Uma Reflexão sobre as Crianças e o Afeto

As crianças mostram uma grande capacidade acurada de perceber mínimas expressões de sentimentos. Tal capacidade de perceber expressões de sentimentos, ou emoções, mostra que as crianças têm uma atenção altamente voltada para isto. Eu já havia percebido tal capacidade em alguns momentos no decorrer de minha vida, mas recentemente percebi em várias crianças durante meu trabalho em uma clínica para crianças com transtorno do espectro autista (TEA). 

Apesar de espalhar-se a generalização de que pessoas com TEA não gostam ou não ligam para demonstrações de afeto, isto se mostrou bem impreciso durante meus 10 meses de estágio na clínica. Algumas das crianças com TEA procuravam atentamente por alguém que lhes desse atenção no seu entorno, ainda que fizessem isso rapidamente, geralmente seguido por um comportamento de "se fechar". Inclusive o vínculo afetivo com tais crianças mostrou-se parte importante do tratamento para o desenvolvimento destas, mas não falarei sobre autismo aqui.

Recentemente percebi esta "busca" por atenção/ afeto nos meus sobrinhos: No menorzinho, percebi por meio da "atitude básica" do bebê que busca contato visual e aprende a sorrir e rir. Na menina, com seus 9 anos de idade, percebi quando ela me pediu para aprender a fazer nhoque. Após terminarmos o nhoque, eu me servi e ela, mesmo alegando não querer comer, ficou olhando meu prato. Perguntei se ela não queria comer o nhoque que ela mesma fez, e ela hesitou (pensou) para decidir e responder novamente (negativamente). Ela está acostumada a recusar comida (possivelmente tem um problema psicoemocional por trás disto), mas ao receber atenção e interagir no preparo do alimento, mostrou ao menos, repensar este seu comportamento típico.

Esta busca por afeto das crianças se dá por meio da atenção ao olhar dos adultos, tom de voz, maneira de falar, enfim é bem mais intuitivo do que racional, mas é perceptível nos detalhes do olhar, da reação e da fala da criança. 

Me lembro de um estudo sobre o comportamento dos chimpanzés, realizado no Japão: Os estudiosos notaram a elevada capacidade do chimpanzé de se atentar e perceber vários fenômenos no presente. Em relação ao ser humano, o chimpanzé memoriza mais detalhes do que este, no que se refere a posições de objetos (incluindo seres vivos) no espaço e os variados movimentos destes. Em outras palavras, eles prestam muito mais atenção a detalhes no espaço presente do que o ser humano. Isto porque o ser humano, como parte de sua evolução (na separação do gênero Pan e surgimento do Homo) , teria voltado sua consciência para fatos além do presente, perdendo parte dessa capacidade de captar muitos detalhes físicos/ do espaço no presente. O ser humano faz mais uso das recordações de longo prazo do que o chimpanzé por exemplo. Os cientistas estipularam que isso foi útil para memorizar membros individualistas do bando, fazendo com que o ser humano pudesse excluir membros agressivos e ameaças similares às relações da vida grupal/ familiar/ coletiva etc. 

Fazendo uma correlação destas observações, parece que a atenção das crianças voltada às demonstrações de afeto indica que as boas emoções/ expressões de bons sentimentos foram, são e serão essenciais para a vida humana. É óbvio que identificar sentimentos ruins têm sua utilidade, mas a criança busca o sorriso, a atenção e a disposição do outro para cuidar de si e/ ou para brincar consigo. É uma busca por bons sentimentos, mas principalmente de estar presente com tais sentimentos. Portanto é a necessidade de estar presente com felicidade, de ser feliz. 

Essa é a necessidade básica do amor.

 

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