Observações sobre Crátilo (Da Correção dos Nomes) Pt. 1

 Esta obra de Platão pode ser considerada um dos primeiros estudos sobre etimologia e linguística. No diálogo apresentado nesta obra, Hermógenes e Crátilo discordam sobre a origem dos nomes e convidam Sócrates para dar seu parecer. Hermógenes começa o diálogo com Sócrates, explicando que Crátilo crê que haja uma causa natural para todos os nomes - um nome real para cada coisa. Porém Hermógenes diz que Crátilo não consegue explicar tal teoria de modo que lhe convença e que ele crê que os nomes são basicamente convenções, ou seja, invenções humanas pouco propositadas. 
 Sócrates pergunta a Hermogénes se ele ouviu a teoria de Protágoras, de que “o homem é a medida de todas as coisas”. Hermógenes responde afirmativamente, mas não sabe se leva tal teoria totalmente a sério. Sócrates então conduz o diálogo, fazendo Hermógenes comprovar como tal teoria é exagerada e imprecisa, assim como a teoria de Eutidemo de que “todas as coisas dizem respeito igualmente à todos indivíduos simultaneamente e perpetuamente”. Hermógenes então entende que há coisas que não são e coisas que são. Todas coisas têm alguma “natureza que é” e também tem uma ação correspondente, portanto “toda ação também é”. Esta explicação tipicamente filosófica pode parecer difícil ou até mesmo determinista, mas se apoia nos argumentos apresentados por Sócrates no diálogo: Se um carpinteiro precisa fazer uma peça que serve para costura/ produção têxtil porque tal peça (chamada lançadeira) quebrou, então ele conseguirá fazer uma nova lançadeira a partir da ideia/ forma que tem dela em mente, não precisando de uma observação sensorial da peça quebrada. Isto se dá pelo processo da psiquê* que tem a “Eidos” (que significa simultaneamente “ideia” e “forma”) da peça memorizada/ aprendida. 

 * Psiquê: a palavra que abrange os significados de alma e mente nos textos de Platão. 

 É possível se nomear erradamente, mas também é possível nomear as coisas corretamente. A nomeação das coisas tem a função de informar, comunicar um significado entre as pessoas, assim como outras técnicas (conhecimentos ou artes) têm suas respectivas funções. Além disto, a nomeação das coisas (sejam objetos, pessoas etc) também têm uma ferramenta como as demais artes. No caso da nomeação, sua ferramenta são as leis (“nomos”), num sentido não exclusivamente jurídico, mas sim genérico, mais amplo, referente à criação de regras. Assim, nomear estaria vinculado ao ato de criar regras (no caso, linguísticas, de comunicação). Existe então uma forma ideal para que cada ferramenta cumpra sua finalidade, sejam tais ferramentas produzidas em um determinado tipo de madeira, de metal ou de qualquer outro material. Sócrates explica que o mesmo vale para nomes: independentemente se os nomes foram criados a partir de sílabas diferentes, ou se foram empregados de maneira errônea, existem nomes ideias, ou adequados, para cada tipo de coisa, independentemente se for na língua helênica (grega) ou em um idioma “bárbaro”*. 

 *(quaisquer nações não urbanizadas na opinião dos gregos da época de Sócrates e de Platão). 

 Na nomeação, ou na “correção de nomes”, como em toda arte/ conhecimento então, deve haver um diálogo entre quem produz a ferramenta e quem a utiliza. Desta forma Crátilo teria alguma razão, pois para se incorporar a forma ideal (Eidos) em cada nome, é preciso que haja comunicação entre o indivíduo que dá os nomes (“nomothetoy”) e o que utiliza os nomes: o dialético, ou dialogador. Hermógenes, apesar de concordar com Sócrates até então, diz não saber mais o que responder-lhe, pois acha difícil mudar de opinião repentinamente. 
 Os interlocutores traçam uma investigação filosófica sobre o tema então. Sócrates diz que os nomes das pessoas e de heróis tendem a serem enganosos, pois cita como exemplo disto, o fato deles serem escolhidos devido a um ancestral/ uma linhagem familiar e devido a serem escolhidos como uma expressão de orações (Teófilo etc). O ideal é buscar o nome dado às coisas eternas, como por exemplo, aos deuses (theoi), pois seriam escolhidos com mais cuidado; O filósofo então, seguindo um estudo da língua grega e suas possíveis origens, explica que a palavra “deuses” (theoi) tem relação com o termo “correr” (thein), pois os antigos veneravam os astros como se fossem deuses, e os viam “correr” pelos céus em seus movimentos cíclicos (o Sol, a Lua etc).
 Hermógenes então indaga sobre a palavra “daimons” (espíritos, ou “gênios”, às vezes traduzido como “semi-deuses”). Para responder a questão, Sócrates cita o trecho de um poema de Hesíodo e indica que “daemon” parece estar ligado à lendária raça de ouro - guardiões que afastam o mal dos seres humanos. Esta raça era tida como os “primeiros seres humanos” de um período muito antigo nos mitos gregos.
 Já a palavra heróis poderia vir de “Eros” (amor sensual) porque tais personagens supostamente nasceram de deuses que se apaixonaram por humanos. Porém a palavra herói também poderia vir da palavra da língua ática, “erein”, que quer dizer falar, pois os heróis da antiga Ática eram oradores, como os sofistas, explica Sócrates. 
 Sócrates então diz seguir inspirado pelo encontro com Eutífron (possivelmente o personagem citado em outro diálogo) e investiga as origens da palavra “antropos” (homem). Ele entende que a palavra surgiu para fazer distinção entre os humanos e os demais animais, pois sua etimologia viria de algo como “aquele que examina e considera o que viu” (seu sufixo viria da palavra “opope”).
 Atendendo o pedido de Hermógenes para investigar as palavras “alma” (psiquê) e “corpo” (soma), Sócrates diz que a primeira deve vir de “revitalizado” (anapsykhon), mas em seguida opta por dar mais uma explicação sobre a origem desta palavra: Ele relembra que Anaxágoras (filósofo naturalista grego, ou, “pré-socrático”) teorizou que é a inteligência que move todas as coisas (Nous, a inteligência, ou mente, cósmica). Daí, citando que é a alma (psiquê) que veicula e sustenta (okhei kai ekhei) a natureza (physin), a palavra poderia vir de uma alteração ou corrupção da união destas (physin + ekhei = psyche);

 É válido notar que Pitágoras e/ ou os filósofos pitagóricos propagaram a teoria da metempsicose, a transmigração da alma, antes mesmo de Anaxágoras, portanto era uma forma (anterior ao século 5 a.C) de explicar e entender que a psiquê (alma) anima o corpo. Os pitagóricos não seguiam a cosmogonia (“mitologia”) de Hesíodo e Homero que eram as mais populares da Grécia antiga - o pitagorismo tem semelhanças com teorias do orfismo e traça sua origem nesse movimento “religioso filosófico” que certamente é mais antigo que os famosos poetas e suas supostas obras. É possível então que a ideia da alma animar o corpo seja mais antiga do que os filósofos “pré socráticos”, já que o orfismo pode ser tão ou mais antigo do que os poemas de Homero e Hesíodo (cerca de 800 aC - 650 aC).

 As possíveis etimologias ou origens da palavra “soma” (corpo) seriam “semá” (túmulo, indicando onde a alma fica sepultada), “sema” (sinal, pois o corpo seria um sinal da alma, representando seu significado) ou, de acordo com os poetas órficos, diz Sócrates, poderia ser “sóizetai” (preservada com segurança, ou seja, o local onde a alma deve cumprir sua pena).
 Os interlocutores seguem investigando a etimologia dos (nomes dos) deuses; 
Foi explicado sobre a etimologia de "Zeus" que teria uma origem nos nomes Zena e Dia. O nome desta divindade então significaria algo relacionado à vida (zís), pois Zeus seria o deus de toda a vida, de acordo com o filósofo. Conforme Sócrates, Zeus seria filho de um grande intelecto e assim ele é (Zeus ou seu progenitor) koron, que quer dizer pureza. Kronos, considerado pais de Zeus na cosmogonia principal dos mitos da Grécia antiga/ clássica, por sua vez, seria o filho de Urano ("deus dos céus"). Sócrates, porém, insinua que o nome correto é Urania (Oyrania, ou Ourania), o que dá a entender que seria uma entidade feminina.
Retomando a investigação dos nomes dos deuses gregos, Sócrates explica que Héstia (deusa do lar, do fogo doméstico etc) tem seu nome oriundo da antiga palavra "essia" que significava essência/ ser (oysia, ousia, na língua grega do tempo de Platão). Isto teria relação, explica Sócrates, com o fato de que tudo que participa do ser, é (estin). Além disto, estaria conectado com o fato dos antigos fazerem seus sacrifícios primeiramente à Héstia, para só depois fazer aos outros deuses.

Esta parece mais uma prova da relevância de Héstia, estando de acordo com que Platão cita nas obras Eutífron e Fedro. Teria isso relação com o fato do "culto" à Héstia ser feito nas casas, diante as lareiras, sem a necessidade de grandes templos? Seria por esses motivos, Héstia uma deusa literalmente popular? Teria relação com Vesta (deusa equivalente à Héstia), cultuada pelos romanos?

Sócrates então aborda a esposa de Kronos, a divindade Rhea: A origem de seu nome viria de corrente (reymáton em grego), pois está relacionada às velhas palavras de sabedoria que comparam o universo com a correnteza de um rio. Tal fato também relaciona-se tanto aos mitos de deuses primordiais marinhos/ aquáticos (Oceanus e Tétis, de acordo com o semi lendário Orfeu, ou com o orfismo) como aos ensinamentos de Heráclito que explicava que tudo está em movimento (e sua emblemática frase dizendo que "ninguém pode entrar no mesmo rio duas vezes").

 A seguir eles discutem sobre os nomes Poseidon e Hades. O primeiro estaria associado ao fato do mar atrapalhar o movimento do caminhar, ou seja atrapalhar o movimento dos pés, como se os amarrasse (posídesmos); Porém Sócrates entende que o nome desta divindade também pode ter vindo de Pollieídotos (o que conhece muitas coisas) ou de hoseion (o agitador, ou seja, que causa maremotos/ terremotos).

Sócrates acredita que o nome Hades, "deus da residência" das almas dos mortos, possa ter vindo da palavra Aides (Invisível) e que o nome Plutão viria do fato dele dar a riqueza (ploutou ou ploytoy). Porém, a seguir, o filósofo deduz outra origem ao nome desta divindade: Ele diz que Hades prende as almas com um dos mais fortes grilhões, que é o desejo de se associar com alguém que nos faria melhores. Isso porque Hades só permite que se associem a ele, aquelas almas mais puras que se livrarem de todos os males e desejos corporais. Ele assim o faz porque sabe que livre de seus corpos, as almas podem ser presas pelo desejo da virtude ou da excelência (ética etc). Por isso seu nome deve vir de "eidénai", aquele que conhece todas as coisas boas (allá poly mallon apó tou panta ta kalá eidénai).

Após falar sobre o nome de mais alguns deuses, os interlocutores começam a falar sobre a etimologia das virtudes; Sócrates diz que as virtudes mencionadas por Hermógenes foram nomeadas sendo tratadas como coisas se movendo, fluindo e/ou vindo a ser: Phronesis (sabedoria), por exemplo, viria das palavras "compreensão" (noesis) do "fluxo" (phoras). Entendimento (gnóme) viria de exame e observação da geração (gonés sképsin kai nómesin) enquanto compreensão (noésis) seria desejo (hésis) pelo novo (toy neoy). Sócrates explica que o desejo da alma pelo "vir a ser" é expresso por aquele que atribuiu o nome "neohésis" (noesis), que antigamente, numa época anterior a Sócrates, era escrito com 2 épsilons (neoeesis). Continuando, Sócrates diz que autocontrole/ moderação (sophrosyne) é salvação (soter) da "sabedoria" (phronésis) e que "conhecimento" (episteme), denota que a alma tem algum valor quando acompanha (epoménes) as coisas em seu movimento, sem precedê-las e sem ficar para trás delas.

Interessante como a moderação é um fator para compreensão e sabedoria e como o conhecimento não deve preceder nem ser ultrapassado pelas coisas; Assim, pré suposições não fazem parte do conhecimento, bem como fazer as coisas sem estudá-las também não deve ser um conhecimento.

Ainda nesta categoria das etimologias que consideram as coisas em movimento, Sócrates comenta sobre as palavras "entendimento" (synesis), "cômputo" (syllogismos), "entende" (synienai), "sabedoria" (sophia), "admirável" (agáston) e "o bom" (t agathon). O filósofo então diz que justiça (dikaiosyne) refere-se ao conhecimento (synesis) do justo (toy dikaíoy). 

Sobre o justo (dikayon) em si, Sócrates diz que é mais difícil descobrir sua origem e começa uma hipótese/ explicação: (...) "os que pensam que o universo está em movimento creem que sua maior parte tem uma tal natureza que não passa de um receptáculo, e que existe algo que atravessa tudo isso, que é pelo meio de que todas as coisas criadas vêm a ser. E esse algo deve ser celeríssimo e sutilíssimo, porquanto não poderia atravessar o universo a menos que fosse muito sutil, de sorte que nada poderia impedir seu ingresso, e é necessariamente muito célere, de modo que todas as demais coisas estão relativamente em repouso"...

Esta curiosa teoria do universo diz que sua maior parte é um receptáculo, ou seja, que recebe algo, seja uma energia, força etc. Em seguida mostra que algo super célere e sutil atravessa todo ele, logo esse algo que atravessa é maior ou mais expansivo que o universo "receptáculo", indo além deste. Este algo que atravessa deveria ser praticamente imperceptível e/ ou indetectável (pois é sutilíssimo) e sua velocidade é tão alta que relativamente todas as coisas do universo estão paradas, ou seja, em repouso relativo a essa coisa super célere e ultra penetrante (nada pode impedir seu ingresso ou sua passagem no/ pelo universo receptáculo).

... "Desde, portanto, que ele governa e "atravessa" (diaión) todas outras coisas, é designado corretamente por meio do nome "dikaion", o som do kappa (k) sendo acrescido por uma mera questão de eufonia (soar bem). Até este ponto, como eu disse há pouco, há consenso entre muitas pessoas sobre o justo (dikaion). E quanto a mim, Hermógenes, conservando o máximo de seriedade em relação a isso, persisti com minhas indagações e recebi ensinamentos em segredo de que isso é o justo, ou a causa - e alguém a mim disse que foi por esta razão corretamente chamado Zeus (Día)." Sócrates então diz que continuou perguntando após esse ensinamento e recebeu opiniões divergentes [de que esse Zeus ("Día") seria o Sol, o calor ou a inteligência (Nous)], por isso permaneceu perplexo.

Interessante notar que Dia tem alguma proximidade com outros nomes através de diferentes pronúncias: se pronunciarmos o "dê" (d) com som de "dj", teremos Dja, que também pode ser falado "Djia" e daí poderia ir sendo alterado para Já e Ya ou até mesmo para Ea. Este último o nome de um deus mesopotâmico. "Ja" é a inicial de Japetus que também pode ser pronunciado Iapetus, o titã criador da raça humana, pai de personagens famosos da mitologia grega: Atlas, Prometeus e Epimeteus. A etimologia do nome Japetus é incerta, alguns propuseram que o nome possa vir de uma palavra grega equivalente a "perfurador", mas outros acham que o nome não tem origem grega. Poderia Japetus/ Iapetus vir de "Ea Ptah", a junção do nome de um deus criador mesopotâmico com um egípcio? Ou poderia ter alguma relação entre os nomes Japetus e Júpiter, deus romano equivalente a Zeus? Além destas possibilidades, Ya ou Ia é a inicial de Yhwh, ou seja, Javé. Por fim, se retornarmos o "Z" de Zeus ao som de Dj, teríamos Djeus, um nome bem próximo de Deus. 

A história das religiões (e dos "nomes divinos") é praticamente não-rastreável: ela se inicia muito antes da escrita em práticas espirituais primitivas como o "xamanismo". Ao longo dos milênios, podem ter ocorrido variadas adaptações nomenclaturais, reinterpretações de nomes, além de sincretismos, separações de práticas religiosas etc.

Sócrates então relaciona a palavra "coragem" (andreia), não diretamente com "homem" (andros), mas com "anreia", ou seja, contra fluxo. A coragem então seria ir contra o fluxo que é contrário ao justo, pois justo é o fluxo relacionado a Dia (Zeus), criador da vida, que atravessa/ preenche todo o universo. Em seguida, o filósofo relaciona "macho" e "homem" (arren e anèr) com "fluxo ascendente" (anoi roêi) e "mulher" (gynè) com "nascimento" (goné) e com "florescer", no sentido de dar vida.

Ao explicar a palavra "arte" (tekhne), Sócrates diz que sua origem deve ser "ter inteligência" (ekhonoe) e explica que muitos nomes foram "sepultados" por acréscimos ou subtrações de letras, seja por uma priorização da vocalização/ pronúncia/ eufonia, ou seja por ação do tempo (desuso ou esquecimento de palavras com o passar dos séculos).

Investigando a palavra "mal" como sinônimo de "vício" (kakía), Sócrates diz que todo o mal ou vício trata-se de um mau movimento da psiquê em relação a teoria do fluxo que adentra/ atravessa o universo. "Covardia" (deilia) também seria um mau movimento e sua "etimologia grega" viria de "demasiado" (lian) e "grilhão" (desmos). Outro mal do mesmo tipo seria a perplexidade/ dificuldade (aporia) e por isso, a virtude/ excelência (aretê ou arete) seria contrário a esse mal - uma "facilidade de movimento" (eyporían ou euporían). Isto porque a boa (agathês) psiquê é sempre livre e "sempre flui" (aei réon). Deste último termo teria surgido a palavra "aretê".

Sócrates responde a Hermógenes que a palavra aiskhron (vil/ feio/ asqueroso) vem de aei iskhonti ton royn (sempre tolhe o fluxo), isto porque algo vil/ feio/ asqueroso é contrário ao fluxo que preenche e atravessa o universo, pois este é justo e divino (de Dia, Zeus). A palavra que designa o contrário de aiskhron, kalos (bom, belo, nobre) viria do termo "nomear" (kalésan), pois o que dá os nomes verdadeiros às coisas é belo, pois é produto da inteligência, seja humana ou divina. A palavra usada pelo filósofo para definir inteligência aqui é phronésis (traduzida como sabedoria anteriormente).

Após investigarem mais alguns nomes, Hermógenes sugere a busca pela origem da palavra lysiteloyn, que parecia ser empregada como sinônimo de "proveitoso". Sócrates diz que tal palavra originalmente não foi designada como na linguagem dos comerciantes, mas sim referente aquele elemento mais rápido do que todas coisas que são (certamente relacionado ao "algo" justo celeríssimo e sutilíssimo que preenche e atravessa o universo etc).

O tradutor Edson Bini explica que o autor se refere a "agathon" (bom) neste trecho, ao invés do "dikaion" (justo/ justiça) anteriormente citado no texto. O texto trata desta teoria incomum ou complexa de Platão e o original grego (de acordo com o site https://www.perseus.tufts.edu/hopper/text?doc=Plat.+Crat.+417&fromdoc=Perseus%3Atext%3A1999.01.0171), parece citar a palavra psyquê neste trecho, a qual não encontrei na tradução.

O diálogo continua com Sócrates dizendo que o "algo" (justo ou bom) celeríssimo libera (a psiquê, presumo) de um cessar do movimento ou de um "fim" (telos). Esta "liberação" (lyei) rumo ao incessante/ ao imortal, seria a origem e verdadeiro significado da palavra lysiteloyn ("proveitoso").

Após relacionar a palavra "prejudicial" (blaberon) com aquilo que deseja "prender" (blapton) ou "agrilhoar" (háptein) o fluxo (da teoria já mencionada), Sócrates diz que esta palavra foi simplificada com o passar do tempo, enquanto outras como "zemíodes" (danoso) foram pouco modificadas, mas tiveram seu significado invertido. O filósofo explica que todas as palavras relacionadas aos aspectos bons (déon ou diion) abordadas no diálogo, lidam com o princípio da ordem e movimento (dikaion que é justiça, Dia que é Zeus etc) que sempre foi objeto de aprovação, enquanto as palavras que são contrárias a essas, lidam com o constrangimento e agrilhoamento deste princípio.

Sócrates então faz uma breve relação entre as palavras "epithymias" (traduzido geralmente como "desejo") e "thymous" (traduzido como iraindignação etc). Apesar da origem da palavra ser utilizada como indignaçãocólera e sinônimos, como expliquei nas "observações sobre A República", a palavra thymous e todas suas correlacionadas parecem se referir a sentimento ou emoções. Afinal Platão sugere que o "thymous" é o elemento intermediário da alma que deve se unir com o superior, da reflexão, razão, busca pela sabedoria (etc) e ninguém raciocina ou faz reflexões em fúria ou tomado por raiva. Ela deveria ser empregada com esse significado de sentimento explosivo ou destrutivo devido a fatores históricos e culturais da Grécia antiga (séculos 9 aC até 3 aC), típicos de uma sociedade patriarcal e notoriamente machista para os padrões "euro-americanos" deste início de século 21.

Após investigarem brevemente uma série de palavras, Sócrates explica que "doxa" (opinião) viria das palavras "dioxei" (busca) e "toxoy" (arco). A relação com a palavra "arco" indicaria que opinar é uma tentativa, um disparo sem a reflexão intelectual e sem previdência.

Sócrates então explica que "voluntário" (hekoyson) expressa o que não resiste, mas sim, submete-se ao movimento (princípio da ordem...), enquanto "necessidade" (anágken) refere-se ao compulsório e "resistente" (antítipon) ao movimento. Por isso "anagkaîon" encontra-se em analogia ao caminhar por um desfiladeiro.

 Respondendo a Hermógenes sobre as palavras mais nobres, Sócrates diz que "ónoma" (nome) vem de "onomastón" abreviado de "òn hoy másma estin" (ser do qual é a investigação). "Alétheian" (verdade) viria do movimento divino já mencionado, pois é uma "theía ále" (perambulação divina). Tò òn (ser, relacionado à ontos) significaria iòn (ir) sem a letra inicial "iota" (i), similar à oysia (essência) - do mesmo modo "não ser" (oyk on) viria de "não ir" (oyk ion). A seguir ele pergunta a Hermógenes se o momento ideal para se parar a investigação da origem dos nomes não seria quando se chega em uma palavra que não é mais composta de outras. Hermógenes concorda com o filósofo.


A partir daí eles começam a especular como seria um alfabeto ideal e como seriam feitas as escolhas das letras para nomear as coisas formando as palavras. Crátilo então tentará defender que os nomes correspondem à(s) verdade(s) e Sócrates irá contra argumentar mostrando como eles (os nomes) são representações mais ou menos precisas, praticamente refutando o jovem colega de Hermógenes.


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