Há alguns poucos anos passei a ler as obras de Platão, entre elas:
Protágoras, Hipias Maior, Cármides, Laques, Lisis, Fedro, O Banquete, Hipias Menor, Ion, Eutidemo, Menexeno, Górgias, Menon, A República, Eutifron, Crátilo, Filebo, Teeteto, Sofista, Político, Apologia de Sócrates, Criton e
Fedon; Também li partes de
Alcibíades, Timeu, Critias, das
Cartas e dos
Epigramas de Platão.
Referente as obras vale notar os seguintes pontos: O texto Alcibíades tem um estilo claramente diferente das demais obras de Platão e (não só) eu considero esta obra como sendo de outro autor. Sócrates parece meio manipulador no texto e a obra destaca uma suposta relação entre os personagens - característica inexistente ou rara nas obras de Platão.
Menexeno, cujo o tema envolve a morte e principalmente os discursos fúnebres, apresenta uma crítica válida que Platão possivelmente faria ao meu entender. Porém não há cuidado com a cronologia de eventos históricos no texto, o que reforça um tom satírico - isto não contradiz o teor crítico da obra. Eu só não saberia confirmar se tal obra foi escrita realmente por Platão ou por algum filósofo platônico, mas isso pouco importa já que a obra parece ter seu valor.
No que se diz respeito à algumas das cartas, elas são discutíveis seja em conteúdo ou no estilo do texto, embora a sétima carta em particular pareça bastante obra de Platão tanto em conteúdo como em forma.
Os epigramas talvez tenham menos relevância e muitos deles não são considerados obras do filósofo ateniense.
Parmênides eu li cerca da metade do texto e apresentei breves observações sobre tal obra neste blog - sobre os demais textos eu já fiz minhas observações também neste blog.
Neste texto abordarei o diálogo Timaeus (Timeu) e possivelmente outros textos correlacionados a esta obra, como Critias e a sétima carta.
O texto começa com uma apresentação elogiosa dos participantes do diálogo: Sócrates (praticamente como ouvinte), Timeu, Crítias e Hermócrates. Os personagens Crítias e Hermócrates são considerados históricos, porém Timeu é desconhecido - não se sabe se é uma invenção de Platão, ou alguém sem fama alguma. Após uma breve recapitulação do diálogo de "A República", Crítias descreve a história de seus ancestrais contando sobre a lendária Atlântida.
Timeu, um astrônomo (certamente astrólogo, já que no século 4 aC, esses temas se misturavam), então fica encarregado de descrever a origem do universo; Ele começa fazendo a distinção entre as coisas que são (referente aos termos gregos "to on" e possivelmente a "ontos": o que é imutável e eterno) e as coisas que 'vem a ser" (o que é gerado, e portanto mutável, relacionado ao termo grego "genesin"); A partir destas ideias que estão de acordo com as de Platão (afinal, certamente o texto é dele...), o personagem diz que as coisas sensíveis, ou seja, que são perceptíveis sensorialmente, pertencem à categoria do que é gerado e mutável (envelhece, morre, é passível de ser decomposto etc) e por isso são alcançáveis pela opinião e pela sensação irracional (os sentidos etc). Estas coisas nunca são realmente, pois estão em constante transformação e como são coisas que "vem a ser", elas tem uma causa - Isto porque elas vem a ser por algum motivo (pode-se dizer que tudo o que é perceptível sensorialmente é um efeito e por isto, tem uma causa).
As coisas imutáveis, por um outro lado, são alcançáveis pelo pensamento e pelo discurso racional e não pelos sentidos - este argumento aparece em outras obras de Platão, como por exemplo em A República, onde o autor mostra que as virtudes estão nesta categoria: Não podem ser tocadas, cheiradas nem experimentadas por sentido algum; além disto tais virtudes ou excelências são unas e imutáveis: a bondade/ beleza (kalos), a justiça, a coragem e a moderação são universais - valores coletivos que fazem bem para todos, não sendo deterioráveis pelo tempo. Sendo coisas belas e imutáveis, as virtudes não são coisas geradas - não são mera invenção humana; sua existência precede as coisas deterioráveis.
Outro ponto que fica implícito ao longo das obras de Platão (que também parece o caso de Timeu) é que o corpo humano sendo perecível/ deteriorável, não pode alcançar as virtudes por si só. Assim nenhuma parte do corpo, seja o cérebro, o coração ou qualquer outra, é responsável pela inteligência - a psiquê, seja mente ou alma, é a responsável pela inteligência e pela capacidade de alcançar as virtudes. O como a psiquê se relaciona com o corpo, o autor parece não detalhar, mas deixa claro que é ela que dá vida e anima o corpo. Isto explica a classificação da mesma em 3 "níveis" (a teoria tripartite "da alma") como aparece na obra A República: a parte da psiquê voltada às necessidades básicas e aos prazeres mais rudimentares ou intensos (necessidades fisiológicas, prazeres do sabor, do sexo etc) Certamente esta seria a parte mais neuro/ biológica da mente, afinal neste início de século 21, áreas da saúde mental consideram a existência de transtornos relacionados ao ato de comer compulsivamente e o "vício" em atividade sexuais, inexistindo transtornos que façam a pessoa "viciar" em estímulos auditivos ou visuais; A parte intermediária da psiquê, de acordo com Platão, mostra-se ligada à indignação, às emoções (o autor utiliza várias palavras relacionadas ao termo grego "thymous") e a sentimentos enquanto a parte superior da psiquê, seria a do intelecto e da capacidade de entender e viver as virtudes/ excelências mencionadas (autocontrole, coragem, bondade etc). Assim Platão põe a justiça e a bondade como elementos superiores da psiquê e também, de certo modo, como a finalidade do ser humano. Os filósofos para o autor, não são meros estudiosos nem são estritamente racionalistas: eles são admiradores e buscadores da virtudes e por isso em algum grau significante tornam-se moderados, corajosos, justos e bondosos (belos psiquicamente).
Sendo a(s) excelência/ virtudes mencionadas anteriormente (o bem/ beleza, moderação etc), una(s) e imutável, a causa do universo gerado também é boa e não teve como base algo perecível/ mutável e sim algo universal e eterno. Sendo assim a causa também é bela e procurou fazer o universo tendo como referência o que é belo e bom (kalos). Apesar da causa ser denominada de Demiurgo (algo como arquiteto), ela apresenta semelhanças com o conceito da causa do universo apresentada por Anaxágoras (um dos professores de Sócrates): Nous, a inteligência cósmica. Porém, diferentemente do filósofo "pré socrático" (naturalista), em Timeu, é apresentada uma psiquê cósmica criada pelo Demiurgo, que parece ter criado o universo para que todas as psiquês se tornem bondosas e belas.
Timeu entende o cosmo (universo) como a mais bela das coisas mutáveis (suscetíveis ao tempo, "que vieram a ser" etc) e isto seria um indicativo que sua causa, o Demiurgo, utilizou de modelo o imutável o eterno, assim, o universo seria um tipo de "imagem do eterno". O protagonista do diálogo diz à Sócrates que a explicação de tais coisas em si (o estável e de tudo que serviu de modelo para a criação do universo) é invencível e irrefutável à semelhança do elemento explicado, porém como ele, Timeu, é um simples humano/ "mortal", está suscetível às falhas e deve se esforçar o máximo para abordar tal assunto com precisão e clareza.
Isto parece estar em acordo com que alguns autores dizem sobre Platão: que ele reservou parte de seus ensinamentos para transmitir exclusivamente de modo oral para seus alunos. Explicar sobre o que serviu de "modelo" para a geração do universo seria algo como explicar algo perfeito, divino, ou uma realidade superior que seria incompreendida ou desprezada pela maioria dos leitores, caso fosse deixada escrita.
O arquiteto/ a causa então teria pego o mutável e visível (certamente o que é perceptível) que estava desordenado e discordante (indisciplinado e contra as regras) e o ordenou*, pois conforme a regra para ele, tudo que é sumamente bom deve ser sumamente belo.
*este conceito de cosmogonia/ criação ou surgimento do universo é similar ao de outros mitos e religiões, desde as poesias gregas de Homero e Hesíodo até a cabala judaica (árvore da vida).
Entendendo que nenhuma coisa não inteligente seria mais bela do que as inteligentes, o Demiurgo confirmou que as coisas (perceptíveis, portanto certamente materiais) não poderiam ter inteligência (noyn, ou noun) sem psiquê. Afinal, Platão indica que a beleza está relacionada ao bem (bondade, justiça etc) que são valores universais, ou seja, elementos psíquicos/ cognoscíveis não sensoriais e alcançáveis pela inteligência. Por esta razão, Timeu diz que o universo ordenado veio a ser como um ser vivo dotado de psiquê e inteligência providenciados por uma força divina;
Apesar de outras obras de Platão indicarem uma realidade para além do universo que era superior e divina (possivelmente chamada de hiper ouranos), alcançável psiquicamente pelo ser humano, ao entender e viver as virtudes/ excelências (vide os diálogos Fedro e A República, por exemplo), a alma (psiquê) do universo aparentemente só é citada nesta obra, o diálogo "Timeu". O conceito de alma do universo parece contradizer parcialmente o diálogo "Político", onde Platão afirma que o universo onde vivemos é mais imperfeito que os deuses e a realidade divina devido ao fato de ser corpóreo/ material. Naquele diálogo fica compreensível que as almas reencarnam através do tempo pelo universo, para após um longo ciclo, se unirem ao "Theos" ou "aos deuses".
Por um outro lado, no diálogo "Crátilo", Sócrates expõe a teoria de que algo sutilíssimo e celeríssimo atravessa todo o universo, fazendo este parecer estar parado, como se este fosse um tipo de receptáculo. Este algo (sutil e célere) seria justo (dikayon) e estaria relacionado ao termo Dia também (que teria relação com o nome Zeus), mas Sócrates deixa o tema inconclusivo devido ao fato de ter recebido diferentes argumentos sobre o assunto - que esse "Zeus" (Dia) poderia ser o Sol ou a Inteligência. Poderia a psiquê do universo ("alma do mundo") mencionada em Timeu, ser um complemento ou alternativa à teoria apresentada em Crátilo?
Timeu segue explicando que o universo visível, sendo a mais bela das "coisas que vieram a ser", seria um tipo de mescla do imutável com o mutável e teria que possuir as mais belas características, por esta razão não seria infinito e sim uno. O universo teria sido criado a partir da semelhança com aquele ser vivo do qual todos os demais seres vivos fazem parte seja individualmente ou universalmente. Isto porque este ser vivo abrange a totalidade dos seres vivos inteligíveis e daí o Demiurgo criou o universo o mais semelhante possível ao mais belo ser vivo teleo (final ou finalizado no sentido de completo).
Ele entende que para ser visível, houve a necessidade do fogo (a luz?) e para haver tangibilidade, houve a necessidade de terra. A partir daí, Timeu diz que haveria a necessidade de mais elementos (intermediários entre o fogo e a terra), então o arquiteto criou o cosmo (universo) utilizando os "4 elementos" (conceito da época) e os ordenou numa aparente sequência do mais sutil ao mais denso ou compacto: Fogo, Ar, Água e Terra, dando-lhe uma forma esférica.
Esta teoria dos 4 elementos, apesar de imprecisa e com o viés da antiguidade, tem uma semelhança com os 4 estados da matéria: Plasmático, gasoso, líquido e sólido. Essa semelhança fica mais nítida em partes posteriores do texto.
Após discorrer sobre o movimento (de giro) do universo, Timeu explica que a psiquê (alma...) foi concebida pelo deus para ser mais antiga que o corpo que é fruto da geração e para governar este. O astrólogo explica uma complexa teoria, sobre dobras ou cortes do universo em porções e proporções numéricas das quais eu mencionaria em vão aqui (uma vez que este trecho não me ficou claro).
A partir deste ponto, Timeu continua a explicação que aborda um tema bem peculiar devido ao fato de se tratar de algo imutável e mutável - uma "imagem do eterno". Estes conceitos que parecem contrários entre si poderiam gerar questionamentos como: o universo envelhece por não ser verdadeiramente eterno? Timeu diz que não envelhece, talvez por ter ambas características e ser o mais belo possível - principalmente pelo fato de ter uma psiquê/ alma. Sendo um texto que aborda um assunto possivelmente mais complexo do que o "Sofista" e talvez do mesmo nível de dificuldade de "Parmênides", para um entendimento completo, eu sugiro que leiam o "Timeu" (e obras mais "básicas" de Platão, como "A República") e não se limitem a este meu resumo.
O astrólogo segue, dizendo: "A alma tendo sido tecida ao longo de todo uranon* em todas as direções, a partir do centro para a extremidade (certamente de sua forma esférica) e o envolvendo circularmente a partir do exterior, e ela mesmo girando dentro de si mesma, desencadeou um começo divino de vida incessante e inteligente que dura por todo o tempo."
*(O tradutor Edson Bini parece certo ao assumir que esta palavra se refere a céu, mas no sentido de universo e não da atmosfera típica da Terra); Referente ao movimento da alma que expande do centro às "extremidades" e gira dentro de si, tive uma dúvida se não poderia ter a forma de um toro.
O corpo do universo então é visível, mas sua alma (psiquê) é invisível e composta pela mescla do idêntico, do ser e do diferente. A psiquê "reage" toda vez que entra em contato com algo, seja dispersável ou indivisível. Os círculos que se formam a partir da alma do universo (e seus movimentos giratórios mencionados anteriormente) realizam 2 tipos de movimentos diferentes entre si - o externo relacionado ao idêntico e o(s) interno(s) relacionado(s) ao diferente. Embora tais explicações possam parecer um devaneio ou algum sistema filosófico ultra complexo, neste ponto do texto, o que o autor classifica como idêntico parece relacionar-se com o conceito de eterno, imutável/ uno, pois está vinculado ao movimento circular externo do universo classificado como uma esfera com psiquê; Já o(s) movimento(s) interno(s) estão vinculados com tudo o que é perceptível no universo, ou seja, o mutável, deteriorável, divisível etc. O que faz algum sentido, já que as formas de vida certamente existem dentro do universo e interagem em seu espaço com os corpos e com os sentidos. O movimento externo então ocorreria em contato ou relação com a atividade racional/ cognitiva da psiquê e gerariam o conhecimento e o entendimento, enquanto os movimentos internos surgiriam vinculados ao perceptível e gerariam as opiniões e convicções sólidas;
Traçando um correlação entre a alma do universo (uranon psiquê) apresentada em Timeu e a alma humana, nota-se que ambas são internas em algum nível, mas a psiquê do universo indica que a parte "externa" de sua alma está conectada a algo superior. Primeiro porquê é do seu movimento que surge o entendimento / o conhecimento e isto está de acordo com o alcance da psiquê apresentado por Platão nas obras Fedro, A República e Fedon: A alma é capaz de alcançar cognoscivelmente as virtudes compostas de valores universais imutáveis e também pode alcançar o hiper ouranos, ou a "morada dos deuses". Platão então não teria usado a Parábola da Caverna somente para explicar o processo da ignorância ao conhecimento/ ao saber, mas também para indicar o acesso a uma realidade superior, divina, mais excelente, eterna, através do despertar da ética e do viver os valores universais (justiça, moderação, coragem, bondade/ beleza). A analogia do libertar-se de uma vida onde só se enxergava formas bidimensionais (sombras) para nossa realidade tridimensional serve para comparar a finalidade de nossa inteligência com a ética e a espiritualidade. Além disto, também utiliza-se de uma linguagem não só filosófica, mas também alegórica (simbólica, de modo similar aos "mitos") para relacionar a geometria com estes temas. Assim, a forma do universo apresentada em Timeu como uma esfera tridimensional e uma representação do eterno parece de acordo com outros argumentos de Platão, também mostrando um diálogo com perspectivas menos racionalistas e mais místicas/ míticas (do diálogo Fedro por exemplo). Por fim, o que haveria além do universo tridimensional? Platão parece insinuar na obra Parmênides: (um)a quarta dimensão...
O astrólogo/ astrônomo então diz que o pai que gerou o universo, ao vê-lo em movimento decidiu torná-lo mais semelhante ao seu modelo: uma imagem (eikona, que significa ícone) móvel da eternidade (aionon, palavra relacionada aos termos aeon/ eon), e essa imagem, se movendo de acordo com o número, é o que chamamos de tempo (chronon).
Este trecho está de acordo com as obras Filebo e Político, onde o autor indica que o meio termo entre o uno e o mutável e/ ou entre o finito e o infinito, é o enumerável (passível de ser contado) - de certa forma os números, não em suas representações gráficas ou vocais, é claro, mas como "conceitos naturais" ou elementos da realidade, particularmente do tempo.
Classificar o tempo como algo entre o infinito e o finito (etc), não parece contradizer conceitos modernos onde o espaço/ tempo é uma curvatura. Embora o tempo e o espaço se relacionem se mesclando em algum nível (ou sendo aspectos de uma coisa só), o tempo seria sua porção não sensorial: como indica Bergson, séculos após de Platão, percebemos o tempo mentalmente independentemente dos sentidos (afirmação citada também pelo astrofísico e filósofo Arthur Eddington, que escreveu sobre o impacto filosófico da teoria da relatividade). Enquanto o espaço/ tempo é relativo (tudo que está inserido nele ou faz parte dele, está em movimento), há algo absoluto além dele. Utilizando-se de uma comparação similar à que Platão faz em A República, onde as sombras e imagens bidimensionais são menos reais do que nossa realidade tridimensional, a realidade tridimensional seria da mesma forma (menos real) se comparada com uma "quarta dimensão", que certamente é provável matematicamente, mas não é experimentável sensorialmente - Mesmo porquê um corpo tridimensional por si só não poderia interagir plenamente com uma realidade quadrimensional. Platão indica que a psiquê (seja humana ou "cósmica") é o elemento capaz de interagir com que há além da realidade sensorial, ou seja, (além d)o espaço tridimensional.
Talvez na obra Timeu, o autor tenha comparado a realidade perceptível/ sensorial do universo com a "realidade atômica" ao descrevê-la como tendo vários "movimentos" ao invés de um "movimento único" como a psiquê. Poderiam esses vários movimentos se referir de alguma forma às partículas/ subpartículas dos átomos que constituem toda a "matéria" no espaço tridimensional?
Após iniciar a explicação do tempo, Timeu fala do movimento dos astros, obviamente incluindo os planetas, e que o movimento de todos esses corpos celestes no cosmo geram o dia, a noite etc. Vale notar que a palavra grega "planeta" significa errante, ou seja, "que se move". Claro, que Timeu sendo um astrólogo e vivendo em uma sociedade politeísta (as cidades estado helênicas do século 4 a.C.), concebeu os planetas certamente dentro de uma teoria geocêntrica e como possuidores de alma e também, como "uma raça celestial de deuses" (ouranion theos genos). O termo deuses aqui não se refere a seres eternos e sim a seres gerados pelo Demiurgo. Além disto, em variados textos de Platão é possível discernir um Deus superior, como no diálogo entre Sócrates e Filebo, quando nous (a Inteligência Divina) é elevada ao "status" sublime, por trás da causa de todas as coisas...
Depois de teorizar sobre os movimentos dos astros/ planetas e mencionar raças vinculadas aos 4 elementos, Timeu afirma que todas almas foram criadas com uma qualidade secundária ou terciária em relação à uranon psiquê (alma do universo). Apesar disto, Timeu afirma que todas essas almas nascem de maneira idêntica entre si e que todas recebem o mesmo tratamento, insinuando uma equidade entre as almas nascentes no universo. E, como era de se esperar da "Grécia" clássica do século 4, seja por influência do orfismo, do pitagorismo ou de outra cultura estrangeira reencarnacionista (celta, hindu etc), Timeu diz que se a alma que nasceu como um homem resistir todos os vícios (hedonismo, injustiça, crueldade etc) ela poderá renascer em um astro posteriormente para viver uma vida venturosa. Mas se falhou nesta tarefa (vida, encarnação), ele renascerá como mulher. Novas falhas regrediriam a alma a futuras transmigrações da alma para formas de animal ou de elementos mais rústicos. Obviamente neste início de século 21, isso seria uma ideia preconceituosa (misógina), além de simplória e pessimista; Já que a evolução das espécies demoram centenas de milênios para acontecer, faria muito mais sentido a teoria espírita da reencarnação* que indica que uma alma humana muito dificilmente reencarnaria como um animal, pois essa transição dos primatas para uma forma hominídea ficou milhões de anos no passado. *(preferencialmente do século 21, já que a teoria do século 19 dialogava com o racismo científico da Europa)
Timeu parece retomar o tema dos planetas como "uma raça deuses" com alma, porém agora responsáveis por moldar os corpos dos seres vivos. Tal processo seria gradual e conturbado, indicando uma ligação com o surgimento das sensações (aisthesis) e talvez com a ideia de que as primeiras formas de vida foram mais rústicas, até chegarem nos animais passando para os seres humanos. O personagem compara estas conturbações da psiquê universal ou planetária com o processo da alma humana que nasce em um bebê desengonçado e com devidas limitações cognitivas, até se desenvolver em um adulto. Estas imperfeições e/ ou confusões da alma/ psiquê humana porém, podem ser corrigidas com uma boa educação (certamente indicada no diálogo "A República"). Se forem corrigidas a pessoa se torna íntegra e sadia, mas caso contrário, sua psiquê acabará retornando imperfeita e tola ao Hades (o "mundo dos mortos" ou realidade espiritual)...
Após explicar sobre os planetas (os errantes, traduzidos como raça celestial de deuses, embora me pareça possível chamá-los de gerados pelo deus celestial), o astrólogo Timeu fala sobre a alma desta "raça criada majoritariamente de fogo que irradia o maior brilho e beleza" (Timeu descreveu os errantes como a raça ligada ao elemento fogo, ao lado das raças que caminham no ar, nas águas e sobre o solo). Ele cita um processo de conturbação da alma (psiquê) como um dos culpados da falta de inteligência no universo (nos planetas/ errantes e/ou nos humanos). Após a redução do fluxo (e revoluções) responsável pelo desenvolvimento "psíquico", a tranquilidade e a inteligência seriam restauradas de acordo com sua explicação; daí o porquê ele compara este processo com o desenvolvimento da criança até se tornar adulto.
44e-47e Na sequência Timeu explica sua teoria de como teria surgido a raça humana, particularmente o porquê de sua forma hominídea/ bípede; A cabeça seria a parte mais soberana e divina do corpo humano enquanto os membros servem para locomoção e transporte. Ao falar da parte frontal do corpo humano, Timeu descreve a teoria da visão típica da "Grécia clássica" (séc. 4 a.C.), onde o corpo teria algum tipo de chama interior e os olhos emitiriam alguma luminosidade a partir de uma chama também. Interessante notar que as explicações sobre a visão na obra "A República" (seja nas parábolas da Caverna, das Imagens ou do Sol) não seguem necessariamente essa interpretação típica de seu tempo. Não digo que contradizem - elas somente não citam nada sobre uma chama no interior do corpo ou dos olhos e não precisam da explicação errônea do funcionamento da visão, típica da Grécia clássica.
Após explicar a visão, o personagem elogia tal capacidade sensorial (de modo mais intenso do que em outras obras platônicas, como Menon), afirmando que a observação de todos fenômenos astrológicos/ astronômicos (o céu, os astros, o sol, o dia, a noite etc) deveriam inspirar o ser humano a trabalhar sua psiquê/ alma. Ele também afirma a importância da audição e do som porque possibilitam as artes do discurso (diálogo/ maiêutica, imagino eu) e das musas (músicas e possivelmente poesias). Tais artes servem para que o ser humano alcance a harmonia de sua psiquê e evite o uso desta para prazeres irracionais. O ritmo teria sido acrescido aos sons pelas divindades para auxiliar o ser humanos nas finalidades citadas.
Como este texto ficou suficientemente longo, continuarei as observações sobre "Timeu" em uma próxima postagem.
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