Nesta obra, Platão "nos conta a seguinte história":
O jovem sofista, Mênon, inicia um diálogo com Sócrates, supostamente para sanar sua dúvida sobre as virtudes: se elas são ensináveis ou não.
Sócrates diz que nunca encontrou alguém que soubesse a resposta de tal pergunta, ao que Menon questiona se o filósofo não debateu com Górgias. Sócrates então diz que não se lembra e pede para Menon definir a virtude conforme o sofista (Górgias) costuma fazer.
Menon faz uma descrição citando variadas supostas virtudes e Sócrates responde com possível sarcasmo que encontrou um enxame de virtudes na definição feita pelo jovem sofista.
Uma característica talvez peculiar neste diálogo é que Sócrates mostra alguma irritação com Mênon, criticando-o diretamente duas ou três vezes, o que não ocorre na maioria dos outros textos de Platão (A República, Górgias, Filebo, O Banquete, Fédon…). Seria uma mudança na narrativa de Platão em relação às outras obras suas? Talvez pelo fato de ser uma obra de seu “período intermediário”, onde considera-se que ele começou a desenvolver seu próprio pensamento além de seu mestre Sócrates.
Em seguida, o filósofo pergunta se não há um caráter comum (único, universal) que torna-as virtudes, para que se possa chegar a definição do que é a virtude.
Menon mostra dificuldade em entender a argumentação de Sócrates, que continua citando exemplos.
73) Sócrates: Mas a virtude, quanto ao ser virtude, diferirá em alguma coisa, quer esteja numa criança ou num velho, quer numa mulher ou num homem?
Menon: A mim pelo menos parece, de alguma forma, Sócrates,que esse caso já não é parecido com aqueles outros.
Sócrates: Por quê? Não disseste que a virtude do homem é bem administrar a cidade, e que a da mulher <é bem administrar> a casa?
Menon: Sim, disse.
Sócrates: Será então que é possível administrar bem, seja a cidade, seja a casa, seja qualquer outra coisa, não administrando de maneira prudente e justa?
Menon: Não, certamente.
Sócrates: Então, não é verdade? Se realmente administram de maneira justa e prudente, é por meio de justiça e prudência que administrarão.
Menon: Necessariamente.
Sócrates: Logo, das mesmas coisas ambos precisam, tanto a mulher quanto o homem, se realmente devem ser bons: da justiça e da prudência.
Menon: E evidente que precisam.
Sócrates: Mas, a criança e o ancião? Será que sendo intemperantes e injustos poderão jamais ser bons?
Menon: Não, certamente.
Sócrates: Mas sim sendo prudentes e justos?
Menon: Sim.
Sócrates: Logo, todos os seres humanos, é pela mesma maneira que são bons; pois é vindo a ter as mesmas coisas que se tomam bons,
Menon: Parece.
Menon, buscando dar uma definição única e geral então, diz que a virtude deve ser (a capacidade de) comandar todos os homens.
Sócrates segue o diálogo: Mas então, Mênon, é a mesma virtude, a da criança e a do escravo: serem, ambos, capazes de comandar seu senhor? E te parece que ainda seria escravo aquele que comanda? …
Menon: Não me parece absolutamente, Sócrates.
Sócrates: Não é provável, com efeito, caríssimo. Pois examina ainda o seguinte: afirmas que a virtude é ser capaz de comandar. Não deveremos acrescentar aí "com justiça, e não injustamente"?
Menon: Creio, de minha parte, que sim. Pois a justiça é virtude, Sócrates.
Menon segue dizendo que há outras virtudes e cita a coragem como um exemplo, ao que Sócrates responde que com tais argumentos, eles voltaram ao início do diálogo e passa a tentar usar a definição de forma para comparar com a virtude: o filósofo indica que existem diferentes formas e cores, ao que Menon concorda.
Sócrates diz que a forma (skhema) é o que está presente em todas coisas que são (ton onton) e precede a cor. Menon, insatisfeito com a resposta, a considera tola, pois diz que há seres que podem não saber o que é cor.
Sócrates então pergunta a Menon se há algo chamado de fim (teleyten), referindo-se a um limite, um extremo, uma coisa terminada ou consumada e o indagado responde que sim.
Em seguida, Sócrates pergunta à Menon, se na geometria há superfície (epipedon) e sólido (sthereon), ao que Menos também concorda.
O filósofo então diz que a skhema é o que limita o "sólido" (no sentido da geometria) embora esta palavra seja traduzida como "forma" por alguns autores como Edson Bini, ela também é traduzida como "figura" por tradutores como Maura Iglesias.
É possível haver confusão, uma vez que os significados destas duas palavras tenham poucas diferenças entre si: o 1º termo, forma, refere-se mais às formas geométricas, ou, à silhuetas classificáveis por algum padrão geralmente (mas não necessariamente) perceptível pela visão. O 2º, figura, refere-se a qualquer imagem, objeto ou fenômeno perceptível pela visão. De um ponto de vista platônico, possivelmente essa "forma" (skhema) se assemelha à eidos (idéia/ forma), pois ambas estão presentes nas coisas que o filósofo explica que são (ton onton) em seus textos. O ser de Platão não é meramente o que é perceptível sensorialmente (o "material"), é sobretudo, o acessível pela cognição, o que pode ser conhecido (gnose), como por exemplo a eidos de kalos (o bem/ belo).
Sócrates segue explicando que cor é uma espécie de emanação das formas, que se harmoniza com a visão e é perceptível. Esta última definição pode parecer imprecisa atualmente, mas não está errada: Vemos cores em todas formas/ objetos, quando estes emanam (mais precisamente, refletem) uma porção da luz que incide sobre eles.
Sócrates pede que Mênon diga o que é a virtude de modo uno, cessando de classificar e/ ou mostrar múltiplos aspectos ou versões dela.
Esta insistência de Sócrates, deve se referir à universalidade da virtude: O que é virtuoso é um valor universal, ou seja, a pessoa não é virtuosa só em relação a algumas pessoas ou só em determinadas situações: isto não é ser virtuoso. Ser virtuoso, por exemplo, é ser justo com todos, paciente com todos, humilde diante todos etc. A virtude assim, parece um tema relacionado à ideia de utopia. Independentemente se é alcançável ou não, desistir de buscá-la é uma estagnação, uma ignorância que trava ou retarda o progresso humano a nível moral/ individual e social/ coletivo. É um assunto difícil que envolve a ética, a ideia do bem e a perfectibilidade - um assunto que segue debatido através das eras da história humana.
Menon então responde de maneira insatisfatória à Sócrates, que em seguida diz que não conhece o que é a virtude, mas que é possível investigar o que é ela, pois se investiga o que não se conhece. Esta é a postura da presunção da ignorância de Sócrates: assumir o que não se conhece e buscar este conhecimento. Também é importante notar que é um assunto sobre a ética - tema que pauta as buscas e investigações de Platão e seu mestre (a filosofia ocidental, que é basicamente socrática e platônica, apresenta uma construção do conhecimento alicerçada na ética, como pode ser vista em várias de suas obras).
Através de um experimento de geometria com o jovem escravo de Mênon, Sócrates então mostra que o conhecimento existe incipiente nas pessoas, não advindo de uma fonte puramente externa (como um mestre, por exemplo). Assim a pessoa que emite uma opinião correta sobre um assunto, teria uma reminiscência, que naturalmente fica tumultuada na alma (mente) da pessoa como um sonho. Sendo a alma imortal, estas reminiscências teriam origem em outra existência, seja encarnada ou desencarnada. A reminiscência então pode ser trazida à tona com perguntas (por exemplo), que no fim, dá um entendimento sobre o assunto, que certamente, em prática se tornaria um conhecimento. Sócrates então relaciona a virtude com a sabedoria, mas alega não ter encontrado alguém que ensinasse esta virtude.
Ele conclui que pessoas podem dar boas opiniões e que a virtude geralmente não pode ser ensinada, mas aquele que tem boas opiniões (possivelmente baseada em suas reminiscências) pode indicar o caminho da virtude para que outro indivíduo o siga. Ao seguir o caminho da virtude, esta pessoa passa a conhecer a virtude.
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