Observações sobre Fédon (Da Psiquê); Parte 2

Continuo aqui um resumo sobre a obra Fédon, com algumas observações.

95c Em reação a Cebes, que perguntou se a alma não poderia desgastar-se ao longo da metempsicose (similar à reencarnação em corpos), Sócrates faz uma pausa absorto em pensamentos antes de seguir; 96a Até que ele continua o diálogo com um relato, dizendo: “Então, ouve o que passo a relatar-te. O fato, Cebes, é quando eu era moço sentia-me tomado do desejo irresistível de adquirir esse conhecimento a que dão o nome de História Natural. 

Para mim, se afigurava realmente maravilhoso conhecer a causa de tudo, o porquê do nascimento e da morte de cada coisa, e a razão de existirem. Vezes sem conta me punha a refletir em todos os sentidos, inicialmente a respeito de questões como a seguinte: Será quando o calor e o frio passam por uma espécie de fermentação, conforme alguns afirmam, que se formam os animais? É por meio do sangue que pensamos? Ou do ar? Ou do fogo? 
Ou nada disso estará certo, vindo a ser o cérebro que dá origem às sensações da vista, do ouvido e do olfato, das quais surgiria a memória e a opinião, e, da memória e da opinião, uma vez, tornadas calmas, nasceria o conhecimento? De seguida, ocupei-me com a corrupção das coisas e com as modificações do céu e da terra, para chegar à conclusão de que nada de proveitoso se tirava de minha inaptidão para considerações dessa natureza. 
Vou dar-te uma prova eloquente disso mesmo. Para as coisas que, segundo meu próprio parecer e de outras pessoas, eu conhecia bem, a tal ponto me deixaram cego semelhantes especulações, que cheguei a desaprender até mesmo o que antes eu presumia conhecer, entre outras, por exemplo, por que o homem cresce”(...) 
97b Ao ouvir, porém, certa vez alguém ler num livro de Anaxágoras – segundo dizia – que a mente* é organizadora e causa de tudo, fiquei satisfeitíssimo com semelhante causa, por parecer-me de algum modo, muito certo que a mente* fosse a causa de tudo, tendo imaginado que, a ser assim mesmo, como coordenadora do Universo, a mente disporia cada coisa particular pela melhor maneira possível. Se alguém quisesse explicar a causa de como alguma coisa nasce ou morre ou existe, teria apenas de descobrir qual é a melhor maneira para ela de existir, sofrer ou produzir seja o que for. Segundo esse critério, só o que importa ao homem considerar, tanto em relação a si mesmo como a tudo o mais, é o modo melhor e mais perfeito. Desse jeito, ficaria necessariamente conhecendo o pior, por ambos serem objeto do mesmo conhecimento. Depois dessas reflexões, alegrei-me ao pensar que havia encontrado em Anaxágoras um professor da causa das coisas (de didáskalon tís aitías perí tón ónton, também traduzido como "professor das coisas que são") como havia muito eu desejava, que começaria por dizer-me se a Terra é chata ou redonda, e depois me explicaria a causa e a necessidade dessa forma, recorrendo sempre ao princípio do melhor, com demonstrar que para a Terra era melhor mesmo ser assim. No caso de dizer que a Terra se encontra no centro, explicaria porque motivo é melhor para ela ficar no centro. Se ele me demonstrasse esse ponto, decidir-me-ia, de uma vez por todas, a não procurar outra espécie de causa. O mesmo faria com relação ao Sol, à Lua, e aos outros astros, no que diz respeito à sua velocidade relativa, o ponto de conversão e demais acidente a que estão sujeitos, bem como a razão de ser melhor para cada um deles fazer o que fazem ou sofrer o que sofrem. Um momento sequer não podia admitir que, depois de afirmar que tudo está ordenado pela mente*, indicasse outra causa que não a de ser melhor para tudo proceder como procedem. Ao atribuir uma causa particular a cada coisa e ao conjunto, estava certo de que no mesmo ponto demonstraria o que para cada um era melhor e em que consistia para todos o bem comum. Por nada do mundo abriria mão dessa esperança. Por isso, havendo tomado do livro com sofreguidão, li-o de um fôlego, para poder ficar conhecendo, o mais depressa possível, tanto o melhor como o pior. 
Assim Sócrates mostra o que seria preciso para o estudo “do ontos”, ou para um professor de "onto-logia": Apurar qual a melhor maneira das coisas serem. Isto complementa a visão “teleológica” (finalidade dos estudos ou da construção de conhecimento, no caso, da filosofia) socrática/ platônica apresentada em Parmênides
A postura, ou conjunto de posturas de Sócrates ao longo dos diálogos (que certamente é a mesma postura de seu pupilo, Platão) é ética e leva em consideração a epistemologia, ontologia, psicologia e a metafísica. Obviamente a psicologia da antiguidade clássica parecia lidar mais com questões morais, éticas e de espiritualidade, devido a fatores histórico-culturais. Tal psicologia lida com pensamentos, intenções, valores, praticamente não se aproximando de possíveis problemas neurológicos - mesmo porque a neurologia é outra área de estudos. 
De todo modo, em nenhum momento Platão ou Sócrates impõem limites ao saber, à filosofia ou a qualquer um de seus campos. Com a postura de presumir a própria ignorância, mas sem aceitar qualquer argumento imediatamente e utilizando-se o método da maiêutica, Sócrates buscava o saber trabalhando a noção do que é bom (e consequentemente do que é ruim também) em seus interlocutores
Porém, não demorei, companheiro, a cair do alto dessa maravilhosa expectativa, ao prosseguir na leitura e verificar que o nosso homem não recorria à mente* para nada, nem a qualquer outra causa para a explicação da ordem natural das coisas, senão só o ar, ao éter, à água, e uma infinidade mais de causas extravagantes. Quis parecer-me que com ele acontecia como com quem começasse por declarar que tudo o que Sócrates faz é determinado pela inteligência, para depois, ao tentar apresentar a causa de cada um dos meus atos, afirmar, de início, que a razão de encontrar-me sentado agora neste lugar é ter o corpo composto de ossos e músculos, por serem os ossos duros e separados uns dos outros pelas articulações, e os músculos de tal modo constituídos que podem contrair-se ou relaxar-se, e por cobrirem os ossos, juntamente com a carne e a pele que os envolvem. 
Sendo móveis os ossos em suas articulações, pela contração ou relaxamento dos músculos fico em condições de dobrar neste momento os membros, razão de estar agora sentado aqui com as pernas flectidas. A mesma coisa se daria, se a respeito de nossa conversação indicasse como causa a voz, o ar, os sons, e mil outras particularidades do mesmo tipo, porém se esquecesse de mencionar as verdadeiras causas, a saber: pelo fato de haverem acordado os Atenienses em condenar-me, pareceu-me, também, melhor ficar sentado aqui, e mais justo submeter-se neste local à pena cominada. 
*Esta mente citada nas traduções é nous, possivelmente a mente cósmica citada por Anaxágoras. Tal Mente ou Inteligência, além de ser a causa de todas as coisas, é tratada como O Deus, ou a divindade de Sócrates, em Filebo. O teor monoteísta não é novidade nas obras de Platão, vide Parmênides.
A seguir Sócrates critica claramente as explicações mecanicistas e sensoriais que os filósofos naturalistas geralmente apresentavam como verdades. Sócrates exemplifica que ele toma suas decisões não por causa de seus nervos ou ossos, mas por causa de sua inteligência (de sua psiquê). Ele foi preso e condenado por decisões de outros indivíduos, que tinham intenções próprias, interpretaram as atitudes de Sócrates e emitiram suas respectivas opiniões. Assim Sócrates traz a proeminência da psique por trás dos fatos. E continua: 
99. Imagine não conseguir distinguir a causa real, daquela sem a qual a causa não seria capaz de agir, como causa. É o que a maioria parece fazer, como pessoas tateando no escuro; chamam-lhe causa, dando-lhe assim um nome que não lhe pertence. 
A filosofia socrática-platônica traz a importância das áreas de estudo citadas anteriormente. Ela indica e fomenta a atividade mental/ psíquica: O pensar, decidir, expressar/ dialogar, interpretar etc. Para que haja estudo sobre a psiquê, seja alma ou a mente, com seus pensamentos, sentimentos, valores, intenções (etc), as experiências mentais devem ser relatadas ao estudioso (geralmente o psicólogo, a partir do séc 20) que trabalhará com métodos reflexivos e talvez comparativos, raramente um método objetivo devido a própria natureza das experiências mentais. Isto explica, ao menos parcialmente, as origens da psicologia dentro da filosofia; Qualquer estudo que force o enquadramento das experiências mentais dentro de um método meramente objetivo, sensorial/ de repetição (reprodutível), está fadado a graves distorções dos fatos. Distorções estas que facilmente levam ao erro e não constroem um conhecimento verdadeiro e completo sobre o(s) indivíduo(s) estudado(s). Um exemplo clássico é que o método de investigação empírico em sua origem considera toda experiência subjetiva como irrelevante, falsa ou inexistente - principalmente as ditas “místicas”, “sobrenaturais”, transcendentais e similares. É claro, que na história das ciências e da psicologia, houveram tentativas e alegações de que o método empírico funciona para construir um conhecimento psicológico, mas isto se deu distorcendo/ modificando o significado do termo (ou do próprio método) empírico. O que se entende do ser humano, através de um estudo empírico à rigor, é seu comportamento observável, não suas intenções, opiniões e outros elementos mentais internos, que não foram expressos. Ainda que através do comportamento seja possível obter evidências sobre o psiquismo ou mentalidade do indivíduo, em geral, tais informações são parciais ou superficiais. A causa disto é óbvia: métodos sensoriais, como o empírico, trabalham só uma pequena porção da realidade: a perceptível pelos sentidos. 
É por isso que um homem envolve a terra com um vórtice para fazer com que os céus a mantenham no lugar, outro faz com que o ar a sustente como uma tampa larga (uma gamela, do grego kardópoi plateiai). Quanto à sua capacidade de estar no melhor lugar que poderiam estar neste exato momento, isso eles não buscam, nem acreditam que tenha alguma força divina (daimonian iskhyn), mas acreditam que um dia descobrirão um(a) Atlanta (Edson Bini, traduz como o titã da mitologia, embora esse se chame Atlas) mais forte e mais imortal, para manter tudo mais unido, e eles não acreditam que o que é verdadeiramente bom e 'vinculativo' os une e os mantém unidos. 
Sócrates explica que em seu ponto de partida, supõe a existência do belo em si mesmo, do bom e si mesmo* e do grande em si mesmo.
*[kalon, relacionado à kalos, o bem, a bondade; uma virtude/ excelência...]
Assim, quando Sócrates ouve alguém dizer que algo é belo por causa de sua cor, de sua forma e coisas desse gênero (por causa do que é perceptível sensorialmente), ele ignora e agarra a si mesmo de forma simples na ideia (eidos) de que as coisas são belas porque participam/ comungam da beleza em si mesma - é a presença do belo em si mesmo nas coisas que as fazem belas. 
Sócrates não discute diretamente a possibilidade do desgaste e da dissolução da psiquê/ alma, mas indica a existência das eidos, como o bem/ o belo, existindo de modo imutável e uno. Sendo algo alcançável pela psiquê/ alma humana, é mais próxima desta do que do corpo, e sendo mais próxima e alcançável, possivelmente Sócrates convence seus interlocutores de que a psiquê é indestrutível.
Sócrates traz a ênfase no bem/ belo (kalos, um valor não meramente individual, mas universal) para a construção do conhecimento. Ele entendia que a Terra deveria ser redonda porque este deveria ser “o melhor jeito dela ser” (vide A República). Buscar entender o melhor jeito dos seres existirem e das coisas serem, era a função ontológica da filosofia. Isto não é separável da busca pelo bem: a filosofia, como todo o saber, deve ser ética - se pautar sempre por valores universais. Embora alguém possa atacar a ideia de valor universal alegando que eles são relativos, a verdade é que os valores universais são de utilidade coletiva e devem ser desenvolvidos individualmente, para que cada indivíduo trate todos com justiça, ou seja, com equidade. Quando Sócrates critica os indivíduos que favorecem os amigos e prejudicam os demais, na obra A República, certamente ele estava buscando propagar a ética como parte da amizade pelo saber (filosofia). 
103b-107a Sócrates realiza uma investigação racional dialética com seus interlocutores, onde faz comparações entre os números pares e ímpares, o frio e o calor a vida e a morte, concluindo que a psiquê (alma) é imortal e o corpo, mortal; 107c "Porém devemos senhores, considerar também o seguinte: se a alma for imortal, exigirá cuidados de nossa parte não apenas nesta porção do tempo que denominamos vida, senão o tempo todo em universal, parecendo que se expõe a um grande perigo quem não atender esse aspecto da questão. Pois se a morte fosse o fim de tudo, que imensa vantagem não seria para os desonestos, com a morte livrarem-se do corpo e da ruindade muito própria juntamente com a alma? Agora, porém, que se nos revelou imortal, não resta à alma outra possibilidade, se não for tornar-se, quanto possível, melhor e mais sensata. Ao chegar ao Hades, nada mais leva consigo a não ser a instrução e a educação, justamente, ao que se diz, o que mais favorece ou prejudica o morto desde o início de sua viagem para lá." 
107d O que contam é o seguinte: ou morrer alguém, o daemon (espírito) que em vida lhe tocou por sorte se encarrega de levá-lo a um lugar em que se reúnem os mortos para serem julgados e de onde são conduzidos para o Hades com guias incumbidos de indicar-lhes o caminho. Depois de terem o destino merecido e de lá permanecerem o tempo indispensável, outro guia os traz de volta, após numerosos e longos períodos de tempo. Esse caminho não é o que diz Télefo, de Ésquilo, ao afirmar que o caminho do Hades é simples; a meu ver nem é simples nem único. Se fosse o caso, seria dispensável guia, pois ninguém se perde onde a estrada é uma só. O que parece é que ele é cheio de voltas e bifurcações. Digo isso com base nos ritos sagrados e cerimônias aqui em uso. De qualquer forma, a alma prudente e moderada acompanha seu guia, perfeitamente consciente do que se passa com ela; mas, como disse há pouco, a que se agarra avidamente ao corpo esvoaça durante muito tempo em torno dele e do mundo visível, e depois de grande relutância e de sofrimentos sem conta, é por fim arrastada dali, à força e com dificuldade pelo daemon incumbido de conduzi-la. Uma vez alcançado o lugar em que se encontram, outras almas, a que se acha impura pela prática do mal, de homicídios injustos ou de crimes semelhantes, irmãos daqueles e iguais aos que soem praticar almas irmãs, de umas alma como essa todas se afastam, evitam-na, não havendo guia nem companheiro de jornada que com ela se associe. Tomada de grande perplexidade, vagueia por todos os lugares até escoar-se certo tempo, depois do que a arrasta a Necessidade para a moradia que lhe foi determinada. A que atravessou a vida com pureza e moderação e alcançou deuses por guias e companheiros de jornada, obtém moradia apropriada. 
Na sequência Sócrates especula que a Terra seja redonda e que esteja localizada no mesmo "céu" dos demais astros, onde haveria o que outros filósofos chamavam de "éter". Para Sócrates (e certamente Platão), a água, o vapor e o ar eram sedimentos desse éter do "céu" onde situam-se os astros, e estes "sedimentos" fluiriam para a Terra e suas concavidades (certamente o formato irregular da geomorfologia: desde as montanhas, passando pelos continentes, até as partes mais profundas/ o oceano). Os povos do mediterrâneo são comparados com pequenos animais vivendo em torno de um poço, pois a Terra seria muito maior do que aquela região (Europa, norte da África e oriente médio) onde viviam. Embora tais argumentos pudessem parecer uma especulação sobre física (a circunferência da Terra só foi calculada cerca de 150 anos após Platão, por Erastóstenes), Sócrates segue explicando, que devido à fraqueza (certamente psíquica: mental e espiritual) e a indolência, os seres humanos são incapazes de alcançar a superfície além da Terra: Aqui o filósofo já não fala em mero espaço físico, ao menos, não no espaço tridimensional: Ele se refere a um "céu verdadeiro" e uma "luz verdadeira" de onde poderíamos ver que a nossa Terra onde vivemos não passa de um mundo rústico e imperfeito. Nesta realidade mais verdadeira haveria a beleza superior às coisas de nosso mundo, e ali, seria possível ver uma Terra mais perfeita: Sócrates menciona um mito onde haveria uma "Terra" mais bela e perfeita (teria relação com o hiper ouranos mencionado em Fedro? Ou com o mundo das eidos mencionado em outras obras?) e todos minerais de nossa terra seriam feitos de fragmentos daquele mundo mais puro. Comparado com aquela Terra mais pura, no mundo onde vivemos normalmente, as coisas são maculadas ou corroídas, causando deformidades e enfermidades tanto nos animais, como nos vegetais e nos minerais. Os seres daquele mundo mais puro teriam tudo mais aperfeiçoado que os humanos da Terra: os sentidos, a saúde e a inteligência - o tanto quanto o ar é mais puro do que a água e o éter do que o ar, diz o filósofo (seria uma alusão aos estados da matéria, considerando mais puro, o mais sutil, ou literalmente mais "etéreo"?). Estes seres se comunicariam com os deuses e veriam os astros (por exemplo, o sol e a lua) como realmente são e a seguir, Sócrates arrisca-se a descrever o lugar de julgamento das almas, os rios por onde estas navegam ou são jogadas e o Tártaro (local mítico de punição). Ao anunciar o fim de sua narrativa, Sócrates é indagado por Críton como proceder. O filósofo responde para Críton fazer como sempre e viver conforme explicado na recente conversa, pois se não fizer assim, de nada adiantaria fazer juramentos e nenhum avanço seria realizado. Críton então pergunta sobre o que fazer com o corpo de Sócrates após sua morte. O filósofo sorrindo, diz que por mais que explique sua situação, seu amigo Críton continua achando que ele é só o corpo e que discursou apenas para tranquilizar a todos (como se a alma de Sócrates não fosse partir).
116b Por fim, após Sócrates receber a visita de seus 3 filhos e das mulheres de sua família, o agente/ comissário dos arcontes anuncia: 
Sócrates, de ti não terei de queixar-me como dos outros, que se zangam comigo e rompem em palavras e pragas, quando os convido a tomar o veneno por determinação superior. No teu caso, pelo contrário, durante todo este tempo e em várias outras oportunidades, pude reconhecer em ti o homem mais nobre, mais gentil e melhor de quantos para aqui têm vindo. Hoje, especialmente, tenho certeza de que não te zangarás comigo, pois sabes muito bem que é dos outros a culpa. E agora, já que ficaste ciente da mensagem (angelon) que vim anunciar-te: Adeus. Tente suportar o inevitável o mais tranquilamente possível. E colocando-se a chorar, deu as costas e retirou-se. 
Sócrates olhou para ele disse: Adeus, também para ti; faremos isso mesmo. Depois, voltando-se para o nosso lado, disse: Que homem delicado! Durante todo este tempo, vinha sempre ver-me e várias vezes conversou comigo. Excelente criatura. Agora mesmo, quanta generosidade revela com esse choro por minha causa! Porém vamos, Críton; obedeçamos-lhe; tragam logo o veneno, se estiver pronto; senão, cuide de prepará-lo o encarregado disso.
Críton então tenta convencer Sócrates para não se apressar, argumentando que outros condenados pedem por um último momento de prazer e muitas vezes são atendidos. 
Sócrates lhe responde: É natural, Críton, que esses tais procedessem conforme disseste, por imaginarem que disso ganhassem alguma vantagem. Mas certamente eu não procederei dessa maneira, pois não vejo o que posso vir a ganhar em beber o veneno um pouco mais tarde. Só me tornaria ridículo a meus próprios olhos, por agarrar-me dessa maneira à vida e tentar economizar o que já não existe. Vamos, continuou: obedece-me e só faças o que eu digo.
117a Ouvindo-o, Críton fez sinal ao menino que se encontrava mais perto. Este saiu e voltou depois em companhia do encarregado de lhe dar o veneno, que já o trazia espremido na taça. Ao ver o homem, Sócrates perguntou-lhe. E agora, meu caro: já que entendes destas coisas, que precisarei fazer?
Nada mais, respondeu, do que andar depois de beber, até sentires peso nas pernas, e em seguidas deitar-te. Assim o veneno atuará.
Depois dessas palavras, estendeu a Sócrates a taça, que a tomou das mãos dele com toda a tranquilidade, sem o menor tremor nem alteração da cor ou das feições. Fitando o homem, com aquele seu olhar de touro (olhos bem abertos), perguntou-lhe: 
Que me dizes? E se eu fizesse uma libação com um pouquinho disto aqui? É permitido ou não?
O homem respondeu: Só preparamos, Sócrates, a quantidade que nos parece suficiente.
Compreendo, retrucou. Mas pelo menos é permitido, e até um dever, pedir aos deuses que façam feliz a passagem deste mundo para o outro. É o que peço. Prouvera que me atendam!
Depois de assim falar, levou a taça aos lábios e com toda a naturalidade, sem vacilar, bebeu até à última gota. Até esse momento, quase todos tínhamos conseguido reter as lágrimas; porém quando o vimos beber e que havia bebido tudo, ninguém mais aguentou. Eu também não me contive: chorei à lágrima viva. Cobrindo a cabeça, lastimei o meu infortúnio; sim, não era por desgraça que eu chorava, mas a minha própria sorte, por ver de que espécie de amigo me veria privado. Críton levantou-se antes de mim, por não poder reter as lágrimas. Apolodoro, que desde o começo não havia parado de chorar, pôs se a urrar, comovendo seu pranto e lamentações até o íntimo todos os presentes, com exceção do próprio Sócrates.
Que é isso, ó gente incompreensível (thaumasioy)? Perguntou. Mandei sair as mulheres, para evitar esses exageros. Sempre soube que só se deve morrer com palavras de bom agouro. Acalmai-vos (silenciai-vos) e sedes corajosos (pacientes)!
Ouvindo-o falar dessa maneira, sentimo-nos envergonhados e paramos de chorar. E ele, sem deixar de andar, ao sentir as pernas pesadas, deitou-se de costas, como recomendara o homem do veneno. Este, a intervalos, apalpava-lhe os pés e as pernas. (...), mostrou-nos que começava a ficar frio e a enrijecer. Apalpando-o mais uma vez, declarou-nos que no momento em que aquilo chegasse ao coração, ele partiria. Já se lhe tinha esfriado quase todo o baixo-ventre, quando, descobrindo o rosto – pois o havia tapado antes – disse, e foram suas últimas palavras: 
Críton, exclamou, devemos um galo a Asclépio. Não te esqueças e dê (salde essa dívida)!* 
Assim farei, respondeu Críton, vê se queres dizer mais alguma coisa.
A essa pergunta, já não respondeu. Decorrido mais algum tempo, deu um estremeção.
O homem o descobriu; tinha o olhar parado. Percebendo isso, Críton fechou-lhe os olhos e a boca.
Tal foi o fim do nosso amigo, Equécrates, do homem, podemos afirmá-lo, que entre todos os que nos foi dado conhecer, era o melhor e também o mais sábio e mais justo. 

*(traduzido de: "ó Kríton, éfi, tó Asklepió ofeílomen alektryóna: allá apódote kaí mi amelísite") Interessante notar que na língua grega atual, galo é kókkoras e não alektryóna; Na mitologia havia um personagem chamado Alektryon: um soldado designado como guarda por Ares, deus da guerra (considerado mais selvagem e estrangeiro em comparação com Atena); Após Alektryon falhar em sua missão de alertar Ares contra Hefesto (deus da forja e das invenções), ele acabou transformado em um galo. O mito, porém, não é mencionado em obra alguma de Platão.
Enfim, ao mostrar possíveis consequências da imortalidade da alma no diálogo Fédon, Platão traz mensagens de responsabilidade, mas de sabedoria e esperança também. 
Em "O Banquete", quando Platão diz que devemos amar o bem (as psiquês coletivamente e as leis que fazem bem ao coletivo etc) ele indica que o bom sentimento deve nos guiar para o bem coletivo e também transcendente. Isto porquê o bem/ belo (kalos) é a ideia/ forma (eidos) sublime que não é meramente sensorial/ corporal, mas sim cognoscível/ psíquica. É assim que se alcança o "hiper ouranos" (além céus, mencionado em Fedro), o reino divino onde não há espaço para malevolência. O bem e as demais eidos então são virtudes humanas/ são o que pode nos fazer excelentes e são mais reais que o mundo sensorial, pois são ligados ou oriundos desta realidade superior, seja qual for seu nome. 

Ser

Este é mais um texto de reflexões pessoais e possivelmente inútil para a maioria das pessoas...

Entendi uma coisa, comprometi a mim mesmo com o que entendi, mas o que eu coloquei em prática muitas vezes destoou de meu entendimento e de meu compromisso. Porque isso? Covardia? Preguiça? Distração? Um pouco de tudo talvez. Mas se sei disso e não mudo, estou me contradizendo. Mas o que eu sei? Coisas importantes: Que o bem e o amor são mais reais do que todos corpos que percebo e que existem. Ao menos dos que existem nesta realidade tridimensional. Então se me comporto como se o bem e o amor fossem coisas para se jogar num armário ou fechar no fundo de um estoque, estou me contradizendo profundamente. O que além dos defeitos já mencionados poderia estar me atrapalhando? Deduções etc etc. No fim são desculpas esfarrapadas. Faz sentido ser humilde. Sereno. Não Julgar. Então se vejo outros fazerem coisas erradas, devo ignorá-los na maioria dos casos. A menos que eu possa de alguma forma realizar o bem (universal) em relação a isso. 
E no cotidiano? Bom, se eu ficar interagindo com outras pessoas, o que estarei fazendo? Com que estarei concordando? Se forem coisas menos reais do que o bem, o amor e as virtudes/ valores universais, então estarei "não vivendo", porque para mim isso não é vida. É um soterramento de minha mente, de minha alma, das coisas que mais fazem sentido. Portanto não é possível descansar em paz nestas condições. 
Eu poderia pensar: ninguém vive virtudes ou valores universais o tempo todo. Mas há alternativas quanto a isso. Ao menos para quem sabe que entre as coisas mais reais do que esse universo tridimensional, também existe vida inteligente. E vida virtuosa, amorosa, verdadeira em todos sentidos da palavra verdade. Vida paciente e acolhedora, além de respeitosa, pois não interfere tirando nossa liberdade de decisões e ações. Vida mais do que espaço-temporal; psiquicamente extensiva, ampla, vasta, sábia e ao mesmo tempo inocente. Imagino que muitos pensariam sobre isto: "Que absurdo! Vida mais do que espaço-temporal!? Paciente, acolhedora, respeitosa, sábia e inocente?!" 
Sim, tudo isso é possível e existe. Porque não estou falando de seres humanos de carne e osso que escondem não só inúmeros pensamentos uns dos outros, mas escondem até sentimentos. Suprimem emoções ora de si mesmos, ora dos outros via repressão, agressão, manipulação etc. E ainda assim não devo julgá-los, pois devido a tudo que sei, estaria me contradizendo, me deformando, me ferindo na parte mais importante de mim: minha alma, minha essência, eu mesmo. 

O espaço tempo é algum tipo de sombra ou reflexo "de um poço" ante a realidade psíquica (espiritual) e ante a quadrimensionalidade. Esta última que pode ser pequenina diante uma "dimensionalidade maior ou mais complexa ainda". 
Cada nova descoberta da ciência que expande nossa noção de tempo e de espaço não "refuta" Deus, mesmo porque, Ele sendo o criador de tudo (de toda curvatura espaço/ tempo, da luz e tudo  mais que existe) e sendo espírito, não é um mero homem. Então eu perguntaria aos religiosos e espiritualistas: Há algo entre nós, seres vivos da Terra, e Deus? Formas de vida intermediárias? Não posso aceitar que não haja, por que há. E o que há, é mais real do que nós nesta sombra ou reflexo das realidades superiores, chamem estas realidade(s) superior(es) de "Reino dos Céus", "Plano Astral", Moradas de Cristo ou tantos outros nomes. Claro que não trago evidências materiais aqui: Afirmo que há algo entre nós seres humanos e Deus, baseando-me em experiências que eu tive - experiências mais reais do que minha vida cotidiana e ainda assim estou "preso" (?) na vida cotidiana. E apesar de minha afirmação não se apoiar em matéria perceptível sensorialmente, sei que ela está de acordo com o estudo racional sobre unidade feito por Platão e também sei que minha afirmação não contraria os cálculos matemáticos que confirmam a existência  de uma quarta dimensão.
Sendo a quarta dimensão e/ ou o tempo, mais sutis do que a realidade tridimensional perceptível, Deus é o que há de mais sutil. Deus é espírito e é o onipresente criador, mantenedor e renovador do universo, do cosmos e de tudo mais; Então como seriam os seres intermediários entre nós, seres tridimensionais de carne e osso e Ele? A única resposta lógica é que tais seres transcendam o que chamamos ou entendemos por espaço-tempo. Transcenda em diferentes níveis, mas mais importantes do que comparações de forma e "espacialidade" ou "temporalidade", são as observações sobre a essência e suas virtudes/ valores universais. Deus, criador (etc) onipresente não julga porque ele ama seus filinhos, ama todas formas de vida porque são seus filinhos. Ele não pode amar menos do que um ser tridimensional de carne e osso preso numa sombra de uma dimensão que pode ser a sombra de outras dimensões, sejam a quinta dimensão ou qualquer outra. Deus então é "onidimensional" e só se pode ser assim sendo tudo e sendo tudo ele tem todos nossos aspectos mais harmoniosos. Ele é a psiquê/ espírito, mais do que cósmico, aquele que transcende todos os ciclos, pois ele (simplesmente) É. Se existem os mais belos amores de mamãe por seus filinhos, amor esse que transpassa a infância da criança e se estende até o filho crescer enquanto a mamãe pode percebê-lo/ senti-lo... então Deus no mínimo ama toda sua criação com esse amor! Então Ele é inocente, mas como criador, mantenedeor e renovador não só de todo espaço/ tempo, mas também da luz que tem a velocidade absoluta e de todas dimensões, Ele também é o mais sábio dos sábios. Por fim, mesmo o termo "Ele" com maiúscula é insuficiente para se referir a Deus; tanto que alguns swamis e iogues hindus em sua devoção, costumam falar "eu sou Ele" como parte de sua prática espiritual ou religiosa...

Obviamente ninguém, ao menos não aqui na Terra, deve saber o porque da existência de todas as coisas, quando foi o início de tudo, se há um início e fim, ou se tudo é um ciclo cósmico mais do que espaço-temporal... Mas podemos notar que pensamentos e sentimentos não são palpáveis materialmente. Ninguém vai pegá-los com um bisturi, repartí-los ou modificá-los fisicamente. O que podemos perceber são seus efeitos em nosso corpo: Pensamentos, sentimentos e outras atividades psíquicas podem ser rastreados em algum nível por produzirem efeitos eletroquímicos em nosso sistema nervoso etc. Claro, que existem aqueles que pensam que nós seres humanos somos somente corpo, mas eu sei que não somos só isso, pelo fato de passar por certas experiências particulares que outras pessoas devem chamar de mediúnicas, místicas, transcendentais ou (mais imbecilmente) alucinatórias. Classificar tais experiências como meras alucinações é uma atitude perigosa que descrevi em outros textos então não abordarei tal assunto aqui.
A atividade psíquica (pensamentos, sentimentos, valores etc) está intimamente ligada com nossa identidade: quem somos, o que priorizamos, nossos possíveis objetivos ou sentido de vida etc. Temos uma identidade psíquica (mental e/ou espiritual) porque não somos um conjunto aleatório de psiquismo; Ainda que tenhamos algumas reações mais automáticas ligadas aos instintos de sobrevivência, nós humanos reagimos de variadas maneiras diante determinadas situações, temos intenções que incluem expectativas para além do presente, e enfim todas nossas ações e pensamentos tem algum nexo entre si - nenhum ser vivo, mesmo que com algum sofrimento ou transtorno psíquico, tem um comportamento totalmente aleatório e nem possuí uma forma física toda disforme.
Portanto há algo mais complexo e mais excelente ou perfeito do que os corpos no universo tridimensional/ no espaço/ tempo. 

As relações entre os corpos, as energias e/ ou as partículas do universo seguem uma lei e essa lei existe além do espaço-tempo já que este é uma curvatura e é relativo, enquanto a velocidade da luz é absoluta.
Particularmente gostei da "hipótese" (de Gebser) de que o tempo é uma força aguda, ou seja, com alguma intensidade, que traz algum movimento ou mutabilidade (isso já parece mais com as propostas de Platão), ao menos, para as coisas do universo tridimensional. O tempo tem alguma relação com a impressão de que tudo está em movimento e percebemos ele mesmo sem o uso dos sentidos: o tempo passa mesmo para os cegos, surdos ou para qualquer um que venha a perder os demais sentidos (como foi bem observado por Bergson). Curiosamente o tempo foi classificado como algo junto ao espaço (por Einstein e/ ou Minkowski) e por isso a hipótese que citei parece fazer mais sentido: O espaço é a porção latente desta mesma "força" que é o tempo - É onde nós seres vivos nos manifestamos em nossos corpos... Mas o que são os corpos? Um mero conjunto de órgãos revestido por partes mais coesas/ simétricas? Moléculas? Átomos? Cargas elétricas ou sub partículas e seus campos eletromagnéticos? 
Não exatamente; os corpos seriam um tipo de "cristalização" do tempo, seja em sua constituição microscópica/ subatômica ou em sua forma geral, em seus campos eletromagnéticos. Alguns dizem que somos poeira cósmica das estrelas, nebulosas ou coisas assim; mas o que são as estrelas, as nebulosas e a "poeira cósmica"? Não poderiam ser manifestações do tempo? Ele que nos permite mudar, aprender e crescer; Crescer psiquicamente pois é com a psique ou alma que percebemos o tempo (os sentidos percebem os corpos e seus movimentos inseridos no espaço, porção mais latente do tempo). 

Mas se somos essencialmente psiquês, o que aprendemos não pode ser meramente conteúdos sensoriais - não existimos apenas para contar coisas "palpáveis" e "enumeráveis", classificá-las, distribuí-las etc. A mudança e o "aprendizado" é mais do que racional, mesmo porque o ser humano tem sentimento e discute valores individuais e universais; interage com outras psiquês que também têm sentimentos, valores... e tudo isso pode ter sentido e é bom que tenha para se evitar vazios existenciais ou afetivos. 
Sendo nossa psiquê algo indivisível (afinal temos identidade, sentido etc), ela não pode ser decomposta, nem apodrecida, muito menos morta - ela é imortal. Sendo imortal e experimentando uma passagem no corpo inserido no espaço-tempo, ela deve aprender o que lhe faz crescer como alma; deve desenvolver-se em bons sentimentos e valores universais; Deve ser ética...
Isso deve bastar para mim: se me contradigo, fico preocupado, triste, irritado ou com qualquer estado doloroso ou afin... eu estaria forçando-me contra Deus, pois Ele ama a mim e a toda a vida. Esse estado de contradição sim é um absurdo e por isso não devo me apegar nem odiar coisa alguma da "matéria"; devo respeitar outras almas humanas e me respeitar*, mas não devo priorizar os corpos tridimensionais. (*amar a Deus e todas as almas, pois as almas foram feitas à semelhança Dele como explica Tereza d'Ávila; e Deus é espírito já dizia Jesus) Ei de priorizar e priorizo o bem e o amor, que incluem a justiça, a esperança, o entendimento, a sabedoria, a misericórdia, a vontade/ coragem, a devoção/ alegria/ amizade, a paciência, a consciência/temperança, a serenidade e a humildade...

Observações sobre Fédon (ou Da Psique); Parte 1

Esta obra chamada de "Fédon (ou Da Alma)", aborda os momentos finais de Sócrates e a conversa com seus amigos. O personagem Fédon narra como foi o diálogo ao seu amigo Equécrates.
Enquanto aguarda a aplicação de sua sentença, Sócrates explica porque não temer, não se rebelar contra a morte: 
Ele diz a Símias e Cebes (identificados como filósofos pitagóricos, pelo tradutor Edson Bini), que acredita estar indo para junto de deuses sábios e bons, bem como se juntar a homens que já morreram e são melhores do que os de onde vivem (as Pólis helênicas etc). 
Símias concorda com Sócrates, que a morte é apenas a separação da psiquê do corpo, como uma passagem para o desconhecido: a psique (alma e mente, como cito noutros textos) não deixa de existir repentinamente após a morte do corpo... Por causa disto os filósofos verdadeiros vivem próximos da morte, pois priorizam a psique ante o corpo, se afastando de prazeres corporais e bens materiais, consumindo só o necessário. Fazem isso porque a psique, independentemente dos sentidos, é o “meio” para se encontrar a "fronésis" (conhecimento, sabedoria). Os sentidos como a visão e a audição podem enganar o filósofo e não são capazes de captar a justiça, por exemplo. Sendo os demais sentidos (olfato, paladar e tato) mais imprecisos ainda, eles dificilmente ajudariam o filósofo em sua busca por conhecer as coisas que são (tón ónton) - É com a psiquê que se alcança a verdade, o que é justo, bom e belo (kalos, já explicado em outros textos). As necessidades, doenças e desejos por prazer, típicos do corpo atrapalham o indivíduo e sua psiquê na busca pela verdade. Sócrates explica que o corpo com todos esses problemas e mais uma gama de ilusões e tolices impedem a atividade de pensar tão necessária aos filósofos, além de serem os causadores das disputas, conflitos e guerras entre humanos.

Vale notar que apesar do discurso aparentemente "segregador" entre corpo e psiquê, feito pelo autor, tal narrativa não tem nada de absurdo - ela é um tema que se manteve em discussão filosófica por séculos, ganhando destaque no início do iluminismo com René Descartes, mantendo-se aberta até os dias de hoje: Embora pareça haver uma predominância da visão materialista na "academia" atual, de que o ser humano é só o corpo, e a mente é apenas o cérebro ou o sistema nervoso e seus efeitos eletroquímicos, não há prova definitiva de que a psiquê/ alma não exista; O que existe no meio científico (principalmente desde o século 19) é uma série de negações de relatos que envolvem a alma ou espírito. O discurso de teor dualista feito por Platão não é só desprezado por materialistas, pois há muitos estudiosos que tentam explicar ou encontrar uma integração ou totalidade do ser humano (e sua relação mente-corpo) e nessa busca por totalidade não aceitam a ideia da relação entre corpo e alma. Não detalharei tal assunto aqui - resumo isso citando que essa integração ou meio termo entre corpo e mente foi investigada algumas poucas vezes na história e ainda pode ser descoberta e explicada... Se não ficarmos presos ao biologismo...

Os cuidados que o corpo exige e a busca por riquezas tiram o tempo de ócio necessário para a filosofia e mesmo quando se consegue tal ócio, corre-se o risco de se transtornar com preocupações, agitações, confusões e medos. Por esses motivos, Sócrates explica que é necessário se afastar do corpo buscando purificar-se para que em seu destino, se comungue com seres puros e se passe a conhecer o que há de mais puro, como a verdade. 
Assim não haveria lógica em um verdadeiro filósofo temer a morte; Tal temor é uma evidência que o(s) indivíduo(s) são apegados ao corpo (filosómatos), apegados ao dinheiro (filokhrímatos) e/ ou apegados a honra e a disputa (filónikos).
O afastamento do corpo/ purificação explicado por Sócrates é o que faz o filósofo viver próximo da morte cultivando a esperança. 
68d Sócrates continua: “Ignoras porventura, [lhe disse], que na opinião de toda a gente a morte se inclui entre os denominados males? 
Sei disso, respondeu. 
E não é pelo medo de um mal ainda maior que enfrentam a morte esses indivíduos corajosos, quando a enfrentam? 
Certo. 
Logo, é por medo e temor que os homens são corajosos, com exceção dos filósofos, muito embora se nos afigure paradoxal ser alguém corajoso por temor e pusilanimidade.” 
Sócrates também explica que muitas pessoas se mostram autocontroladas em relação a certos prazeres, para priorizarem outros. Assim esse autocontrole seria somente parcial, pois a pessoa teme perder seu prazer favorito e só por isso abre mão de um ou outro prazer. 
Porém o filósofo não é autocontrolado por priorizar prazer sensorial algum, e sim, por buscar a sabedoria - isso não é como trocar dores por dores, prazeres por prazeres ou temores por temores e sim buscar viver a moderação (sophrosyne), a coragem, a justiça e resumidamente a verdadeira virtude que só existem junto à sabedoria.
70a Cebes concorda com Sócrates com exceção no que se diz respeito a evidência da imortalidade da alma; Ele explica que a maioria das pessoas simplesmente pensa que a psiquê não existe em lugar algum após a morte - ela seria destruída ou dispersa como sopro o fumaça. Sócrates primariamente então, explica que para as pessoas que dizem que a alma vai para algum lugar após a morte, ela deve antes vir de algum lugar. Pois se renasce "lá" (no mundo dos mortos, Hades etc) é por que existiu antes ("aqui", na Terra, na realidade corpórea/ material), então o mesmo vale para quando a alma surge na (vida da) Terra: Ela teria vindo do mundo dos mortos, o qual os gregos chamavam de Hades. Buscando outra explicação, Sócrates propõe investigar a psiquê a partir de todas coisas que são geradas; ele afirma que a vida está para a morte, assim como várias outras coisas (que são geradas) estão para um oposto: O frio existe por causa do calor e vice versa. O grande por causa do pequeno e assim por diante. Esta espécie de dualidade indica uma aproximação da teoria (científica) geral dos sistemas, onde a relação entre as coisas seria um ponto central da investigação para construção de conhecimento. 
Após mencionar que a morte marca o fim da vida (viver e morrer são opostos), Sócrates disse: o que nos compete fazer na sequência? Negaremos o processo contrário? Será a natureza unilateral nesse caso? Ou teremos que admitir que há um processo de geração correspondente ao contrário de morrer?
Com certeza teremos que admitir, diz Cebes (também traduzido como Cebete).
E qual seria esse processo? Pergunta Sócrates.
Voltar novamente à vida. Respondeu Cebes.
72a Sócrates diz: Então, se houver esse voltar novamente à vida, seria o processo de geração dos mortos aos vivos (...) dessa maneira chegamos á conclusão de que os vivos são gerados a partir dos mortos e estes a partir dos vivos;
73-75 Símias e Cebes então discutem como as reminiscências poderiam estar ligadas à imortalidade da psiquê discutida com Sócrates. Para falar das reminiscências Sócrates explica como a psiquê humana pode se recordar de coisas percebendo (vendo, ouvindo etc) coisas semelhantes entre si e também diferentes entre si (como em processos de associação...) A partir daí, eles investigam o que é a igualdade em si mesma (o idêntico, também abordado em Sofista) e quando a psiquê adquire essa noção do que é igual e do que é diferente. Como o ser humano desenvolve seus sentidos tão logo quanto nasce, Sócrates e Cebes concluem que, o ser humano desenvolve a noção da igualdade em si antes do nascimento, de existência(s) anterior(es). Sócrates menciona que essa igualdade em si, é relacionada ao "kaloy" (o bem, a beleza) em si, bem como também é relacionado à justiça e outras virtudes/ valores universais. Então, sobre o conhecimento da igualdade e da semelhança, o filósofo diz: “Se, em verdade, segundo penso, antes de nascer já tínhamos tal conhecimento e o perdemos ao nascer, e depois, aplicando nossos sentidos a esses objetos, voltamos a adquirir o conhecimento que já possuíamos num tempo anterior: o que denominamos aprender não será a recuperação de um conhecimento muito nosso? E não estaremos empregando a expressão correta, se dermos a esse processo o nome de reminiscência?” Símias então pergunta se a noção do idêntico (e das virtudes) não poderia ser adquirida em algum momento do nascimento, pois este é muito reservado, diz o filósofo. Sócrates relembra que, conforme mencionado no diálogo, essa noção é perdida/ esquecida e readquirida no processo de aprendizado (certamente dialético/ maiêutico, como mostrado no diálogo Menon), caracterizando a reminiscência; Símias então concorda que a noção do idêntico (e das virtudes universais) deve ser/ existir "perdida/ esquecida" desde antes do nascimento.
78d Então, prosseguiu, retomemos o tema de nossa discussão anterior. Aquela idéia ou essência a que em nossas perguntas e respostas atribuímos a verdadeira existência, conserva-se sempre a mesma e de igual modo, ou ora é de uma forma, ora de outra? O igual em si, o belo em sim, todas as coisas em si mesmas, o ser, admitem qualquer alteração? Ou cada uma dessas realidades, uniformes e existentes por si mesmas, não se comportará sempre da mesma forma, sem jamais admitir de nenhum jeito a menor alteração? 
Forçosamente, Sócrates, falou Cebes, sempre permanecerá a mesma e do mesmo jeito. 
E com relação à multiplicidade das coisas belas: homens, cavalos, vestes e tudo o mais da mesma natureza, que ou são iguais ou belas e recebem a própria designação daquelas realidades: conservam-se sempre idênticas ou, diferentemente das essências, não são jamais idênticas, nem com relação às outras nem, por assim dizer, consigo mesmas? 
Isso, justamente, Sócrates, é o que se observa, respondeu Cebete, nunca se conservam as mesmas. 
Tudo que é detectado por um ou mais dos 5 sentidos (visão, audição, olfato, paladar e tato) é mutável. Tudo o que não é detectável por estes sentidos pertence à categoria do idêntico a si mesmo. Sócrates utiliza este argumento para explicar a psiquê (mente, alma...) e sua imortalidade. A psiquê aqui não se trata exclusivamente de alma - ela é invisível porque pensamentos, sentimentos, intenções e valores são invisíveis (Embora neste início de século 21, alguns efeitos possam ser detectados no sistema nervoso, alegar que não há alma não é uma afirmação verdadeira comprovável: é tocar questões de cosmovisão e filosofia). Sócrates então indica que a parte perceptível do ser humano, o corpo, é mutável (nasce, envelhece...) e portanto morre e se decompõe, enquanto a psiquê provavelmente não pode se decompor nem ser dissolvida. 
Isto também explica a necessidade do (re)nascimento, das reencarnações das almas: No Hades ou em sua existência imaterial (equivalente a uma realidade espiritual), seria muito difícil delas se transformarem. A alma precisa do corpo para se modificar, mas corre o risco de ser “arrastada” pelos sentidos do corpo. Já em isolamento (em relação ao corpo) a alma é capaz de refletir por si só, assemelhando-se ao “pensamento” ou ao eidos, um estado mais “puro” (original, ou similar a si mesmo), sem se alterar. 
Platão indica que sem o corpo, ou seja, na realidade espiritual, no Hades ("mundo dos mortos", das almas etc) as almas praticamente não conseguem mudar. A mudança importante para Platão é a melhoria de si mesmo - a busca pelas virtudes que são imutáveis, "unas", portanto universais. Mas porque a alma precisaria do corpo para se tornar mais "virtuosa", "excelente"/ ética? Bom, o corpo é constituído por moléculas, átomos, sub partículas etc. Nesses níveis microscópicos pode-se dizer que nossas partes (partículas) não estão estáticas/ em repouso - existe uma complexa relação que pode ser entendida, ao menos em parte, como movimento; Esta constituição dos corpos, possivelmente por partículas em algum tipo de movimento, talvez tenha relação da necessidade citada pelo autor: E nos corpos corruptíveis/ mortais onde a alma pode praticar as virtudes, os valores universais e mudar a si mesma para melhor - mais ética. Além disso, as virtudes sendo universais tem uma finalidade mais do que individual - coletiva, portanto de convívio com outras almas/ pessoas.
80d (Sócrates:) Ao passo que a alma, a porção invisível, que vai para um lugar semelhante a ela, nobre, puro e invisível, o verdadeiro Hades, ou seja, o Invisível, para junto de um deus sábio e bom, para onde também, se Deus quiser, dentro de pouco irá minha alma: essa alma dizia, com semelhante origem e constituição. Ao separar-se do corpo, no mesmo instante se dissiparia e viria a destruir, conforme crê a maioria dos homens: Nunca, meus caros Símias e Cebete! Pelo contrário; o que se dá é o seguinte: se ela é pura no momento de sua libertação e não arrastar consigo nada corpóreo, por isso mesmo que durante a vida nunca mantivera comércio voluntário com o corpo, porém sempre evitara, recolhida em si mesma e tendo sempre isso como preocupação exclusiva, que outra coisa não é senão filosofar, no rigoroso sentido da expressão, e preparar-se para morrer facilmente... Pois tudo isso não será um exercício para a morte? 
Sem dúvida nenhuma. 
81a-d Assim constituída, dirigi-se para o que lhe assemelha, para o invisível, divino, imortal e inteligível, onde, ao chegar, vive feliz, liberta do erro, da ignorância, do medo, dos amores selvagens e dos outros males da condição humana, passando tal como se diz dos iniciados, a viver o resto do tempo na companhia dos deuses. Falaremos desse jeito, Cebete, ou de outra forma? 
Assim mesmo, por Zeus, respondeu Cebete. 
No caso, porém, conforme penso, de estar manchada e impura ao separar-se do corpo, por ter convivido sempre com ele, cuidado dele e o ter amado e estar fascinada por ele e por seus apetites e deleites, a ponto de só aceitar como verdadeiro o que tivesse forma corpórea, que se pode ver, tocar, beber, comer, ou servir para o sexo (embora alguns tradutores usem o termo "amor" aqui, o original em grego é afrodísia tratando do corpo, portanto de desejo erótico, sexual); e se ela, que se habituou a odiar, temer e evitar o que é obscuro e invisível para os olhos, porém inteligível e apreensível com à filosofia: acreditas que uma alma nessas condições esteja recolhida em si mesma e sem mistura no momento em que deixar o corpo? 
De forma alguma, respondeu. 
Porém segundo penso, de todo em todo saturada de elementos corpóreos que com ela cresceram como resultado de sua familiaridade e contínua comunicação com o corpo, de que nunca se separou e de que sempre cuidara. Sem dúvida. Então, meu caro, terás de admitir que tudo isso é espesso, terreno e visível. A alma, com essa sobrecarga, torna-se pesada e é de novo arrastada para a região visível, de medo do Invisível – o Hades, como e diz – e rola por entre os monumentos e túmulos, na proximidade dos quais têm sido vistos fantasmas tenebrosos, semelhantes aos espectros dessas almas que não se libertaram puras de corpo e que se tornaram visível. 
A explicação sobre a alma apegada à “matéria”, assemelha-se com algumas existentes no mazdeísmo (zoroastrismo), no espiritismo, na umbanda e no hinduísmo. 
83b-d Convencida de que não deve opor-se a semelhante libertação, a alma do verdadeiro filósofo abstém dos prazeres, das paixões e dos temores, tanto quanto possível, certa de que sempre que alguém se alegra em extremo, ou teme, ou deseja, ou sofre, o mal daí resultante não é o que se poderia imaginar, como seria o caso, por exemplo, de adoecer ou vir a arruinar-se por causa das paixões: o maior e o pior dos males é o que não se deixa perceber. 
Qual é, Sócrates? perguntou Cebete. 
É que toda alma humana, nos casos de prazer ou de sofrimento intensos, é forçosamente levada a crer que o objeto causador de semelhante emoção é o que há de mais claro e verdadeiro, quando, de fato, não é assim. De regra, trata-se de coisas visíveis, não é isso mesmo? 
Perfeitamente. 
Porque os prazeres e os sofrimentos são como que dotados de um cravo com o qual transfixam a alma e a prendem ao corpo, deixando-a corpórea e levando-o a acreditar que tudo o que o corpo diz é verdadeiro. Ora, pelo fato de ser da mesma opinião que o corpo e de se comprazer com ele, é obrigada, segundo penso, a adotar seus costumes e alimentos, sem jamais poder chegar ao Hades em estado de pureza, pois é sempre saturada do corpo que ela o deixa. Resultado: logo depois, volta a cair noutro corpo, onde cria raízes como se tivesse sido semeada nele, ficando de todo alheia da companhia do divino, do que é puro e de uma só forma. 
84d Após um momento de silêncio, Símias então mostra-se não estar certo do argumento de Sócrates e diz que pensou em propor um questionamento, ao qual o filósofo responde: “Ora, terdes receio de eu estar agora com ânimo diferente. Pelo que vejo, considerais-me inferior aos cisnes, pois quando estes percebem que estão perto de morrer, por terem cantado a vida toda, mais vezes e melhor põem se a cantar, contentes de partirem para junto do deus de que são os servidores. Porém com seu medo característico da morte, os homens caluniam os cisnes, ao afirmarem que eles cantam por chorarem a morte, de tristeza, sem refletirem que nenhum ave canta quando tem fome ou frio, ou quando presa de outra angústia, nem mesmo o rouxinol, a andorinha ou a poupa, cujo canto, segundo dizem, serve de alimentar a dor. Porém não creio que nenhum deles cante por estarem tristes, muito menos os cisnes. Ao contrário: por pertencerem a Apolo, segundo penso, têm o dom da profecia, e por preverem as delícias do Hades, cantam e se alegram nesse dia muito mais do que antes. 
Eu, de minha parte, também me considero servidor igual da divindade, como os cisnes, e a ela consagrado, e por ser dotado pelo meu senhor de não menor dom de profecia, não deixarei a vida com menos coragem do que eles. Por isso, podeis falar à vontade e formular as perguntas que entenderdes todo o tempo que o permitirem os onze cidadãos de Atenas.” Símias pergunta se a psiquê não pode ser um tipo de harmonia, comparando-a com uma música tocada por meio de uma harpa - (resumidamente) quando a harpa é destruída, perde-se a música e sua harmonia.
89d O argumento de Símias pareceu convincente para os interlocutores, mas Sócrates, pede a Fedon para evitarem a experiência de se tornarem misólogos, como outros ficam misantropos e continua o diálogo: "O que de pior pode acontecer a qualquer pessoa é tornar-se inimigo da palavra. A misologia e a misantropia têm a mesma origem. O ódio aos homens nasce do excesso de confiança sem razão de ser, quando consideramos alguém fiel, sincero e verdadeiro, e logo depois descobrimos que se trata de pessoa corrupta e desleal, e depois outra mais nas mesmas condições. Vindo isso a repetir-se várias vezes com o mesmo paciente, principalmente se se tratar de amigos íntimos e companheiros de alto crédito, depois de decepções seguidas, acaba essa pessoa por odiar os homens e acreditar que ninguém é sincero. Nunca observaste que é assim mesmo que as coisas se passam." O filósofo conclui que não é recomendável odiar os outros nem por orgulho nem por desânimo. Isto seria negar a realidade que a maioria das pessoas não são nem muito boas nem muito más; A maioria das pessoas encontra-se no meio do bem e do mal, sendo as intensas mais raras. 
Sócrates diz que esse ódio pode ocorrer também em relação aos argumentos, quando uma pessoa se apega a determinado argumento e depois descobre que este é invalidado, seja por ser refutado ou por qualquer outro motivo. Algumas destas pessoas, bem como os que se acostumam com discussões contraditórias, podem acabar acreditando que não haja verdade alguma e que tudo é questão de ponto de vista; estes se tornam inimigos do conhecimento/ da palavra (misólogos). 
 "Assim, continuou, de início precisamos acautelar-nos contra semelhante perigo; não permitamos o ingresso em nossa psiquê da idéia de que não há nada são em nosso raciocínio; digamos, isso sim, que nós é que ainda não estamos suficientemente sãos, mas que devemos esforçar-nos para alcançar esse desiderato, tu e os demais, por causa da vida que ainda tendes pela frente; eu, por motivo, justamente, da morte. Receio muito que, neste momento em que a morte é tudo, não me haja como filósofo ou amigo da sabedoria, como se dá com os indivíduos muito ignorantes. Estes tais, quando debatem algum tema, não se preocupam absolutamente de saber como são, de fato, as coisas a respeito de que tanto discutem, senão em deixar convencidos os circunstantes de suas próprias asserções. Nisso põem todo o empenho." 
Continuando, Sócrates pede para Símias e Cebes não considerarem o diálogo a seguir como uma tentativa de imposição de seus argumentos e sim para se juntarem na busca pela verdade. 
92-94 Sócrates então explica à Símias, que se a alma fosse a harmonia em si, tal teoria contradiziria as reminiscências discutidas anteriormente; Ele diz que para as pessoas, a harmonia surge, ou não, seguindo os pensamentos, sentimentos, atitudes etc. Assim, a harmonia não é a causa da vida, ela está mais para uma consequência: Uma pessoa pode ter uma vida (e uma alma) harmoniosa ou desarmoniosa como consequência de suas intenções e ações, portanto a harmonia não existe na vida desarmoniosa e não pode ser a própria alma. 

Mais uma vez nota-se que a construção de conhecimento proposta por Platão é prioritariamente dialética e racional; Essa racionalidade é pautada pela ética que inclui universalidade... 

Fédon me pareceu um texto difícil de resumir devido ao fato de não haver partes menos importantes nele, mas seu conteúdo não é difícil de entender. Continuarei as observações num próximo texto...

Observações sobre Críton (ou Do Dever)

Na obra Críton (ou Do Dever) Platão conta o que ocorre após o julgamento de Sócrates, retratando o diálogo entre Críton e Sócrates na prisão. 

Críton é um amigo enriquecido de Sócrates, que está inconformado com a condenação do filósofo e quer fugir com ele, mas Sócrates não mostra interesse em fugir, e sim, de aguardar sua pena de morte. 
Sócrates acorda um pouco antes do amanhecer e estranha como Críton já está "o visitando em sua cela". Aparentemente o velho amigo de Sócrates já se tornou "amigo" (ou aceito) do guarda da prisão e entrara ali há um tempo. 
 Críton argumenta que deve ajudá-lo a sobreviver porque além de gostar de Sócrates, ele se preocupa com o que outras pessoas irão dizer, caso ele deixe o filósofo morrer por causa de um julgamento feito por seus inimigos (adversários de Sócrates, de seus aprendizes e admiradores). Sócrates responde que não se deve levar em consideração o que as multidões pensam e dá o exemplo de um atleta que deve escutar somente a opinião de seu médico/ treinador e não do público em geral. Fica entendido que para cada assunto deve-se levar em consideração só aqueles que entendem/ estudam o tema em si e no caso de Sócrates ele indica que devem obedecer a quem entende o que é justiça. Pois viver belamente é viver com justiça então eles deveriam analisar se aguardar a pena determinada pelos atenienses é um ato justo ou injusto. 
 Sócrates pergunta a Críton se é certo sempre evitar ser injusto ou se é certo ser injusto às vezes. Críton responde que deve-se evitar tal ato sempre. Sócrates diz que então deve se evitar ser injusto mesmo com quem comete injustiça. 
Em seguida o filósofo simula um breve diálogo com as leis, como se estas estivessem personificadas. Ele mostra que desrespeitá-las após viver conforme elas por tanto tempo, seria contraditório e ingrato por parte dele. É possível entender que Sócrates aceitava o caráter coletivo (estatal) das leis e que um indivíduo não deveria ignorá-las ou modificá-las por si só - Valeria destruir as leis e desacreditar o estado por causa de um julgamento injusto? 
 Nesta simulação de diálogo com as leis, Sócrates também deixa claro que manteve um certo vínculo com o estado (Atenas), pois poderia ter o deixado anteriormente com variados motivos ou alegações, mas nunca o fez. (*)

(*) Este fato está de acordo com a Apologia de Sócrates, quando o filósofo diz que andou pela cidade se intrometendo na vida dos outros e incitando a aperfeiçoarem suas psiquês porque (ele; Sócrates) é uma espécie de dádiva dos deuses (do theos e/ou daemons) para a cidade de Atenas. Isto também acaba conectando, ainda que indiretamente, ao argumento cosmogónico/ espiritual que Platão apresenta no Mito de Iros (Er) escrito no livro X (10) de "A República": De acordo com o mito, as moiras, filhas de Ananke (a necessidade), lançam "carretéis" para as almas escolherem a vida que terão, e, ao escolherem, estas teriam determinados tipos de vida como um destino, embora mantenham o livre arbítrio de suas almas (psiquês) ao "(re)encarnarem".

 Críton então diz que Sócrates deveria fugir para cuidar dos seus filhos (o rico amigo do filósofo era preocupado com a criação dos filhos como é mostrado em Eutidemohttps://amorpelosabersaberamar.blogspot.com/2024/06/breves-observacoes-sobre-eutidemo-ou-da.html). Sócrates, porém, explica que não se retribui o mal com o mal e que fugir da lei seria como desprezar o estado e seus construtos que o beneficiaram ao longo da vida. Além disto ele teria que viver fugindo e se escondendo, podendo colocar os seus amigos/ familiares em perigo, a menos que optasse viver em um lugar praticamente sem leis, de uma forma que não vale a pena viver a vida. Assim, Sócrates confia que caso necessário, seus amigos cuidariam de seus filhos, pois se fariam isso após a tentativa de fuga para outra cidade, também fariam em sua partida ao “Hades” (pós vida, mundo dos mortos, das almas etc). 
Críton então acaba concordando, ao menos aparentemente, com a escolha de Sócrates.

 

Observações sobre Timeu; Parte 2

Continuo aqui as observações sobre a obra Timaeus ( Timeu ); (48) O astrólogo Timeu então diz que este universo ordenado (em que vivemos) na...