sócrates — Logo, se chegarmos à conclusão de que os dois sexos diferem entre si quanto à sua aptidão para determinada função, diremos que se deve atribuir essa função a um ou a outro; porém, se a diferença consistir apenas no fato de ser a fêmea a parir e não o macho, não admitiremos por isso como demonstrado que a mulher difere do homem na relação que nos ocupa e continuaremos a pensar que os guerreiros e as suas mulheres devem exercer as mesmas atividades.
(...) Sócrates — Conseqüentemente, meu amigo, não há nenhuma atividade que conceme à administração da cidade que seja própria da mulher enquanto mulher ou do homem enquanto homem; ao contrário, as aptidões naturais estão igualmente distribuídas pelos dois sexos e é próprio da natureza que a mulher, assim como o homem, participe em todas as atividades, ainda que em todas seja mais fraca do que o homem.
(...) Sócrates — Logo, existem mulheres que são aptas para a guerra e outras que não são. Ora, não escolhemos homens dessa natureza para tomá-los nossos guerreiros?
Glauco — Sim, escolhemos.
Sócrates— Portanto, a mulher e o homem possuem a mesma natureza no que concerne à sua aptidão para proteger a cidade,sem esquecer que a mulher é mais fraca e o homem mais forte.
Glauco — Assim parece.
Sócrates — Por consequência, temos de escolher mulheres semelhantes aos nossos guerreiros que viverão com eles e com eles protegerão a cidade, visto que são capazes disso e as suas naturezas são semelhantes.
Glauco — Não há dúvida.
Sócrates — Então, visto que já entramos no assunto, precisamos avançar até as dificuldades que a lei apresenta, após termos pedido aos gracejadores que renunciem ao seu papel e sejam sérios e lhes termos lembrado que não está distante o tempo em que os gregos acreditavam, como ainda acredita a maioria dos bárbaros, que a visão de um homem nu é um espetáculo vergonhoso e ridículo; e que, quando os exercícios de ginástica foram praticados pela primeira vez pelos cretenses, depois pelos lacedemônios, os cidadãos de então tiveram a oportunidade de zombar de tudo isso. Não crês? Glauco — Sim, creio.
Sócrates — Mas quando lhes pareceu que era mais conveniente estar nu do que vestido ao praticar todos esses exercícios, o que lhes parecia ridículo na nudez foi eliminado pela razão, que acabava de descobrir onde estava o melhor. E isso provou como é insensato aquele que julga ridícula outra coisa que não seja o mal, que tenta excitar o riso tomando para objeto das suas zombarias outro espetáculo que não seja a loucura e a perversidade ou que busque com seriedade um objetivo de beleza que seja diferente do bem.
Os helênicos chamavam a antiga civilização minoica, de eteo cretenses, que significa verdadeiros cretenses. Os “eteocretenses” eram antecessores dos micênicos e da Hélade (“Grécia clássica”) e conforme as pinturas minoicas mostram, este povo utilizava menos roupas do que outras civilizações. Isto certamente deve ter uma relação com os cretenses citados por Sócrates. Nestas pinturas minoicas/ eteo cretenses as mulheres eram muito retratadas, aparentemente mais retratadas do que os homens, provavelmente indicando a proeminência da mulher na civilização minoica. A partir deste ponto do diálogo [457e-461e], após defender que a os exercícios físicos deveriam ser praticados por homem e mulheres enquanto nus, Sócrates propõe algo mais polêmico: Que todas as mulheres não pertenceriam a homem algum, assim como todas as crianças das classes dos guerreiros (que compõem o estado) seriam responsabilidade de todos homens e mulheres (da mesma classe), sem famílias tradicionais. Glauco responde que isto seria facilmente questionável no que se diz respeito à possibilidade e à utilidade. Sócrates então explica isto deveria ser assim porque eles (os integrantes do estado) compartilham tudo numa vida sem propriedade privada e que as uniões entre homens e mulheres e os filhos não seriam feitos ao acaso e sim sob regras sagradas realizadas como um casamento - o filósofo propõe limites na faixa etária ideal para tais uniões etc.
Sócrates— Os nossos cidadãos estarão unidos naquilo que considerarão o seu próprio interesse e, assim unidos, experimentarão alegrias e tristezas em perfeita comunhão.
Glauco — Isso mesmo.
Sócrates — A que atribuir efeitos tão admiráveis senão à constituição da nossa e, especialmente, à comunidade das mulheres e dos filhos estabelecida entre os guerreiros?
Glauco — Não há dúvida de que esse será o principal motivo.
Sócrates conclui que essa comunhão de interesses representa o maior bem para a cidade/ estado, isto porque comparou a cidade ao indivíduo (corpo e psiquê) na forma como este se comporta em relação a uma de suas partes, no que concerne ao prazer e à dor. Assim, o maior mal de uma cidade/ estado seria o individualismo, onde uns se regozijam em excesso enquanto outros sofrem profundamente.
Sócrates — Portanto, está provado que a causa do maior bem que pode acontecer na cidade é a comunidade das crianças e das mulheres dos guerreiros.
Glauco — Com certeza.
Sócrates — Convém acrescentar que estamos de acordo com o que estabelecemos anteriormente. Com efeito, dissemos que os nossos guerreiros não deviam possuir nem casas, nem terras, nem qualquer outra propriedade, mas que deviam receber seu sustento dos outros cidadãos, vivendo vida comum, se quiserem ser guerreiros autênticos.
Glauco — Muito bem.
Sócrates — Então, não tenho razão para afirmar que as nossas disposições anteriores, juntamente com as que acabamos de tomar, farão deles guerreiros ainda mais autênticos e os impedirão de dividir a cidade, o que aconteceria se cada um não chamasse de suas as mesmas coisas, mas a coisas diferentes? Se, morando separadamente, levassem para as suas respectivas causas tudo aquilo de que pudessem garantir a posse exclusiva? E se, tendo mulher e filhos diferentes, imaginassem alegrias e tristezas pessoais — ao passo que, com uma crença idêntica a respeito do que lhes pertence, terão todos o mesmo objetivo e experimentarão, tanto quanto possível, as mesmas alegrias e as mesmas tristezas?
Glauco — É inegável
[466e-471e] Na sequência Sócrates discute regras para os exércitos/ classe guerreira do estado. O filósofo propõe a preparação dos jovens para as "artes" bélicas, a punição para os guerreiros que agirem covardemente (demovendo-os para classe mercantil/ artesã) e traça a relação de proximidade entre as diferentes cidades helênicas (gregas), diferenciando-as de outros povos "bárbaros".
Apesar de prezarem pela igualdade dos sexos e pela construção de conhecimento (geralmente chamada de ciência por tradutores dos textos de Platão), a visão de classes dos filósofos apresentava aparentemente um teor segregador e até um pouco elitista para os padrões de hoje conforme pode ser visto no livro a seguir. Pois para os autores as possíveis fontes da ignorância não eram apenas a falta de uma educação digna: Poderia ser de nascença ou até mesmo de espírito (psiquê: mente / alma). Embora isso possa dar margem ao elitismo, as ideias de Platão (e de Sócrates) ainda eram muito avançadas para a “Grécia” do século 4 anterior à Cristo. Certamente chamar as ideias apresentadas na obra "A República" de elitista, é ignorar as ideias dominantes daquela época; uma leitura anacrônica da história.
Já o tratamento mais respeitoso proposto pelo filósofo, entre as diferentes cidades
gregas, envolvia uma distinção entre conflitos/ atitudes bélicas
"aceitáveis" e os inaceitáveis (hoje, os inaceitáveis seriam os crimes
de guerra). Evitando as atitudes mais brutais, covardes e interesseiras
nos conflitos entre gregos, trabalhava-se a eventual união das cidades
em uma só identidade nacional/ cultural grega.
[473e-474c] A seguir, o filósofo conclui seu pensamento explicado anteriormente no diálogo/ texto: Sócrates já havia discutido as origens da justiça, da injustiça e das guerras, também mensurado a importância de uma educação centrada na ética para os indivíduos que deveriam compor o governo da cidade (guerreiros/ guardas, legisladores/ governantes):
Sócrates — Enquanto os filósofos não forem reis nas cidades, ou aqueles que hoje denominamos reis e soberanos não forem verdadeira e seriamente filósofos, enquanto o poder político e a filosofia não convergirem num mesmo indivíduo, enquanto os muitos caracteres que atualmente perseguem um ou outro destes objetivos de modo exclusivo não forem impedidos de agir assim, não terão fim, meu caro Glauco, os males das cidades, nem, conforme julgo, os do gênero humano, e jamais a cidade que nós descrevemos será edificada. Eis o que eu hesitava há muito em dizer, prevendo quanto estas palavras chocariam o senso comum. De fato, é difícil conceber que não haja felicidade possível de outra maneira, para o Estado e para os cidadãos.
Glauco — Depois de semelhante discurso, deves esperar, Sócrates, ver muitas pessoas tirar, por assim dizer, as roupas e, nuas, apanhar a primeira arma que estiver à mão, investir contra ti com todas as suas forças. Se não repelires essas pessoas com as armas da razão e se não conseguires fugir-lhes, saberás à tua custa o que significa zombar.
Sócrates — Por isso, toma-se necessário, se quisermos escapar a esses assaltantes, distinguir quais são os filósofos aos quais nos referimos quando ousamos dizer que é necessário confiar-lhes o governo, para que, feita esta distinção, estejam preparados para defender-nos, mostrando que a uns convém por natureza consagrar-se à filosofia e governar na cidade e aos outros não se consagrarem à filosofia e obedecerem ao líder.
[475b-476] Para
definir a ciência (episteme) que os verdadeiros filósofos buscavam,
Sócrates traça a diferença entre ignorância, opinião e conhecimento/
ciência. Ele e Glauco discutem se quem está desejoso (filotimos, ao pé da letra seria amigo da emoção, do sentimento, ou da paixão), deseja algo em sua totalidade e não somente uma parte de algo. Sócrates diz que o filósofo se entrega ao estudo (mathematos) com prazer e insaciavelmente, ao que Glauco responde que podem haver "filósofos" estranhos que amam mais os espetáculos do que o estudo/ as lições. Sócrates explica que estes não são verdadeiros filósofos pois encantam-se com belas vozes, cores e formas e obras feitas com tais elementos, sendo incapazes de discernir e amar a natureza do belo (kalon) em si. Glauco pergunta o que Sócrates entende sobre o verdadeiro filósofo e a beleza. Sócrates então diz que a beleza difere da feiura (asqueron), assim como a justiça difere da injustiça e o bom do mau, sendo ideias claramente distintas entre si (pois os exemplos são opostos entre si). Porém tais ideias são frequentemente apresentadas combinadas com ações, corpos e umas com as outras, se manifestando por toda parte, o que pode fazer com que se pareçam múltiplas. Assim, um indivíduo que se funda nas aparências poderia se irritar com filósofos como Sócrates e acusá-lo de não falar a verdade.
(477...) Sócrates — Muito bem! Vê o que diríamos a ele. Ou, antes, querias que o interrogássemos, garantindo-lhe que de modo nenhum cobiçamos os conhecimentos que possa ter, e que, ao contrário, gostaríamos de nos convencermos de que ele sabe alguma coisa? “Mas”, perguntar-lhe-íamos, “diz-me: aquele que sabe, sabe alguma coisa ou nada?’ Glauco, responde tu por ele.
Glauco — Responderei que sabe alguma coisa.
Sócrates — Que é conhecido ou que não é conhecido?
Glauco — Que é. Com efeito, como saber o que não é conhecido (gnosthein)?
Sócrates — Será então que temos, mesmo que almejemos a excelência, o seguinte fato: o que é em absoluto, absolutamente pode ser conhecido (é cognoscível)* e o que não é de modo nenhum, é absolutamente incognoscível (agnoston)?
*duas traduções possíveis do termo grego "gnoston".
Glauco — Excelentemente.
Sócrates — Mas, se houver uma coisa que existe e não existe ao mesmo tempo, não ocupará o meio entre o que é verdadeiramente (elikrinós ontos) e nada é (midamí ontos)?
Glauco — Ocupará esse meio.
Sócrates — Logo, se o conhecimento (gnósis) incide sobre o ser e, necessariamente, o desconhecimento (agnósia) sobre o não-ser*, faz-se necessário descobrir, para o que ocupa o meio entre o ser e o não-ser, um intermediário entre a ciência (episteme) e a ignorância (agnóias), supondo-se que exista algo do gênero.
Glauco — Sem dúvida.
Sócrates — Mas algo do gênero é a opinião?
Glauco — Com certeza!
Sócrates — É uma potência (dynamin) distinta da ciência ou idêntica a ela?
Glauco — É uma potência distinta.
Sócrates — Então, está claro que distinguimos a opinião da ciência.
Glauco — Sim.
Sócrates — Portanto, cada uma tem, por natureza, um objetivo diferente.
Glauco — Necessariamente.
*Aqui fica claro que qualquer construção de conhecimento (seja ciência, filosofia etc) descreve e trabalha o que existe. Assim, por exemplo, podemos afirmar "sei que tal fenômeno (ou objeto) existe." Então quando perguntarem "como eu sei", respondo explicando minha experiência. Porém o que não foi experimentado não é passível de ser expresso pela frase "eu sei"; Por exemplo a frase "eu sei que não existe", não faz sentido, pois seria correto afirmar saber somente o que experimentei. Se investigamos algo e nada detectamos, a descrição correta da conclusão de tal estudo seria afirmar: "Não sei se tal fenômeno existe" ou "Investiguei tal fenômeno e nada detectei" e então para a seguir, poder explicar como foi feito o estudo/ a pesquisa sobre tal assunto. Também é notável que, ao fundar a filosofia ocidental estudando outros pensadores (Parmênides, Protágoras, Heráclito, Pitágoras, Anaxágoras etc), Platão indica que não há neutralidade na epistemologia (na construção de conhecimento) - ou o estudioso busca a melhor maneira das coisas serem (a ontologia apresentada em Fedon), baseando-se no bem como valor universal (kalos, a ideia do bem e do belo, que é una), ou ele caí em argumentos retóricos que são mera opinião. Este tipo de argumento que ignora o valor universal (portanto ignora a ética) geralmente era usado pelos sofistas, mestres da persuação que almejavam ganhos particulares ao invés de construir conhecimento.
Sócrates — O objetivo da ciência não é conhecer o que é, exatamente tal como é?
Glauco — Sim.
Sócrates — E o propósito da opinião não é julgar pelas aparências?
Glauco — Sim.
Sócrates — Mas a opinião conhece aquilo que a ciência conhece? Uma mesma coisa pode ser ao mesmo tempo objetivo da ciência e da opinião, ou isso é impossível?
Glauco — É impossível. Com efeito… ...o objetivo da ciência não pode ser o mesmo da opinião.
Sócrates — Mas a opinião pode incidir sobre o não-ser? Ou é impossível saber por ela o que não é? Raciocina: aquele que opina, opina sobre alguma coisa ou é possível opinar e não opinar sobre nada?
Glauco — E impossível.
Sócrates — E o não ser alguma coisa? Não é, antes, uma negação da coisa?
Glauco — Com certeza.
Sócrates— Por isso temos, necessariamente, de relacionar o ser à ciência e o não-ser, à ignorância.
Glauco — E com razão.
Sócrates — Em vista disso, o objetivo da opinião não é nem o ser nem o não-ser.
Glauco — Correto.
Sócrates — Conseqüentemente, a opinião não é nem ciência nem ignorância.
Sócrates — Então, julgas a opinião menos clara que a ciência e menos obscura que a ignorância?
Glauco — Com certeza.
Sócrates— Logo, a opinião é algo intermediário entre a ciência e a ignorância?
Glauco — Exatamente.
Sócrates identifica a opinião entre as coisas que são e que não são. No trecho a seguir (479a até o 480a) ele busca o objetivo da opinião que “situa-se nesta condição intermediária”, voltando ao exemplo do “homem bom” (ungido pelo divino; possivelmente o termo foi utilizado com algum sarcasmo) que não crê na beleza em si mesma, nem na idéia do belo eternamente imutável (possivelmente o/ um valor universal), mas reconhece apenas a multidão das coisas belas, esse apreciador de espetáculos que não suporta que se afirme que o belo é uno, assim como o justo e as outras realidades semelhantes.
Tal exemplo dado por Sócrates aos seus interlocutores, pode ser qualquer indivíduo que emite opiniões destoantes da verdade e de seus conceitos mais elevados, como o Uno e o(s) valor(es) universal (“kalos”, o bem e belo). Alegar que o belo e o bom são coisas relativas é um discurso relativista, que nega o conceito de verdade, fomentando separatividade e indiferença entre as pessoas. Tal tipo de pessoa, "apreciadora de múltiplos espetáculos", não é capaz de aprender filosofia, então não deveria assumir poder algum no estado nem deveria exercer influência sobre qualquer forma de governo.
Sócrates — Afirmaremos, pois, que as pessoas* que enxergam muitas coisas belas (kalon), mas não apreendem o próprio belo (kala) e não podem seguir aquele que gostaria de guiá-las nessa contemplação, que enxergam muitas coisas justas sem verem a própria justiça, e assim por diante, essas pessoas, diremos nós, opinam sobre tudo, mas não sabem nada a respeito das coisas sobre as quais opinam.
*Nas traduções de Carlos Alberto Nunes e de Pietro Nassetti (Ed. Martin Claret) a tradução do termo grego theomenóus (divinizado, ou deificado) não parece clara. Talvez foi considerado um adjetivo desnecessário e substituído pela palavra pessoas.
Glauco — Necessariamente.
Sócrates — Mas que diremos daquelas pessoas que enxergam as coisas em si mesmas, na sua essência imutável? Que elas possuem conhecimentos, e não opiniões, não é verdade?
Glauco — Necessariamente, também.
Sócrates — Não diremos, da mesma forma, que amam as coisas que são o objeto da ciência, ao passo que os outros sentem isso apenas por aquelas que são o objeto da opinião? Não te recordas do que dizíamos a respeito destes últimos que amam e admiram as belas vozes, as cores belas e as outras coisas semelhantes, mas não admitem que o belo em si mesmo seja uma realidade?
Glauco — Recordo-me.
Sócrates — Seremos injustos com eles se os denominarmos amantes da opinião em vez de amantes da filosofia? Ficaram Muito irritados conosco se os tratarmos assim?
Glauco — Não, se acreditarem em mim, pois não é lícito irritar-se com a verdade.
Sócrates — Então, denominaremos filósofos apenas aqueles que em tudo se prendem à realidade?
Glauco — Sem sombra de dúvida.
Enfim, a opinião é comum entre os humanos, mas não é sinônimo de verdade, como Platão mostrará no capítulo seguinte. O amigo da opinião (filodoxia), ou seja, o que gosta de opinar/ que defende sua própria opinião ante os fatos ou ante o desconhecido, não aprende as coisas verdadeiras. Este não é filósofo, pois prioriza uma opinião ante a verdade. Aquele que ama a sabedoria, vê o bem como algo uno e verdadeiramente belo, vê como um valor universal, certamente o mais sublime valor universal. Somando o conceito do bem apresentado pelo filósofo neste livro com a ênfase na educação e a ausência de propriedade privada entre os guardiões e filósofos apresentadas nos livros anteriores, começa a ficar evidente que a filosofia é o exercício racional que une o sentimento voltado à ética, ao valor universal que deve ser despertado/ inferido pelo ser humano e que serve o coletivo.
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