Sócrates, após ser processado por Meleto, encontra o adivinho (um tipo de sacerdote ou "profeta" da cultura helênica clássica) chamado Eutífron e inicia um diálogo com este.
Eutífron pergunta a Sócrates, porque Meleto o processou. Sócrates responde que não foi por uma causa banal, pois o jovem Meleto supõe saber como os jovens são corrompidos e quem são os seus corruptores. Assim o jovem se dirigiu ao estado para o acusar de corruptor.
Sócrates diz que assim como um bom lavrador cuida primeiro de suas plantas mais jovens, Meleto deve estar militando pelos mais jovens para que sejam melhores possíveis. Sócrates continua já com evidente ironia, afirmando que, depois de militar pelos mais jovens, Meleto deve militar pelos mais velhos para ser o culpado por produzir inumeráveis bens (ou bençãos) para o estado.
Eutífron então mostra alguma admiração por Sócrates, respondendo que Meleto, ao fazer tal acusação contra o filósofo, está atacando a cidade/ estado em sua própria "héstia"*.
*Edson Bini traduz a palavra grega héstia como "lar", enquanto André Malta traduz como "lareira". Entende-se que era comum na Grécia antiga e/ou clássica, as casas terem um altar e santuário onde o fogo era alimentado para o culto de divindades domésticas. Héstia deusa do lar e do fogo sagrado que representava estabilidade era uma das mais conhecidas (ou a mais conhecida) destas divindades. Platão parece ressaltar a importância desta divindade em suas obras Crátilo, e mais brevemente em Fedro.
Sócrates então pergunta o que Eutífron está fazendo e este responde que está movendo um processo contra seu próprio pai, devido a um (suposto) crime que este cometera.
O tema do diálogo então gira em torno sobre o que é ser pio (piedoso) ou ímpio (impiedoso) e sobre o que é ser religioso ou irreligioso. Estes termos são alternados ao longo da obra, indicando uma equivalência ou semelhança entre eles. Assim a palavra piedade (eysebes) poderia ser um "sinônimo" de religiosidade (hosíoy) enquanto impiedade (asebes) seria "sinônimo" de irreligiosidade (anosíoy).
No diálogo, Sócrates diz que o piedoso é sempre idêntico em sua ação, mas o impiedoso não, pois é contrário ao piedoso. (há muitas maneiras de atacar, julgar, punir etc). Eutífron concorda com o filósofo e adiciona: Piedoso é processar quem age mal, pois conforme a mitologia grega, Cronos puniu seu pai Urano por maltratar Gaia e impedir que os titãs vissem o Sol e Zeus puniu Cronos por ter devorado seus próprios filhos. Por isso, Eutífron vai processar o seu próprio pai que teria (supostamente) sido responsável pela morte de um servo.
Sócrates diz que em toda discórdia sobre temas perceptíveis pelos nossos sentidos (usa os exemplos da quantidade de itens e da altura e peso de um corpo), é possível recorrer a uma análise/ medição para se chegar a concórdia. E completa dizendo que não é possível usar tal resolução de medir/ analisar mecanicamente, quando a discórdia é sobre o bem e o mau, o belo e o feio e o justo e o injusto. Eutífron concorda e Sócrates completa dizendo que neste caso, a discórdia, seja entre deuses ou entre humanos, se dá sobre uma mesma coisa (um mesmo tema, um único assunto) e que por isso, piedoso e ímpio seriam iguais entre si. Os deuses citados por Eutífron estariam em conflito porque um achava suas ações justas, o outro, considerava-as injustas.
Eutífron tenta explicar que (todos) os deuses não tolerariam uma pessoa que matou injustamente. Então Sócrates pergunta a Eutífron se ele já ouviu alguém discutindo se uma pessoa que matou injustamente deve ser punida ou não. Ele explica que, ao invés disso, as pessoas simplesmente negam que agiram mal e afirmam que não devem ser punidas, convencendo Eutífron a concordar com seu argumento.
Sócrates propõe então corrigir a ideia de que deuses discordam entre si, e que todos eles devem concordar que um ato ímpio/ injusto é detestável e deve ser punido (como citado em “A República”).
Eutífron então completa: Piedoso é aquilo que todos os deuses apreciam e o contrário, o ímpio, é o que todos os deuses detestam.
Sócrates discorre longamente para separar o piedoso do apreciável, até que Eutífron entenda (ou alegue entender). Afinal nem tudo que é apreciável, é piedoso.
Sócrates continua, dizendo que a piedade é parte da justiça, mas não o contrário e pede para Eutífron dar seu parecer sobre que coisas são piedosas (e religiosas, atualmente espirituais).
Eutífron separa os temas trazidos por Sócrates, dizendo que a piedade (religiosa) é o cuidado com os deuses enquanto a justiça (ou a piedade justa) é o cuidado com os homens. Sócrates fica insatisfeito e pede para Eutífron explicar que “cuidado” é esse.
Quando Eutífron tenta explicar que o cuidado (da piedade religiosa) é servir os deuses, Sócrates indaga-o. O filósofo relaciona o ato de servir, ao serviço: Qual é o serviço de cada pessoa? O serviço determina para que aquela pessoa “serve” na sociedade, ou seja, sua função e utilidade.
Para os médicos, servir é cuidar da saúde das pessoas;
Para o arquiteto, servir é construir casas, estabelecimentos e afins;
Para o construtor naval, servir é construir embarcações etc.
Quando a pessoa realiza seu serviço, ela efetua um desses feitos capitais (principais, centrados numa função/ objetivo). Sócrates pergunta então á Eutífron, qual feito capital é efetuado ao se servir os deuses?
Eutífron com dificuldade em responder, se esquiva da explicação de Sócrates sobre servir, e diz que servir aos deuses é orar e realizar sacrifícios. Isto também seria gratidão aos deuses.
Sócrates diz que na oração os humanos pedem aos deuses e nos sacrifícios eles dão aos deuses. Sendo assim, como toda troca ideal, pedimos o que precisamos e damos o que os outros (no caso, os deuses) precisam. Mas como os deuses são superiores aos humanos, eles não precisam de nada, então Eutífron diz que os deuses não obtêm o que precisam nesta troca, apenas recebem agrados.
Sócrates diz que ele está se contradizendo, pois Eutífron havia concordado que agradável e piedoso eram coisas diferentes. Eutífron então se retira, abandonando o diálogo…
Embora abordado timidamente no diálogo, a justiça é explicada como algo superior por Sócrates: Ela excede a lei dos homens, sendo uma lei da natureza e uma lei divina. A piedade seria uma parte desta lei: o ato de perdoar faz parte da lei divina e portanto deveria fazer parte da lei humana. Piedade é um ato religioso (espiritual, e não exclusivo de uma ou mais religiões), assim como a justiça que transcende a piedade e a lei dos homens.
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