Observações sobre Timeu; Parte 2

Continuo aqui as observações sobre a obra Timaeus (Timeu);

(48) O astrólogo Timeu então diz que este universo ordenado (em que vivemos) nasceu de um composto de necessidade e razão. A razão conduz a necessidade, porém para explicar isto, Timeu anuncia que deve reiniciar seu discurso, pois até o momento, o princípio do eterno (ser) e da imagem ou imitação do eterno (vir a ser) haviam sido suficientes, mas na verdade há um terceiro gênero no processo todo. Tal "gênero" seria um tipo de receptáculo do vir a ser e assim, seria seu nutriz. (um "elemento" entre o eterno e sua imitação e talvez, um intermediário entre a psiquê e o "corpóreo"?
O personagem tenta explicar a relação entre terra, água, ar e fogo, de uma maneira similar aos processos que conhecemos hoje como condensação, solidificação, fusão e evaporação, porém nem todos com os estes (mesmos) nomes e acrescentou a combustão (como se fosse a passagem do ar ao fogo), além de teorizar uma passagem do fogo ao ar (de fato o fogo aparece no diálogo como algo próximo ao "4º estado da matéria"/ plasma). Por causa dessas mudanças, os elementos jamais deveriam ser chamados de "isso" ou "aquilo" como se fossem estáveis; eles deveriam ser chamados de "semelhantes" pois são sujeitos às mudanças frequentemente, jamais permanecendo no mesmo estado de modo permanente.
49a-51e O que há entre o que é e o que vem a ser então, é um tipo de receptáculo amorfo e invisível de difícil compreensão. Timeu conclui que tal receptáculo, sendo a "mãe de todas coisas que vem a ser" (as coisas geradas, mutáveis etc), a sua parte que se inflama, aparece como fogo, a parte que se condensa aparece como água, a que solidifica aparece como terra etc. Considerando que o autor está se referindo a uma força que age como o meio termo de uma realidade psíquica (espiritual, eterna, imutável etc) e a realidade perceptível sensorialmente (o universo gerado), esta é onde se forma todos elementos em seus 4 estados: plasmático, gasoso, líquido e sólido. Na época da obra (século 4 a.C.) o conhecimento dos 4 estados da matéria era pouco conhecido e difundido entre as civilizações humanas, mas é nítido que a "teoria dos 4 elementos" demonstrada em Timeu não se refere a quatro forças separadas e incomunicáveis entre si: há um constante fluxo de transformação entre eles, como o que ocorre com os estados da matéria, estudados mais profundamente algum tempo depois de Platão.
Este "terceiro gênero" além do ser e do vir a ser, é o que dá forma aos elementos como os citados anteriormente. Isto porque, a matéria e seus estados pertencem ao gênero do "vir a ser", ou seja, são coisas geradas e portanto mutáveis, dispersáveis etc. Mas o terceiro gênero parece se relacionar com a teoria das formas (eidos: ideia/ forma) de Platão; Por isso o personagem Timeu questiona se não seria válido sustentar que há uma existência perpétua da Forma de cada coisa, ou seja, há Formas auto subsistentes. Ele diz que seria impróprio simplesmente descartar esta questão e a seguir, aborda o que é o entendimento e o que é a opinião verdadeira*.
*A palavra traduzida por Edson Bini como entendimento aqui é noús, que parece surgir como inteligência ou conhecimento (de teor divino, sublime...) em outras obras; Já a opinião verdadeira é traduzida do termo doxa alithís - não confundir com "ortho doxa" que é "opinião correta".
O astrólogo considera que entendimento e opinião verdadeira devem ser coisas diferentes entre si* e explica que as formas (eidos) auto subsistentes só são acessadas pelo entendimento e não pela percepção sensorial. Porém, para alguém que interpreta as coisas perceptíveis pelos sentidos (os elementos, a matéria) como as mais estáveis, o entendimento e a opinião verdadeira não poderiam ser considerados diferentes entre si. 
*(negar a diferença entre entendimento e opinião, seria o relativismo: afirmar que entendimento e opinião são a mesma coisa, é negar a construção de conhecimento, a busca pela verdade, os valores universais etc) 
 Sendo assim, estes dois têm que ser considerados distintos entre si: a opinião verdadeira então surge através da persuasão, enquanto o entendimento surge através do ensinamento. A opinião é acompanhada por um discurso irracional (álogon), enquanto o entendimento é acompanhado de um discurso racional (logon). A partir daí, o autor conclui que a opinião, sendo oriunda da persuasão, também pode ser desfeita pela mesma, mas o entendimento não pode ser desfeito pela persuasão: se a pessoa realmente entendeu um assunto, ela não pode ser convencida do contrário. Após identificar estes 2 tipos (as Eidos, ou Ideias/Formas e os "objetos" gerados, perecíveis e móveis pelo espaço), Timeu identifica um 3º tipo, traduzido por Edson Bini como "espaço limitado* o qual existe sempre e é indestrutível, provendo espaço a todas as coisas que vem a ser". (52...)
*O termo espaço limitado foi traduzido da palavra "khoras", enquanto o "provendo espaço a todas as coisas que vem a ser" vem do trecho original em grego clássico "édran dé paréchon ósa echei genesin pasin" (...) Note que é outra palavra (édran) traduzida também como espaço; Outra possível tradução deste trecho então seria: "... fornecendo assento (superfície ou localização) para todas coisas geradas". Além disto vale lembrar que na Época de Platão não tínhamos a teoria da relatividade (a descrição do espaço/ tempo como uma curvatura) nem havia sido provada a 4ª dimensão matematicamente (embora Platão, ao menos aparentemente, insinua sobre este último tema na obra Parmênides). Sendo assim, se "khoras" apresentado em Timeu é algo entre o universo gerado e a psiquê universal ou realidade espiritual, é possível traçar uma relação de semelhança com as teorias posteriores do fluído universal/ magnetismo animal de Franz Mesmer (1734-1815) ou com o conceito de períspirito de Allan Kardec (1804-1869). Ademais, em uma área mais aceita pela ciência moderna, temos a descoberta dos campos eletromagnéticos dos órgãos (cérebro, coração etc) nos anos 1960 e as teorias da consciência no campo eletromagnético do cérebro/ sistema nervoso da virada do século 20 ao 21... Ou seja, a ciência atual obviamente não discute uma "psiquê do universo", mas discute em algum nível "a relação da mente com o corpo humano" e sua estrutura, seja a nível de subpartículas ou de campos eletromagnéticos deste. 
Este 3º "tipo" de ser, chamado de nutriz, que não é o "ser" em si (que existe sempre) nem o "vir a ser" (o que é gerado, mutável, perecível etc), pode ser apreendido por uma espécie de raciocínio bastardo que não é acompanhado pela percepção sensorial e mal sequer é objeto de crença. Neste ponto do discurso, Timeu alerta que é incapaz de fazer todas as distinções sobre o assunto e menciona uma complexa, mas breve descrição que envolve o estado de sono e os sonhos... Obviamente alguém que considera só a matéria perceptível como real, considera os sonhos como meras imagens e/ ou imaginações do cérebro, porém, ao longo de suas obras, Platão claramente menciona que a psiquê não é só o cérebro nem um mero produto perecível do cérebro ou de qualquer outra parte do corpo; A psiquê é alma, que não só sobrevive após a morte do corpo, devido ao fato de não ser divisível nem deteriorável, como também transmigra (vide Fedon, FedroA República e Político). Sendo alma, a psiquê durante o repouso do corpo (sono), continua ativa e possivelmente teria alguma liberdade em relação ao corpo; O sonho então possivelmente seria como fantasias ou "véus" que encobrem a atividade da psiquê que é mais real do que os corpos perceptíveis e do que o "3º gênero ou tipo" de coisas. 
A nutriz então, que recebeu os elementos em seus variados estados, pré existiu o universo e os 4 elementos se encontravam sem  medida e sem razão, até serem ordenados pelo deus (o artesão ou arquiteto, Demiurgo). Timeu diz que os elementos deviam ter traços de suas respectivas naturezas, mas se encontravam em uma disposição que deve ser típica da ausência do deus (e portanto, da ausência da inteligência/ da mente/ alma). O deus, a partir daí, usou das Formas (eidos...) e dos números para que estes elementos se tornassem o mais belos e excelentes possíveis. 

54d-61a Na sequência o astrólogo Timeu segue explicando sua teoria dos poliedros ("os sólidos platônicos"), onde relaciona cada um deles com um respectivo elemento (fogo, ar, água e terra), mais um 5º poliedro relacionado com o universo como um todo. Partindo de um ponto de vista talvez pitagórico (geômetra), o personagem supõe que toda superfície é composta por figuras geométricas, particularmente por triângulos que formariam tais poliedros (possivelmente como moléculas) em caso de cada elemento/ estado da matéria. Talvez foram propostas "partículas triangulares" para os 4 tipos, ou 4 elementos, por uma questão conceitual, devido ao fato destes sucederem 3 fatores constituintes: o ser que é eterno/ imutável, o vir a ser que é gerado/ mutável e khoras que é o receptáculo/ nutriz que deu beleza/ forma aos elementos do universo. Daí o astrônomo classifica o "fogo" como o elemento mais fluido, seguido pelo ar, pela água e por último, pela terra, o menos fluído (mais sólido/ compacto dos elementos). Seguindo sua explicação sobre a constituição do universo, Timeu diz que não há espaço vazio neste, e que o "fogo' é o elemento mais abundante, ou seja, que ocupa mais espaço, seguido pelo ar etc... Ignorando as limitações da época, faria sentido dizer que esta é uma teoria absurda, porém, lembrando da semelhança desta teoria com a ideia dos "4 estados" da matéria, o fogo poderia ser comparado ou substituído pelo plasma, daí esta teoria deixaria de soar absurda. Isto porque, apesar de séculos depois em 1898, o astrônomo Charles A. Young teorizar que o espaço fosse um vácuo absoluto, outros cientistas foram descobrindo indícios de elétrons no espaço interplanetário (Ludwig Biermann, Hannes Alfvén e Kristian Birkeland por exemplo). Nos anos 1960 ficou comprovada a existência do plasma no espaço interplanetário e alguns cientistas já afirmam que ele (o plasma) está presente em significante parte do universo, ou está na maior parte do universo. 

Timeu termina a explicação de sua teoria dos elementos, indicando como eles afetam uns aos outros e como se transformam. Na sequência ele começa a explicação sobre o corpo humano e faz uma breve pausa para refutar uma teoria da época (62c-63e), que dizia que tudo que era dotado de massa corpórea se moveria para o lado de baixo do universo e o restante seria constrangido para cima (certamente o "terraplanismo", mas ligado a um possível atomismo). Isto porquê o autor entende que o céu é esférico e "distribuído" de maneira equidistante em relação ao seu centro. Por lógica então, entende-se que o pesado tende a ficar no centro da esfera e o mais leve fica afastado do centro. Após esta explicação, o personagem tenta explicar como se propaga os processos perceptíveis e imperceptíveis no ser humano, comparando as partículas deste com as partículas dos elementos, para então discorrer sobre os sentidos : tato (dor e prazer), paladar, olfato, audição e visão (cores etc). (64a-69a) Os sentidos seriam parte da natureza necessária, pois o deus é suficientemente sábio para combinar o múltiplo com o uno e decompor, inverso o uno no múltiplo*. (*tema abordado em Filebo). Colocando a beleza e o bem (bondade/ kalos) no universo e nos elementos dos quais foram utilizadas as propriedades inerentes, o Demiurgo gerou o ton aytarke te kai ton teleotaton theon (traduzido como deus mais perfeito e autossuficiente: possivelmente a urainon psiquê/ alma do universo). Por isso o astrólogo diz ser importante distinguir a causa natural da causa divina e insinua que o ser humano precisa da vida material ("natural") para alcançar a divina...

Apesar dos argumentos dialogarem com as demais e investigações filosóficas de Platão, ainda há elementos neste texto que parecem exclusivos desta obra: A alma do universo só é mencionada em Timeu, bem como as investigações filosóficas sobre a origem do universo tridimensional/ "material" e seus respectivos elementos. 

69b-70 O demiurgo então adicionou proporcionalidade e harmonia (dentro da medida do possível) nos elementos criando o universo e sua psiquê - o deus que continha toda vida em si. Agindo como artífice das coisas divinas, ele (o demiurgo certamente) incumbiu sua progênese (a alma do universo ou os planetas?) de construir a gênese das coisas mortais. Recebendo o princípio imortal da alma, eles criaram os corpos mortais para servirem de veículo desta. Também criaram a "alma mortal" que encerram coisas terríveis e necessárias (o prazer, a dor, ousadia, medo, animosidade etc), alojada separadamente da alma imortal que seria vinculada à cabeça. Assim o "pescoço separaria" as "almas", sendo a mortal alojada abaixo deste e dividida em duas partes: no coração e no fígado/ abdômen.

Este trecho parece dialogar logicamente com a teoria tripartite da psiquê apresentada em A República, mas vale algumas observações: Primeiro que a tradução parece indicar que são "2 tipos de alma": a imortal e a mortal, o que pouco condiz com alguma obra de Platão - Talvez com Fédon, onde Platão indica que os amantes do sobressair-se os amantes do lucro são ambos amantes do corpo, se considerarmos que estes 2 tipos de indivíduos são dominados respectivamente pela parte intermediária da psiquê (ligada ao coração) e pela parte inferior da psiquê (ligada ao fígado). Segundo que a ligação da(s) alma(s) com as partes do corpo parece exclusiva deste texto também, embora isso não seja absurdo, já que Timeu é a obra que aborda a origem do universo, portanto toca questões entre a realidade cognoscível/ a psiquê/ os valores universais e a realidade perceptível/ sensorial/ material. Ligar a alma/ psiquê às partes do corpo não é um problema em si, e inclusive, curiosamente é similar ao conceito de alma da civilização asteca.  

A parte da psiquê ligada ao coração então está ligada a animosidade, de modo similar ao apresentado em A República, mas tem a função de controlar os apetites da parte inferior, a "do fígado". Se a parte da psiquê ligada ao fígado e ao abdômen é afetada e conduzida pela parte superior (da cabeça possivelmente), ela pode se tornar serena e jovial, tornando-se capaz da divinação (mantike*) durante a noite, em seu sono. Isto porque a "parte inferior" da psiquê não participa (diretamente) da razão e do entendimento.

*A mantike é tratada na obra Fedro. Ali, Platão mostra Sócrates criticando a separação dos conceitos de mantike (que seria traduzido como mancia, algo referente a uma prática/ magia divinatória) e manike (estado alterado da mente, onde a pessoa pode ter visões - certamente traduzido como mania). O autor não classificava tais experiências de acordo com o método pelo qual elas eram alcançadas/ vividas, mas sim pelos valores inferidos e desejados pela pessoa; Assim a adivinhação, visão / inspiração divina seriam alcançadas pelo agente de divinação (manteis) que desejasse os valores universais (justiça, bondade, coragem etc) e/ ou que fosse belo psiquicamente, ou seja, ético. Desta forma não fazia sentido utilizar o termo mantike para se referir à magia divinatória e manike para classificar todas outras experiências de consciência/ mentalidade alterada, fossem estas transcendentais ou patológicas.

71a-72b: Timeu explica que o deus concedeu o dom da divinação (mantikin) à estupidez humana, pois ninguém em posse de sua inteligência alcança tal estado psíquico. A divinação, de acordo com o astrólogo, só é alcançada em estados de sono, alguma doença ou inspiração divina. Por isso alguém em posse de seu juízo deve lembrar e ponderar sobre acerca dos enunciados produzidos nesse estado divinatório; De modo similar ao que Sócrates propõe à Ion, Timeu diz que essa pessoa (capaz de raciocinar) deve analisar cabalmente e indiscriminadamente todas as visões afim de apurar como e para quem significam algum mal ou bem futuro, presente ou passado. Isso porque a pessoa em estado de "frenesi" (o estado alterado da mente, seja uma inspiração, uma possessão, o sonho etc) está apenas recebendo a "visão", não sendo capaz de pausar e/ ou analisar racionalmente qualquer coisa. Este poder da divinação teria sido concedido ao ser humano para "retificar" a parte inferior de sua alma, auxiliando-o a superar o hedonismo e a não sucumbir aos desejos mesquinhos, pois a parte inferior da psiquê nestas condições "não filosóficas" conseguiria "ver" apenas falsos ídolos e fantasmas. 

Sendo Timeu uma obra platônica, este tema é um ponto chave da diferença entre a construção de conhecimento (epistemologia) de Platão e a maioria esmagadora dos pensadores ocidentais posteriores: Platão afirma que há não só uma realidade psíquica, mas que tal realidade permite o contato entre psiquês durante os "estados divinatórios" chamados de mantike, sejam as "psiquês" almas ou mentes de seres "mortais" na Terra ou de daemons (espíritos guias/ anjos da guarda, semi-deuses). Além destas "almas", parece haver outras entidades ao longo da obra de Platão: sejam as moiras (citadas no "Mito de Er" em A República), os falsos ídolos (aparentemente citados só em Timeu) e o deus (seja o Demiurgo e/ ou o Uno/ Nous, a inteligência divina). Platão não busca dar detalhes sobre tais seres e/ ou entidades porque sua episteme é dialética e tem como ontologia/ teleologia, a melhoria de todas as coisas. Sendo dialética, o autor trabalha com o investigável partindo de sua presunção de ignorância e a investigação é feita pela contraposição de argumentos que levam à reflexão sobre os temas/ as coisas. As coisas tendo um fim, têm formas (eidos: ideias/ formas) e este fim é a excelência/ a virtude composta de valores unos (universais, que unem) e imutáveis (eternos, que não se desgastam com o tempo, portanto precedem o tempo). Assim Platão jamais investigaria os "falsos ídolos" bem como ele recomenda que devemos nos empenhar em estudar as coisas que são (imutáveis, unas e cognoscíveis) ao invés das coisas que não são: Fato bem exemplificado na obra "Sofista" (Do Ser). Em Sofista, ou autor também investiga e descreve os pontos fracos e fortes de pressupostos como o espiritualismo, o materialismo (certamente atomismo), a teoria de que todas as coisas são unas, supostamente de Parmênides e a teoria de que tudo está em movimento e o ser humano é o centro de todas as coisas (de Heráclito, Protágoras etc). Assim Platão apresenta a filosofia com abertura à universalidade, mas sem deixar de fazer análises rigorosas, pautadas pelos valores universais, ou seja, pela ética. A filosofia moderna porém, principalmente após Locke, Kant e Comte, não tem essa universalidade e a ciência nasce desta filosofia. A filosofia moderna então não é só racionalista, como apresentada por René Descartes (1596-1650), mas também tende a dar maior ênfase no método do que na finalidade. Este método dominante na ciência é o empírico e seu pressuposto (pré suposição) é o materialismo que nega a realidade espiritual, e, consequentemente, nega toda a espiritualidade. A ciência então, separada de maneira mais notória após a cunhagem do termo cientista no século 19, nasce como um saber voltado às especializações. Esta ciência em grande parte (empirista, reprodutível) também cai no que Platão alerta sobre a limitação dos atomistas/ materialistas de seu tempo (século 4 a.C.): é uma área de estudos mais voltada e mais útil para a produção de corpos e para a manutenção destes corpos (por exemplo: medicina dos órgãos e dos sistemas orgânicos, química, mecânica etc). Ela jamais pode investigar ações oriundas de inteligências para além do espaço tridimensional e/ ou do tempo, ou seja, não investiga a espiritualidade e as experiências transcendentais/ místicas, além de não abordar a ética nem os valores universais. E estas experiências espirituais, sejam visões em sonho, inspirações divinas ou quaisquer outras, interrelacionam-se com questões psíquicas, éticas e existenciais/ de sentido. Para que a ciência passe a considerar tais questões, ela teria que se regida por uma teoria de sistemas pautada pela ética e seus valores universais, sem paradigmas e pressupostos estritamente materialistas.

Timeu diz que, por esta razão, é comum consultar intérpretes (profeton) das entheois manteíais (oráculos divinos, traduzido como divinações inspiradas, por Edson Bini - são as "experiências psíquicas de teor espiritual" como explicado anteriormente). O astrólogo/ astrônomo distingue o agente da divinação (manteis) dos intérpretes das coisas obtidas por divinação (profeton) e conclui que referente ao que concerne à alma e suas "partes" e com que órgãos do corpo elas se ligam, ele só ousaria afirmar que é verdadeiro com a confirmação divina. Porém, ele continuará a explicação tratando seus próprios argumentos como uma probabilidade (74-79). Timeu diz que as 3 partes da psiquê/ alma (a racional, a "irascível" e a "apetitiva") se encontram na medula e explica sobre os ossos, os nervos e a carne do corpo. Ele traça uma vaga ligação entre humanos, animais e plantas e indica que a vida "não humana" deve ter o "terceiro tipo" de psiquê (a "alma apetitiva"). Em seguida tenta uma descrição da constituição do corpo humano e seus sistemas respiratório e digestório por causa da importância destes para nutrir e manter o seu funcionamento biológico. Timeu entende que não há espaços vazios no corpo e onde o ar deixa de estar presente, o "fogo" preencheria tal espaço. Embora teorias da época aceitassem a ideia do fogo no corpo humano, vale lembrar que pelo próprio teor da explicação dos 4 "elementos" ou "tipos" (do grego, genon) apresentada em Timeu, é possível que o autor se refira ao estado da matéria mais fluido do que o ar (o plasma). Esta ênfase na teoria de que tudo está preenchido de alguma força ou partículas aparece nos argumentos das relações entre todas as coisas do universo: Timeu parte da explicação do corpo humano, citando brevemente os sons, as correntes d'água, o relâmpago, o âmbar (elektron) e a pedra heracleana (magneto ou magnetita) - todas estas coisas tem alguma interrelação, nada sendo isolado ou acaso.

(80-81) Timeu, ainda que com a peculiar descrição de partículas (ou moléculas) triangulares, parece ter uma noção que o sangue se move em uma corrente cíclica no corpo e indica uma relação deste com o transporte de nutrientes obtidos dos alimentos. Ele ainda entende que os corpos que nos circundam se mantém nos consumindo (ambiente e/ ou micro-organismos?) e direcionando cada espécie de substância àquilo que lhe é afim. Assim, Timeu encerra esta parte explicando a juventude do corpo, o envelhecer e a morte, através de sua teoria das moléculas/ partículas triangulares e seus movimentos/ mudanças; Após os vínculos destes "triângulos" da medula se partirem, a alma (psiquê) estaria livre para deixar o corpo. A morte natural tende a mais indolor e mais prazerosa do que a morte não-natural, que é sempre dolorosa. 82-86a: Após teorizar sobre as doenças do corpo, Timeu fala das doenças da psiquê: Ele entende que a falta de senso (anoian, ou falta de sanidade, de mentalidade) é uma doença da psiquê e que há 2 tipos dela: a mania (manike, traduzido como loucura) e a ignorância (amathos). Neste ponto, o prazer e a dor excessivos são relacionados aos maiores tipos de loucura: Quando um indivíduo experimenta um regozijo excessivo, ele se torna atiçado pela pressa de obter mais prazer e quando experimenta muita dor torna-se o contrário do primeiro: aversivo/ provocado para evitar dores apressadamente. Neste estado, o indivíduo fica limitado para ver e ouvir, tornando-se ensandecido e incapacitado de exercer a razão. Timeu diz que ocorre um fator corporal de produção (de substância biológica) excessiva do que pode causar muitas dores ou prazeres... Isto faz com que o indivíduo passe maior parte do tempo enlouquecido ("maníaco") pela busca por prazer ou pela evitação de dores. Ele explica que a sociedade de seu tempo costuma classificar tais indivíduos de psiquê enfermas e destituídos de senso como voluntariamente maus; Porém esse desregramento sexual ocorre principalmente pela produção de uma substância do corpo (traduzida como semente) que adoece a psiquê. O autor explica que este descontrole (a mania pelo  prazer) não deve ser censurado como meramente uma questão de vontade*, pois é um problema do corpo (biológico) e da má condição ou ausência de educação. O mesmo vale para a "doença contrária" (referente as dores): ela tem causas parecidas, sendo estas principalmente corporais.

*Sócrates e Platão questionavam o argumento de que as pessoas eram voluntariamente más; Assim, a justiça para eles não era mera punição: tinha um fim de corrigir a psiquê da pessoa, como abordado nos diálogos Protágoras e Górgias, por exemplo.

Timeu completa sua explicação sobre tais "psicopatologias" alegando que quando os indivíduos neste estado (de loucura/ mania), vivem em um local onde a política e os discursos* também são maus (*certamente discursos de educadores, advogados e/ ou sofistas), não se deve culpar o educado e sim seus cuidadores ou progenitores que foram responsáveis por tal educação falha. Nestes casos é necessário reunir esforços através de uma educação aliada aos estudos próprios (individuais) para corrigir/ tratar a loucura. 

O autor lembra que a psiquê/ alma dada pelo deus ao ser humano é de origem divina e (por causa de sua parte superior, ligada à cabeça) foi feita para ascender aos "céus". Este "céu" é certamente o hiper ouranos, citado em Fedro, o "local dos deuses", onde não há malevolência e as virtudes como a justiça, fulguram. O indivíduo que se deixa levar por seus apetites ou por disputas terrenas fica preso à sua parte mortal e alimenta opiniões mortais (mutáveis, perecíveis), mas aquele que se ocupa de pensamentos verdadeiros, liga-se à sua parte imortal e é apto a alcançar o saber (vide "A República") e o divino. Este último certamente está de acordo com o daemon (espírito guia/ um tipo de anjo da guarda) que lhe foi concedido pelo deus e assim eles podem ser considerados sumamente felizes (eudaimona einai: literalmente estar com um bom daemon). Cada parte da psiquê/ alma deve cuidar do que lhe é devido, por isso o corpo deve ser nutrido devidamente e não ser imerso em exageros de prazer ou de dores. A parte superior da psiquê então cuidaria das "revoluções do universo" (o objetivo da "parte superior" da psiquê parece explicado de maneira mais precisa e mais completa em outras obras de Platão, como  O Banquete, Fedro, Górgias, "A República", Fedon, etc).

No fim de seu discurso (90e-92), Timeu apresenta sua teoria da metempsicose, a transmigração das almas, tendo o ser humano como tema central, com o viés patriarcal típico da "Grécia" de seu tempo. Inclusive, Platão sugere os direitos das mulheres (ao ensino etc) em "A República" certamente porque era necessário eliminar ou diminuir a opressão sobre elas em maior parte das cidades gregas.

 Ele encerra dizendo que assim, a alma do universo (o deus "perceptível") contém todos os seres vivos em si, de modo maximamente bom, belo e perfeito... Este trecho final da obra Timeu parece ser ou abordar o que Aristóteles diz que Platão reservou uma versão diferente a qual só ensinava pessoalmente (via tradição oral) e isto seria indicado em sua "7ª carta" entre os trechos 341b e 341e... O pupilo de Platão teria afirmado que falar da origem do universo e do Deus e sua bondade causava desprezo ou deboche por parte de alguns ouvintes (certamente os que desprezam ou não entendem as excelências/ virtudes) e sabendo disto, seria mais ineficaz ainda escrever sobre tal tema, como indicado na 7ª carta. Isto gera a dúvida: o quão a obra Timeu carrega de elementos realmente "platônicos"? Certamente há muita coisa coerente com a obra de Platão em Timeu, mas seria tal texto incrementado ou realizado por outro autor admirador do filósofo?

Alguns outros textos correlacionados aos temas abordados aqui: 

https://amorpelosabersaberamar.blogspot.com/2024/03/observacoes-sobre-fedro-sobre-o-belo.html

https://amorpelosabersaberamar.blogspot.com/2024/07/observacoes-sobre-ion-da-iliada.html

Observações sobre Timeu; Parte 1

Há alguns poucos anos passei a ler as obras de Platão, entre elas: Protágoras, Hipias Maior, Cármides, Laques, Lisis, Fedro, O Banquete, Hipias Menor, Ion, Eutidemo, Menexeno, Górgias, Menon, A República, Eutifron, Crátilo, Filebo, Teeteto, Sofista, Político, Apologia de Sócrates, Criton e Fedon; Também li partes de Alcibíades, Timeu, Critias, das Cartas e dos Epigramas de Platão. 
Referente as obras vale notar os seguintes pontos: O texto Alcibíades tem um estilo claramente diferente das demais obras de Platão e (não só) eu considero esta obra como sendo de outro autor. Sócrates parece meio manipulador no texto e a obra destaca uma suposta relação entre os personagens - característica inexistente ou rara nas obras de Platão.
Menexeno, cujo o tema envolve a morte e principalmente os discursos fúnebres, apresenta uma crítica válida que Platão possivelmente faria ao meu entender. Porém não há cuidado com a cronologia de eventos históricos no texto, o que reforça um tom satírico - isto não contradiz o teor crítico da obra. Eu só não saberia confirmar se tal obra foi escrita realmente por Platão ou por algum filósofo platônico, mas isso pouco importa já que a obra parece ter seu valor.
 No que se diz respeito à algumas das cartas, elas são discutíveis seja em conteúdo ou no estilo do texto, embora a sétima carta em particular pareça bastante obra de Platão tanto em conteúdo como em forma. 
 Os epigramas talvez tenham menos relevância e muitos deles não são considerados obras do filósofo ateniense. 
 Parmênides eu li cerca da metade do texto e apresentei breves observações sobre tal obra neste blog - sobre os demais textos eu já fiz minhas observações também neste blog.
 Neste texto abordarei o diálogo Timaeus (Timeu) e possivelmente outros textos correlacionados a esta obra, como Critias e a sétima carta.

 O texto começa com uma apresentação elogiosa dos participantes do diálogo: Sócrates (praticamente como ouvinte), Timeu, Crítias e Hermócrates. Os personagens Crítias e Hermócrates são considerados históricos, porém Timeu é desconhecido - não se sabe se é uma invenção de Platão, ou alguém sem fama alguma. Após uma breve recapitulação do diálogo de "A República", Crítias descreve a história de seus ancestrais contando sobre a lendária Atlântida.

Timeu, um astrônomo (certamente astrólogo, já que no século 4 aC, esses temas se misturavam), então fica encarregado de descrever a origem do universo; Ele começa fazendo a distinção entre as coisas que são (referente aos termos gregos "to on" e possivelmente a "ontos": o que é imutável e eterno) e as coisas que 'vem a ser" (o que é gerado, e portanto mutável, relacionado ao termo grego "genesin"); A partir destas ideias que estão de acordo com as de Platão (afinal, certamente o texto é dele...), o personagem diz que as coisas sensíveis, ou seja, que são perceptíveis sensorialmente, pertencem à categoria do que é gerado e mutável (envelhece, morre, é passível de ser decomposto etc) e por isso são alcançáveis pela opinião e pela sensação irracional (os sentidos etc). Estas coisas nunca são realmente, pois estão em constante transformação e como são coisas que "vem a ser", elas tem uma causa - Isto porque elas vem a ser por algum motivo (pode-se dizer que tudo o que é perceptível sensorialmente é um efeito e por isto, tem uma causa). 

As coisas imutáveis, por um outro lado, são alcançáveis pelo pensamento e pelo discurso racional e não pelos sentidos - este argumento aparece em outras obras de Platão, como por exemplo em A República, onde o autor mostra que as virtudes estão nesta categoria: Não podem ser tocadas, cheiradas nem experimentadas por sentido algum; além disto tais virtudes ou excelências são unas e imutáveis: a bondade/ beleza (kalos), a justiça, a coragem e a moderação são universais - valores coletivos que fazem bem para todos, não sendo deterioráveis pelo tempo. Sendo coisas belas e imutáveis, as virtudes não são coisas geradas - não são mera invenção humana; sua existência precede as coisas deterioráveis. 

Outro ponto que fica implícito ao longo das obras de Platão (que também parece o caso de Timeu) é que o corpo humano sendo perecível/ deteriorável, não pode alcançar as virtudes por si só. Assim nenhuma parte do corpo, seja o cérebro, o coração ou qualquer outra, é responsável pela inteligência - a psiquê, seja mente ou alma, é a responsável pela inteligência e pela capacidade de alcançar as virtudes. O como a psiquê se relaciona com o corpo, o autor parece não detalhar, mas deixa claro que é ela que dá vida e anima o corpo. Isto explica a classificação da mesma em 3 "níveis" (a teoria tripartite "da alma") como aparece na obra A República: a parte da psiquê voltada às necessidades básicas e aos prazeres mais rudimentares ou intensos (necessidades fisiológicas, prazeres do sabor, do sexo etc) Certamente esta seria a parte mais neuro/ biológica da mente, afinal neste início de século 21, áreas da saúde mental consideram a existência de transtornos relacionados ao ato de comer compulsivamente e o "vício" em atividade sexuais, inexistindo transtornos que façam a pessoa "viciar" em estímulos auditivos ou visuais; A parte intermediária da psiquê, de acordo com Platão, mostra-se ligada à indignação, às emoções (o autor utiliza várias palavras relacionadas ao termo grego "thymous") e a sentimentos enquanto a parte superior da psiquê, seria a do intelecto e da capacidade de entender e viver as virtudes/ excelências mencionadas (autocontrole, coragem, bondade etc). Assim Platão põe a justiça e a bondade como elementos superiores da psiquê e também, de certo modo, como a finalidade do ser humano. Os filósofos para o autor, não são meros estudiosos nem são estritamente racionalistas: eles são admiradores e buscadores da virtudes e por isso em algum grau significante tornam-se moderados, corajosos, justos e bondosos (belos psiquicamente).

 Sendo a(s) excelência/ virtudes mencionadas anteriormente (o bem/ beleza, moderação etc), una(s) e imutável, a causa do universo gerado também é boa e não teve como base algo perecível/ mutável e sim algo universal e eterno. Sendo assim a causa também é bela e procurou fazer o universo tendo como referência o que é belo e bom (kalos). Apesar da causa ser denominada de Demiurgo (algo como arquiteto), ela apresenta semelhanças com o conceito da causa do universo apresentada por Anaxágoras (um dos professores de Sócrates): Nous, a inteligência cósmica. Porém, diferentemente do filósofo "pré socrático" (naturalista), em Timeu, é apresentada uma psiquê cósmica criada pelo Demiurgo, que parece ter criado o universo para que todas as psiquês se tornem bondosas e belas. 

Timeu entende o cosmo (universo) como a mais bela das coisas mutáveis (suscetíveis ao tempo, "que vieram a ser" etc) e isto seria um indicativo que sua causa, o Demiurgo, utilizou de modelo o imutável o eterno, assim, o universo seria um tipo de "imagem do eterno". O protagonista do diálogo diz à Sócrates que a explicação de tais coisas em si (o estável e de tudo que serviu de modelo para a criação do universo) é invencível e irrefutável à semelhança do elemento explicado, porém como ele, Timeu, é um simples humano/ "mortal", está suscetível às falhas e deve se esforçar o máximo para abordar tal assunto com precisão e clareza. 

Isto parece estar em acordo com que alguns autores dizem sobre Platão: que ele reservou parte de seus ensinamentos para transmitir exclusivamente de modo oral para seus alunos. Explicar sobre o que serviu de "modelo" para a geração do universo seria algo como explicar algo perfeito, divino, ou uma realidade superior que seria incompreendida ou desprezada pela maioria dos leitores, caso fosse deixada escrita. 

O arquiteto/ a causa então teria pego o mutável e visível (certamente o que é perceptível) que estava desordenado e discordante (indisciplinado e contra as regras) e o ordenou*, pois conforme a regra para ele, tudo que é sumamente bom deve ser sumamente belo.

*este conceito de cosmogonia/ criação ou surgimento do universo é similar ao de outros mitos e religiões, desde as poesias gregas de Homero e Hesíodo até a cabala judaica (árvore da vida).

Entendendo que nenhuma coisa não inteligente seria mais bela do que as inteligentes, o Demiurgo confirmou que as coisas (perceptíveis, portanto certamente materiais) não poderiam ter inteligência (noyn, ou noun) sem psiquê. Afinal, Platão indica que a beleza está relacionada ao bem (bondade, justiça etc) que são valores universais, ou seja, elementos psíquicos/ cognoscíveis não sensoriais e alcançáveis pela inteligência. Por esta razão, Timeu diz que o universo ordenado veio a ser como um ser vivo dotado de psiquê e inteligência providenciados por uma força divina;

Apesar de outras obras de Platão indicarem uma realidade para além do universo que era superior e divina (possivelmente chamada de hiper ouranos), alcançável psiquicamente pelo ser humano, ao entender e viver as virtudes/ excelências (vide os diálogos Fedro e A República, por exemplo), a alma (psiquê) do universo aparentemente só é citada nesta obra, o diálogo "Timeu". O conceito de alma do universo parece contradizer parcialmente o diálogo "Político", onde Platão afirma que o universo onde vivemos é mais imperfeito que os deuses e a realidade divina devido ao fato de ser corpóreo/ material. Naquele diálogo fica compreensível que as almas reencarnam através do tempo pelo universo, para após um longo ciclo, se unirem ao "Theos" ou "aos deuses".

Por um outro lado, no diálogo "Crátilo", Sócrates expõe a teoria de que algo sutilíssimo e celeríssimo atravessa todo o universo, fazendo este parecer estar parado, como se este fosse um tipo de receptáculo. Este algo (sutil e célere) seria justo (dikayon) e estaria relacionado ao termo Dia também (que teria relação com o nome Zeus), mas Sócrates deixa o tema inconclusivo devido ao fato de ter recebido diferentes argumentos sobre o assunto - que esse "Zeus" (Dia) poderia ser o Sol ou a Inteligência. Poderia a psiquê do universo ("alma do mundo") mencionada em Timeu, ser um complemento ou alternativa à teoria apresentada em Crátilo?

Timeu segue explicando que o universo visível, sendo a mais bela das "coisas que vieram a ser", seria um tipo de mescla do imutável com o mutável e teria que possuir as mais belas características, por esta razão não seria infinito e sim uno. O universo teria sido criado a partir da semelhança com aquele ser vivo do qual todos os demais seres vivos fazem parte seja individualmente ou universalmente. Isto porque este ser vivo abrange a totalidade dos seres vivos inteligíveis e daí o Demiurgo criou o universo o mais semelhante possível ao mais belo ser vivo teleo (final ou finalizado no sentido de completo). 

Ele entende que para ser visível, houve a necessidade do fogo (a luz?) e para haver tangibilidade, houve a necessidade de terra. A partir daí, Timeu diz que haveria a necessidade de mais elementos (intermediários entre o fogo e a terra), então o arquiteto criou o cosmo (universo) utilizando os "4 elementos" (conceito da época) e os ordenou numa aparente sequência do mais sutil ao mais denso ou compacto: Fogo, Ar, Água e Terra, dando-lhe uma forma esférica. 

Esta teoria dos 4 elementos, apesar de imprecisa e com o viés da antiguidade, tem uma semelhança com os 4 estados da matéria: Plasmático, gasoso, líquido e sólido. Essa semelhança fica mais nítida em partes posteriores do texto.

Após discorrer sobre o movimento (de giro) do universo, Timeu explica que a psiquê (alma...) foi concebida pelo deus para ser mais antiga que o corpo que é fruto da geração e para governar este. O astrólogo explica uma complexa teoria, sobre dobras ou cortes do universo em porções e proporções numéricas das quais eu mencionaria em vão aqui (uma vez que este trecho não me ficou claro).

A partir deste ponto, Timeu continua a explicação que aborda um tema bem peculiar devido ao fato de se tratar de algo imutável e mutável - uma "imagem do eterno". Estes conceitos que parecem contrários entre si poderiam gerar questionamentos como: o universo envelhece por não ser verdadeiramente eterno? Timeu diz que não envelhece, talvez por ter ambas características e ser o mais belo possível - principalmente pelo fato de ter uma psiquê/ alma. Sendo um texto que aborda um assunto possivelmente mais complexo do que o "Sofista" e talvez do mesmo nível de dificuldade de "Parmênides", para um entendimento completo, eu sugiro que leiam o "Timeu" (e obras mais "básicas" de Platão, como "A República") e não se limitem a este meu resumo.

O astrólogo segue, dizendo: "A alma tendo sido tecida ao longo de todo uranon* em todas as direções, a partir do centro para a extremidade (certamente de sua forma esférica) e o envolvendo circularmente a partir do exterior, e ela mesmo girando dentro de si mesma, desencadeou um começo divino de vida incessante e inteligente que dura por todo o tempo."

*(O tradutor Edson Bini parece certo ao assumir que esta palavra se refere a céu, mas no sentido de universo e não da atmosfera típica da Terra); Referente ao movimento da alma que expande do centro às "extremidades" e gira dentro de si, tive uma dúvida se não poderia ter a forma de um toro.

O corpo do universo então é visível, mas sua alma (psiquê) é invisível e composta pela mescla do idêntico, do ser e do diferente. A psiquê "reage" toda vez que entra em contato com algo, seja dispersável ou indivisível. Os círculos que se formam a partir da alma do universo (e seus movimentos giratórios mencionados anteriormente) realizam 2 tipos de movimentos diferentes entre si - o externo relacionado ao idêntico e o(s) interno(s) relacionado(s) ao diferente. Embora tais explicações possam parecer um devaneio ou algum sistema filosófico ultra complexo, neste ponto do texto, o que o autor classifica como idêntico parece relacionar-se com o conceito de eterno, imutável/ uno, pois está vinculado ao movimento circular externo do universo classificado como uma esfera com psiquê; Já o(s) movimento(s) interno(s) estão vinculados com tudo o que é perceptível no universo, ou seja, o mutável, deteriorável, divisível etc. O que faz algum sentido, já que as formas de vida certamente existem dentro do universo e interagem em seu espaço com os corpos e com os sentidos. O movimento externo então ocorreria em contato ou relação com a atividade racional/ cognitiva da psiquê e gerariam o conhecimento e o entendimento, enquanto os movimentos internos surgiriam vinculados ao perceptível e gerariam as opiniões e convicções sólidas;  

Traçando um correlação entre a alma do universo (uranon psiquê) apresentada em Timeu e a alma humana, nota-se que ambas são internas em algum nível, mas a psiquê do universo indica que a parte "externa" de sua alma está conectada a algo superior. Primeiro porquê é do seu movimento que surge o entendimento / o conhecimento e isto está de acordo com o alcance da psiquê apresentado por Platão nas obras Fedro, A República e Fedon: A alma é capaz de alcançar cognoscivelmente as virtudes compostas de valores universais imutáveis e também pode alcançar o hiper ouranos, ou a "morada dos deuses". Platão então não teria usado a Parábola da Caverna somente para explicar o processo da ignorância ao conhecimento/ ao saber, mas também para indicar o acesso a uma realidade superior, divina, mais excelente, eterna, através do despertar da ética e do viver os valores universais (justiça, moderação, coragem, bondade/ beleza). A analogia do libertar-se de uma vida onde só se enxergava formas bidimensionais (sombras) para nossa realidade tridimensional serve para comparar a finalidade de nossa inteligência com a ética e a espiritualidade. Além disto, também utiliza-se de uma linguagem não só filosófica, mas também alegórica (simbólica, de modo similar aos "mitos") para relacionar a geometria com estes temas. Assim, a forma do universo apresentada em Timeu como uma esfera tridimensional e uma representação do eterno parece de acordo com outros argumentos de Platão, também mostrando um diálogo com perspectivas menos racionalistas e mais místicas/ míticas (do diálogo Fedro por exemplo). Por fim, o que haveria além do universo tridimensional? Platão parece insinuar na obra Parmênides: (um)a quarta dimensão...

O astrólogo/ astrônomo então diz que o pai que gerou o universo, ao vê-lo em movimento decidiu torná-lo mais semelhante ao seu modelo: uma imagem (eikona, que significa ícone) móvel da eternidade (aionon, palavra relacionada aos termos aeon/ eon), e essa imagem, se movendo de acordo com o número, é o que chamamos de tempo (chronon).

Este trecho está de acordo com as obras Filebo e Político, onde o autor indica que o meio termo entre o uno e o mutável e/ ou entre o finito e o infinito, é o enumerável (passível de ser contado) - de certa forma os números, não em suas representações gráficas ou vocais, é claro, mas como "conceitos naturais" ou elementos da realidade, particularmente do tempo. 
Classificar o tempo como algo entre o infinito e o finito (etc), não parece contradizer conceitos modernos onde o espaço/ tempo é uma curvatura. Embora o tempo e o espaço se relacionem se mesclando em algum nível (ou sendo aspectos de uma coisa só), o tempo seria sua porção não sensorial: como indica Bergson, séculos após de Platão, percebemos o tempo mentalmente independentemente dos sentidos (afirmação citada também pelo astrofísico e filósofo Arthur Eddington, que escreveu sobre o impacto filosófico da teoria da relatividade). Enquanto o espaço/ tempo é relativo (tudo que está inserido nele ou faz parte dele, está em movimento), há algo absoluto além dele. Utilizando-se de uma comparação similar à que Platão faz em A República, onde as sombras e imagens bidimensionais são menos reais do que nossa realidade tridimensional, a realidade tridimensional seria da mesma forma (menos real) se comparada com uma "quarta dimensão", que certamente é provável matematicamente, mas não é experimentável sensorialmente - Mesmo porquê um corpo tridimensional por si só não poderia interagir plenamente com uma realidade quadrimensional. Platão indica que a psiquê (seja humana ou "cósmica") é o elemento capaz de interagir com que há além da realidade sensorial, ou seja, (além d)o espaço tridimensional.
Talvez na obra Timeu, o autor tenha comparado a realidade perceptível/ sensorial do universo com a "realidade atômica" ao descrevê-la como tendo vários "movimentos" ao invés de um "movimento único" como a psiquê. Poderiam esses vários movimentos se referir de alguma forma às partículas/ subpartículas dos átomos que constituem toda a "matéria" no espaço tridimensional?

Após iniciar a explicação do tempo, Timeu fala do movimento dos astros, obviamente incluindo os planetas, e que o movimento de todos esses corpos celestes no cosmo geram o dia, a noite etc. Vale notar que a palavra grega "planeta" significa errante, ou seja, "que se move". Claro, que Timeu sendo um astrólogo e vivendo em uma sociedade politeísta (as cidades estado helênicas do século 4 a.C.), concebeu os planetas certamente dentro de uma teoria geocêntrica e como possuidores de alma e também, como "uma raça celestial de deuses" (ouranion theos genos). O termo deuses aqui não se refere a seres eternos e sim a seres gerados pelo Demiurgo. Além disto, em variados textos de Platão é possível discernir um Deus superior, como no diálogo entre Sócrates e Filebo, quando nous (a Inteligência Divina) é elevada ao "status" sublime, por trás da causa de todas as coisas...
Depois de teorizar sobre os movimentos dos astros/ planetas e mencionar raças vinculadas aos 4 elementos, Timeu afirma que todas almas foram criadas com uma qualidade secundária ou terciária em relação à uranon psiquê (alma do universo). Apesar disto, Timeu afirma que todas essas almas nascem de maneira idêntica entre si e que todas recebem o mesmo tratamento, insinuando uma equidade entre as almas nascentes no universo. E, como era de se esperar da "Grécia" clássica do século 4, seja por influência do orfismo, do pitagorismo ou de outra cultura estrangeira reencarnacionista (celta, hindu etc), Timeu diz que se a alma que nasceu como um homem resistir todos os vícios (hedonismo, injustiça, crueldade etc) ela poderá renascer em um astro posteriormente para viver uma vida venturosa. Mas se falhou nesta tarefa (vida, encarnação), ele renascerá como mulher. Novas falhas regrediriam a alma a futuras transmigrações da alma para formas de animal ou de elementos mais rústicos. Obviamente neste início de século 21, isso seria uma ideia preconceituosa (misógina), além de simplória e pessimista; Já que a evolução das espécies demoram centenas de milênios para acontecer, faria muito mais sentido a teoria espírita da reencarnação* que indica que uma alma humana muito dificilmente reencarnaria como um animal, pois essa transição dos primatas para uma forma hominídea ficou milhões de anos no passado. *(preferencialmente do século 21, já que a teoria do século 19 dialogava com o racismo científico da Europa) 

Timeu parece retomar o tema dos planetas como "uma raça deuses" com alma, porém agora responsáveis por moldar os corpos dos seres vivos. Tal processo seria gradual e conturbado, indicando uma ligação com o surgimento das sensações (aisthesis) e talvez com a ideia de que as primeiras formas de vida foram mais rústicas, até chegarem nos animais passando para os seres humanos. O personagem compara estas conturbações da psiquê universal ou planetária com o processo da alma humana que nasce em um bebê desengonçado e com devidas limitações cognitivas, até se desenvolver em um adulto. Estas imperfeições e/ ou confusões da alma/ psiquê humana porém, podem ser corrigidas com uma boa educação (certamente indicada no diálogo "A República"). Se forem corrigidas a pessoa se torna íntegra e sadia, mas caso contrário, sua psiquê acabará retornando imperfeita e tola ao Hades (o "mundo dos mortos" ou realidade espiritual)... 
Após explicar sobre os planetas (os errantes, traduzidos como raça celestial de deuses, embora me pareça possível chamá-los de gerados pelo deus celestial), o astrólogo Timeu fala sobre a alma desta "raça criada majoritariamente de fogo que irradia o maior brilho e beleza" (Timeu descreveu os errantes como a raça ligada ao elemento fogo, ao lado das raças que caminham no ar, nas águas e sobre o solo). Ele cita um processo de conturbação da alma (psiquê) como um dos culpados da falta de inteligência no universo (nos planetas/ errantes e/ou nos humanos). Após a redução do fluxo (e revoluções) responsável pelo desenvolvimento "psíquico", a tranquilidade e a inteligência seriam restauradas de acordo com sua explicação; daí o porquê ele compara este processo com o desenvolvimento da criança até se tornar adulto. 
44e-47e Na sequência Timeu explica sua teoria de como teria surgido a raça humana, particularmente o porquê de sua forma hominídea/ bípede; A cabeça seria a parte mais soberana e divina do corpo humano enquanto os membros servem para locomoção e transporte. Ao falar da parte frontal do corpo humano, Timeu descreve a teoria da visão típica da "Grécia clássica" (séc. 4 a.C.), onde o corpo teria algum tipo de chama interior e os olhos emitiriam alguma luminosidade a partir de uma chama também. Interessante notar que as explicações sobre a visão na obra "A República" (seja nas parábolas da Caverna, das Imagens ou do Sol) não seguem necessariamente essa interpretação típica de seu tempo. Não digo que contradizem - elas somente não citam nada sobre uma chama no interior do corpo ou dos olhos e não precisam da explicação errônea do funcionamento da visão, típica da Grécia clássica.
Após explicar a visão, o personagem elogia tal capacidade sensorial (de modo mais intenso do que em outras obras platônicas, como Menon), afirmando que a observação de todos fenômenos astrológicos/ astronômicos (o céu, os astros, o sol, o dia, a noite etc) deveriam inspirar o ser humano a trabalhar sua psiquê/ alma. Ele também afirma a importância da audição e do som porque possibilitam as artes do discurso (diálogo/ maiêutica, imagino eu) e das musas (músicas e possivelmente poesias). Tais artes servem para que o ser humano alcance a harmonia de sua psiquê e evite o uso desta para prazeres irracionais. O ritmo teria sido acrescido aos sons pelas divindades para auxiliar o ser humanos nas finalidades citadas.
Como este texto ficou suficientemente longo, continuarei as observações sobre "Timeu" em uma próxima postagem.

Alguns textos correlacionados aos temas abordados aqui:

Por um conhecimento humano universalizado...

O conhecimento é algo impalpável materialmente: não podemos tocá-lo, pegá-lo com um bisturi, reparti-lo, nem nada deste tipo. Podemos "percebê-lo" sensorialmente só via demonstrações, mas demonstrações não são o conhecimento em si. Uma observação de relâmpagos por exemplo não é conhecimento embora possa fazer parte de uma investigação para se construir conhecimento e o mesmo vale para investigações realizadas com outros sentidos. Isto ocorre porque trata-se de um processo mental, e não me refiro ao processo neuro eletroquímico observável por métodos atuais de investigação, porque o conhecimento também não são moléculas nem partículas ou coisas deste tipo. O mesmo vale para identidade: muitas coisas são identificáveis, os seres humanos têm suas respectivas identidades, pois têm histórias pessoais de vida, preferências, sentimentos, valores etc... E nada disto pode ser manipulado sensorialmente, nem dividido etc. 
Esta minha humilde explicação é uma tentativa de indicar o caminho das investigações realizadas por Platão por volta do século 4 a.C. Platão menciona este tipo de argumento em algumas de suas obras como em A República e em Sofista. Nesta última, o autor investiga todos os pressupostos filosóficos, ou seja, pré suposições intimamente ligadas com cosmovisões - visões de mundo, ou mais precisamente, visões da realidade, do universo, ou "do todo". Na verdade o termo "pressuposto" certamente não era utilizado na época de Platão, mas era um assunto em pauta: Os filósofos naturalistas helênicos ("pré socráticos") discutiam essas coisas: Alguns pensavam que tudo estava em movimento, outros teorizavam que tudo era "uno", enquanto outros discutiam se tudo que existia era somente matéria formada por átomos e outros alegavam que tudo era espírito ou psiquê... Platão refuta todas essas suposições/ visões que eram pregadas como se fossem a verdade essencial - como se fossem a base de todas as coisas... E ele não fez isso porque achava que todas estavam completamente erradas e sim porque viu que todas tinham algo de verdadeiro e porque a postura essencial para se investigar qualquer coisas não é assumir um pressuposto e sim presumir a própria ignorância, ou seja, admitir não conhecer o que se investiga. 

 A postura de assumir não conhecer um tema ao invés de assumir um pressuposto não se trata de niilismo nem de relativismo, pois esta postura básica serve à investigação via o "diálogo" (não necessariamente a conversa, mas a comparação de ideias/ relatos/ fatos); Assim o diálogo é verdadeiramente equitativo e não se julga precocemente determinadas ideias ou relatos. 

Temos até aqui então, a base (presumir a própria ignorância) e o meio (diálogo equitativo) para se investigar / construir conhecimento, faltando apenas a finalidade: Platão indica ela em obras como Fedon e A República (novamente a obra principal do autor): Em A República, o autor indica que as ideias mais sublimes e mais benéficas à todos, ou mais benéfica à maioria dos seres, é alcançável pela atividade cognoscível: a parte menos material da psiquê humana e a capaz de trabalhar/ alcançar os valores universais, ou seja, a ética. (as outras duas "partes" da psiquê seriam a "intermediária" de aspecto emocional ligada ao termo "thymous" e a parte mais inferior ligada às necessidades básicas, seus impulsos e prazeres afrodisíacos e do comer e beber)

Já no diálogo Fedon, o autor indica que seu mestre Sócrates admirou a teoria de Anaxágoras, mas acabou achando-a insuficiente, porque o "Nous" (a causa de todo o universo) do filósofo naturalista era "neutro"/ apartado de ideias como o bem/ belo (kalos, a bondade) e das demais virtudes como moderação, coragem e justiça. Para o autor, o professor de ontos (das coisas que são, mas pode-se entender de ontologia) deve buscar e se pautar pela melhoria de todas as coisas. Aqui Platão certamente não se limita a melhoria de coisas materiais, avançando principalmente para a melhoria do ser humano para que este viva em harmonia com o meio/ a sociedade.

A verdadeira construção de conhecimento então segue este modelo: presunção da ignorância como pressuposto filosófico, o "diálogo equitativo" / a maiêutica como método de investigação e a melhoria de todas as coisas e as virtudes/ valores universais como finalidade. Tudo que está fora disto não é conhecimento e sim opinião ou ignorância. Esta proposta que muitos podem considerar vaga ou ingênua é o mínimo para se respeitar cosmovisões de diferentes povos e culturas. O rigor do método não se apoia em detalhes perceptíveis sensorialmente (empirismo, difundido principalmente pela Europa iluminista) nem em mera mensurabilidade matemática; se apoia na escuta e na reflexão com a finalidade ética/ pautada nos valores universais. Esta é a filosofia como construção de conhecimento rigorosa: ela não se fecha em um pressuposto ou paradigma específico, porque valores universais exigem universalidade. Universalidade não é diversidade desconexa: ela é una, ou seja, compõe um corpo unido pautado na melhoria e no que é bom para todos.

Claro, que neste ponto muitos discutiriam "o que é bom para todos"? Bem, Platão aponta ao longo de sua obra o que é bom e o que é ruim. Algumas coisas ruins por exemplo permanecem até os dias de hoje e são óbvias: A prioridade no lucro, ou seja, nos ganhos pessoais é um ponto criticado em várias de suas obras (Górgias, A República, Apologia etc), bem como a ênfase nas honrarias. Esta última palavra mais difícil de traduzir refere-se a uma gama de coisas interconectadas: rivalidade, status social, econômico, político, religioso etc. Estas honrarias são típicas dos indivíduos que Platão chama de "filónikons", termo este traduzido como briguento, mas que ao pé da letra é "amigo da vitória" e está para "amante do sobressair-se", assim como filósofo está para "amante/ amigo do saber" e "filokerdes" está para amante do lucro ou interesseiro. 

Estes três tipos de indivíduos parecem ligados ao conceito dos 3 níveis da psiquê elaborado por Platão e também com os 3 tipos de classes da sociedade (artesão/ mercadora, guerreira/ guardiã e legisladora/ governante).

É fácil alegar que não existe coisa alguma que é boa para todos, mas isto é uma mera negação generalizada. Quando o "todos" não é alcançável, é possível buscar alternativas desde que mantenha-se a ética (ou os valores universais) como finalidade. Não existe "bom para todos" enquanto a finalidade de algo (seja um estudo, uma proposta econômica, uma administração ou um estado) for o lucro ou o sobressair-se (disputa, rivalidade, honrarias etc). Platão indica que o conceito de saber, de sabedoria e de conhecimento, estão ligados aos valores universais, portanto à ética e à universalidade. A episteme então (construção de conhecimento, do ensino ao conhecimento em si) é incompatível com a priorização de dinheiro/ lucro e de honrarias/ status: se um estudo é feito visando lucros, ele está corrompido. Se é feito priorizando um povo ante o outro, ele está corrompido. Isto é notável em nossa história, onde indústrias/ empresas induzem estudos seja financiando seus pesquisadores ou pagando campanhas para elogiar um produto ou difamar outro. Alguns dos casos mais comuns são os de empresas farmacêuticas (desde a época de Szaas até a crise dos opioides nos EUA) que apresentam tal tipo de viés lucrativo omitindo desde fatores culturais e sociais na saúde mental até efeitos colaterais de medicações. Já o "amor ao sobressair-se", tão comum dos nacionalismos e do fanatismo religioso, também foi notável em casos de estudos utilizados para inferiorizar uma etnia inteira, ou para dar poder a uma determinada nação ante outras; A drapetomania e a cranoscopia, que eu já citei em outros textos, foram estudos científicos racistas claramente eurocêntricos que tentavam classificar os negros, ou seja, povos de origem predominantemente africana, como seres humanos inferiores aos "brancos". O desenvolvimento de armas químicas e nucleares "davam o direito" de nações (Alemanha, EUA etc) as utilizarem sobre outros povos, matando milhares de humanos...

Em Sofista e em Parmênides o autor faz um uso rigoroso de seu método investigativo, sendo que nesta última obra, o mesmo (via um dos personagem) alerta que a maioria das pessoas acharia tais investigações enfadonhas e/ ou não dariam crédito à elas. Isto porque, o autor investiga via o diálogo e a racionalização (pressupondo sua própria ignorância, refletindo, buscando o melhor etc) conceitos como a unidade, o que é cada coisa (formas/ eidos e classificações destas), o que se interconecta etc. O tema é difícil talvez por ser raramente discutido e pouco objetivo, ou seja, pouco sensorial... na verdade é puramente racional/ lógico/ ético e praticamente nada sensorial.

Os estudos apresentados por Platão nestas obras raramente seriam bem difundidos e praticados por uma parcela significante da sociedade, independentemente da nação e da cultura humana. É uma construção de conhecimento filosófica profunda e afastada do que se entende por ciência na era moderna. Pelo que li das obras do filósofo, estes estudos ajudariam sim a humanidade a ser mais ética com rigor e diálogo inclusivo... Porém estamos longe disto: Parece que são poucos são os filósofos que se aproximaram da postura ética e epistemológica de Platão e os outros saberes tidos como o científico e o religioso são quase antagônicos entre si. Pior que isso, não são antagônicos de forma que critiquem pontos negativos um dos outros, buscando os pontos positivos, ou seja, buscando a ética - São antagônicos entre si de modo que se enquadram majoritariamente no conceito filonikon apresentado pelo fundador da filosofia ocidental (meros rivais entre si). Além deste problema grande parte das nações juntamente com suas respectivas instituições, sejam científicas ou religiosas, está submetida a um sistema sócio econômico, e portanto político também, neoliberal - uma continuação do liberalismo e do mercantilismo, todos de ideologia capitalista, ou seja, "filokerde" que prioriza o lucro...

Não acho que seja obrigatório o ensino de obras complexas como Sofista e Parmênides nas universidades (nas escolas seria impensável), mas resgatar a filosofia como uma construção de conhecimento aberta a diferentes cosmovisões e que faça a ponte entre algumas áreas da ciência (ao menos as humanas) com a cultura e a espiritualidade (eu incluiria as religiões contanto que elas não fossem usadas como ferramenta de poder) é urgente... Isto é aplicar uma verdadeira ética na construção de conhecimento e remover os ares de superioridade da academia (e das religiões) eurocêntrica(s) que invadiu praticamente todos países da América. Isto é dar vozes aos indígenas e aos negros, iniciando um diálogo entre a academia e os povos nativos da América e da África. Além disto, tal diálogo entre saberes poderia auxiliar no combate aos interesses privados e financeiros em setores essenciais e frágeis como a área da saúde mental desde a rede de instituições até seus pacientes/ usuários de tal sistema.

A construção de conhecimento então não deveria ser pautada meramente pelo rigor metodológico nem por dogmas ou paradigmas, e sim, deveria ser pautada pela ética e seus valores universais, como já mencionei em outros textos... Se isto parece absurdo ou vago demais para as áreas da física, da química e da biologia, definitivamente não deveria parecer assim para áreas humanas como a história, a geografia (política), o direito, a contabilidade, a economia, a sociologia e a psicologia. Uma construção de conhecimento centrada na ética, e portanto mais filosófica, nestas áreas se faz urgente e os motivos para isso devem render outro(s) texto(s).

A Utopia que questionava o início do Mercantilismo

Recentemente voltei a ler o livro Utopia de Thomas Morus, ou Thomas More (1478-1535) - leitura que eu havia iniciado há 1 ou 2 anos atrás, mas havia interrompido para me dedicar ao último ano da faculdade de psicologia. 
O autor é um humanista inglês e não é um dos meramente antropocêntricos: Thomas, em sua obra Utopia, claramente mostra que foi influenciado pelo filósofo da Grécia clássica, Platão (428 aC - 347 aC), além de abordar de modo crítico o cristianismo. Crítico aqui não significa destrutivo, mas também não é simplesmente bajulador de sua própria fé, a católica: Thomas Morus pode até parecer para alguns, um católico romano fervoroso devido ao fato de se opor a igreja anglicana (novidade em sua época), porém vale lembrar que o autor conhecia bem a sociedade inglesa e os poderes que a regiam. Por isso devia saber que haviam interesses por trás da criação da igreja anglicana*, bem como anos depois haveriam interesses por trás do estabelecimento da igreja protestante na Inglaterra. 
*(inclusive o autor morreu condenado pelo rei inglês que criou a igreja anglicana)

A Utopia
Utopia mistura realidade com ficção, ou talvez seja mais correto dizer que mistura a dura realidade européia renascentista (principalmente a inglesa) com ideias de uma nação ideal certamente inspiradas em Platão com poucos elementos possivelmente baseados na América descrita por Vespúcio ou outro autor relacionado as navegações. Essa mistura de relatos críticos da Europa com uma nação ideal porém não é um mero conto de entretenimento - ela serve à construção de conhecimento dialética reflexiva similar às propostas da filosofia fundada por Platão. A dura realidade retratada na obra, é a sociedade do mercantilismo europeu dominada por reis e aristocratas corruptos em paralelo com uma burguesia em ascensão que não desejava nada além de adquirir cada vez mais propriedades privadas. Claro que a burguesia a que me refiro neste texto não é a industrial/ dona dos meios de produção da era moderna - É a classe mercantil que surgiu na baixa idade média e estava enriquecendo rapidamente no início do mercantilismo.

A partir da análise dos poderes de seu tempo, Thomas Morus aponta outros variados problemas como a concentração de bens em posse de poucos, a pobreza das massas, o banditismo etc. Oras, que filósofo poderia criticar tamanha ganância nos poderes da sociedade? Os filósofos medievais de um século antes de Thomas eram em sua maioria voltados a escolástica e cheios do viés teológico da igreja como instituição de poder. Sobravam então os filósofos da Grécia clássica, dos quais poucos eram espiritualistas, ou talvez só um autor clássico realmente combinasse política, epistemologia e espiritualidade: Platão. 
Como historiador amador, não tenho profundo conhecimento da Renascença, mas os poucos resumos que li sobre a época e seus respectivos filósofos, combinados com o que li de Platão e de Morus, me faz entender que o fundador da filosofia ocidental fôra peça chave para demolir as falácias do poder medieval (majoritariamente religioso católico, mas também aristocrático) e dar abertura para uma nova construção de conhecimento menos presa à igreja e mais filosófica e até mesmo "(pré) científica". Mais do que isto, a obra de Platão ao propor uma construção de conhecimento e um ideal de sociedade, ambos éticos, também é contrária à ideologia e à economia mercantis (e burguesa em algum nível) onde a prioridade é o lucro e o acúmulo de bens.

Em Utopia, Morus apresenta a si mesmo como personagem ao lado de um protagonista certamente fictício ao qual ele identifica como Rafael - um suposto português colega de viagens de Américo Vespúcio (o navegador veneziano Amérigo Vespucci). 
 Após indicar os problemas da Europa, particularmente da Inglaterra e da França com um certo teor satírico (recomendo a leitura ao menos desta parte que está nas primeiras 30 ou 40 páginas), o diálogo segue com Rafael, Thomas e outros personagens discutindo a possibilidade de fazer leis melhores e capazes de impedir a injustiça. O autor, em seu estilo literário, não deixa claro quando passa da realidade para suas teorias e "ficções", mas certamente deve-se entender que a maior parte das falas apresentadas pelo personagem Rafael sobre a civilização ideal, são ficções de serventia ética, talvez baseadas em alguns eventuais elementos reais de sociedades nativas da América.
Num ponto do diálogo, Rafael diz que se der alguns exemplos de povos que encontrou no "Novo Mundo" e como estes formam sociedades mais justas que os reinos europeus, ninguém irá ouví-lo. Por esta razão, ele conclui que a filosofia, como mostrada por Platão, não tem acesso junto aos príncipes (a aristocracia em geral) e isso faz com que ele tenha aversão ao estado e aos administradores públicos da Europa.
Thomas responde que a filosofia entendida por Rafael, como a de uma escola que apresenta soluções aplicáveis a qualquer situação não deve ter espaço entre os poderosos mesmo. Porém ele crê que uma filosofia instruída pela vida (presente, prática) poderia ser apresentada de maneira gradual e menos diretamente aos aristocratas, e assim, obter não a solução para todos os problemas, mas alternativas menos ruins do que a eles possuem em sua época e local.
Rafael segue cético e diz que a proposta de Thomas é como um pretexto para remediar a loucura dos outros, colocando-se a delirar junto deles. Ele diz que como filósofo não poderia mentir nem se calar diante as mentiras e que gostaria de poder expor o estado imaginado por Platão e praticado pela "nação de Utopia"*, onde os bens são partilhados em comum. 
(*a nação mais exemplar do Novo Mundo apresentada na obra. Obviamente o nome não se refere a qualquer língua nativa da América por se tratar de uma ficção do autor)
Porém sendo impedido de falar diretamente destas coisas Rafael teria que se calar diante as maldades dos aristocratas e isso seria como dissimular aos cristãos tudo que Jesus ensinou. Ele diz que o essencial dos ensinamentos de Cristo está bem afastado dos costumes do mundo e que adaptar-se a tal meio, seria como o ensino de certos frades pregadores que flexibilizam as palavras de Jesus permitindo que os "fiéis" simplesmente pequem com mais consciência. 
Para Rafael, a filosofia instruída pela vida cotidiana e apresentada de modo gradual como Thomas propôs seria inviável, pois diante os príncipes é preciso aprovar projetos detestáveis ou calar-se diante resoluções nefastas. 
Saindo um pouco da crítica particular aos aristocratas, Rafael aponta a propriedade privada como um problema central: Ele diz que enquanto houver tal conceito, o mundo avaliará as coisas pelo dinheiro e dificilmente será possível estabelecer nos assuntos públicos um regime que seja justo e próspero, a menos que se conforme que reserve as melhores coisas para os piores indivíduos e que se concentre a maior parte das propriedades em mãos de poucos, enquanto a grande maioria viva na pobreza.
Uma série de leis restringindo o acúmulo de riquezas, proibindo o luxo aos governantes e impedindo a comercialização de cargos e disputas entre estes, poderiam adormecer o mal (reduzi-lo ou adiá-lo), mas não poderiam impedi-lo de modo mais definitivo, estabelecendo a justiça e o bem.
Thomas acha a supressão da propriedade privada um exagero que traria outros problemas como um conformismo que propagaria a preguiça e a falta de autoridade.
Rafael diz que Thomas pensa assim porque não passou um tempo junto aos utopianos, como ele o fez.
O outro interlocutor, Pierre Gilles, diz que Rafael dificilmente os convencerá pois os europeus não são menos inteligentes do que os povos do Novo Mundo e são mais antigos, possuindo mais invenções construídas ao longo do tempo.
Rafael lhe responde que referente a antiguidade das nações, Pierre está enganado, pois no Novo Mundo há nações mais antigas do que as da Europa e que referente a inteligência e às invenções, talvez os europeus tenham ultrapassado os povos do Novo Mundo, porém ficaram muito atrás no que se refere à aplicação desta inteligência na sociedade e em suas respectivas atividades.
De acordo com Rafael, a lendária ilha de Utopia teria sido visitada há 1200 anos no passado (o que dataria por volta do século 4), quando embarcações romanas e egípcias naufragaram lá. O personagem conta que os utopianos souberam aproveitar os conhecimentos dos romanos, enquanto não houve registro algum de que estes europeus da antiguidade tenham aplicado algo de Utopia em seu respectivo império. Rafael conclui que mesmo que um utopiano tivesse desembarcado alguma vez na Europa, tal fato teria sido esquecido pelos seus "conterrâneos".

 Utopia é uma ilha cuja a descrição tem vários elementos do repertório e imaginário europeu, porém com alguns detalhes curiosos: A população das cidades de Utopia não é sedentária como a maioria das civilizações mercantilistas europeias: os habitantes migravam em intervalos de tempo não muito longos e os líderes eram escolhidos em eleições indiretas anualmente. Esta movimentação regular da nação lendária de Thomas Morus certamente está mais relacionada à proposta de ausência de propriedade privada do que uma inspiração em descrições de povos semi nômades da América. Assim o autor propõe uma forma de propagar "desapego de bens materiais" através das leis de uma sociedade. 

 Thomas também propõe através do personagem Rafael e da lendária Utopia, que todo cidadão deveria aprender a agricultura e praticá-la, além de uma outra profissão de escolha individual. Os cidadãos exerceriam a profissão de seu gosto, exceto em casos de necessidade do Estado, ou seja, do coletivo. Em "sua Utopia" toda casa deveria ter um jardim e não teria trancas nas portas, já que são residências temporárias devido ao "semi-nomadismo" ou rotatividade da população das cidades. Morus propõe que uma esfera das autoridades certificariam se todos cidadãos estão exercendo suas profissões, mas não de modo que estes trabalhem do nascer do sol ao pôr do sol. O autor através do personagem Rafael diz que esse regime pior do que escravidão é o que ocorre na maioria das nações de seu tempo, mas não em sua Utopia (na Inglaterra do século 16 o povo trabalhava cerca de 14 hs por dia). Em Utopia, os habitantes, praticamente em sua totalidade, trabalhavam somente 6 horas por dia com um intervalo de duas horas. Os utopianos dedicam o tempo livre aos estudos de quaisquer áreas que lhe interessem e às atividades lúdicas como exercícios de matemática ou de ética e não na forma de jogos de azar ou de excessos. Rafael então diz que sabe que seus interlocutores argumentariam que uma jornada de trabalho de 6 horas diárias causaria uma escassez de produtos, porém adianta que eles estão errados. Ele explica que nas nações européias mercantilistas, diferentemente de Utopia, só cerca da metade da população trabalha de fato, isto porque a mulher é proibida de exercer profissões e a maior parte do clero é ociosa, além de praticamente todos os ricos, os latifundiários, os aristocratas, os excessivos exércitos e os mendigos também não trabalharem nem produzirem coisa alguma. Além disto, sendo todas as nações mercantilistas pautadas pelo dinheiro, muito de suas atividades se voltam para fins inúteis, como o luxo, o prazer e objetos supérfluos. Se todo o conjunto de operários fossem destinados à produção de itens úteis para a coletividade (primariamente de necessidade básica etc), haveria um excedente de produtos e este poderia ser até voltado aos prazeres mais saudáveis - Isto é o que ocorre em Utopia. 

De acordo com Rafael, alguns utopianos eram escolhidos pelos sacerdotes e eleitos pelos magistrados, recebendo imunidade à lei dos trabalhos manuais (que todo cidadão seguia) para se dedicar exclusivamente aos estudos. Caso estes estudiosos não alcançassem os resultados esperados eles eram dispensados de volta ao seu posto anterior. Os cidadãos também podiam adquirir esta posição de estudioso por mérito próprio: Após dedicarem suas horas vagas em estudos, eles passariam pelo mesmo processo para viverem exclusivamente dos estudos.   

Um ponto curioso é a tentativa de manter uma média populacional através da troca de membros da família: Aquelas com muitos filhos passariam o "excedente" destes às outras famílias com poucos filhos. Esta ideia também está ligada ao fato que quando o total de habitantes de Utopia excedia o "permitido", surgia o único meio ao qual o governo utopiano criava colônias. Neste caso, os utopianos só podiam estabelecer uma colônia em áreas não ocupadas por indígenas do "Novo Mundo". Daí os utopianos contatavam os indígenas para negociar ou checar a possibilidade de assentar no território fértil não utilizado. A guerra seria permitida aos utopianos caso estes fossem impedidos por outros povos (indígenas) de obter alimentos para a sobrevivência. No caso de qualquer declínio populacional, as cidades originais de Utopia eram a prioridade e os colonos teriam que voltar para sua terra natal.

O autor tenta classificar quais prazeres são dignos e saudáveis e quais não são. Neste ponto, Morus deve ter ido além de Platão, se baseando em Epicuro, embora classifique os prazeres da alma como superiores ao do corpo. Todos prazeres do corpo mais louváveis estão ligados a saúde deste e devem ser aproveitados de maneira que respeite o próximo e o coletivo. Depois disto, ele relata através de Rafael, que os utopianos desmatam apenas para produção de itens voltados ao seu coletivo de cidades e que eles sempre realizam o replantio da floresta (entende-se bioma original) desmatada.

Um ponto notável é a proposta "religiosa" do autor: Apesar de católico, ele propõe a tolerância religiosa prática, condenando as críticas às outras religiões e as disputas entre elas, sejam discursivas ou físicas/ bélicas. Para Thomas Morus, se há uma religião certa e outras erradas, isso se provará com o passar do tempo e não com discursos de imposição de uma religião qualquer ou de rivalidade onde se ataca a fé alheia. Assim, em Utopia o proselitismo só é permitido sem exageros: Deve-se explicar o motivo da pregação antes de discursar e mesmo se os discursos forem impotentes, é proibido apelar para insultos e agressões. Tais atitudes, bem como afirmar que a própria religião está certa e as outras estão erradas, são ações punidas pela lei de Utopia. A negação da existência da alma é reprovada pelo autor, que entende tal fato como uma tentativa de reduzir o ser humano à vida animalesca. Propagar tal idéia é fomentar a infração das leis do Estado, pois tais homens não temeriam burlar ou destruir as regras por não acreditarem que há uma justiça para além da vida material. O autor conta que em Utopia, estes "materialistas" não eram considerados cidadãos pois rebaixavam a si mesmos ao status de animal e por isso, não tinham acesso aos cargos públicos. Eles são deixados em paz enquanto não infringirem as leis de Utopia, pois todos tinham o direito de acreditar no que quisessem. Porém caso saíssem pregando publicamente contra a existência da alma, contra sua sobrevivência à morte do corpo e coisas deste tipo, eles eram advertidos para debaterem tais opiniões somente com sacerdotes, que por sua vez, não eram de uma só religião em Utopia, embora a maioria fosse monoteísta.

Enfim, o autor propõe uma sociedade centrada no coletivismo com algumas peculiaridades e com variadas aberturas para gostos individuais, mas notoriamente evitando a concentração de bens e o medo da miséria. Ele indica que estes dois defeitos típicos da Europa mercantilista estão interligados com a propriedade privada - o que faz sentido, afinal se "a Terra dá tudo de graça", porque se apropriar de partes dela seria benéfico para alguma forma de vida? 

Contexto Histórico e Legado

O autor viveu no fim de um período de transição da Inglaterra: o país entrava na renascença com possível atraso em relação aos estados itálicos e ibéricos. Em relação aos itálicos porque ali renasceu a filosofia e a arte 4 décadas antes de Thomas Morus nascer. E em relação aos ibéricos porque Portugal e Espanha não eram fortes em filosofia e arte, mas saíram na frente nas navegações e exploração do "Novo Mundo". A Inglaterra passava por um processo de cercamento de terras que favoreciam os proprietários de maiores riquezas materiais - fato que acontecia quase 2 séculos após supressões de revoltas camponesas no país. As anteriores revoltas dos camponeses visavam condições dignas de trabalho e acontecia num período onde os lollards (católicos dissidentes) questionavam a corrupção da Igreja Católica na Grã Bretanha. Thomas Morus então, ao ter contato com os humanistas, predominantemente itálicos, deve ter notado a necessidade da filosofia na sociedade, pois sem discutir a ética (valores universais, ou seja, duradouros e coletivos - bom para todos) a ideologia tosca de autoridade e obediência do feudalismo regido pelas (duas) igrejas católicas seria substituído por algo tão ruim ou pior: o capitalismo. O sistema socioeconômico mercantil se baseia nas invenções humanas que Morus critica: a propriedade privada e o dinheiro. Um sistema centrado em tais invenções é obviamente capitalista, embora não na mesma intensidade que os sistemas posteriores (liberalismo etc). 

A ideologia por trás do sistema feudal foi derrubada pelos filósofos bizantinos e itálicos que se apoiaram amplamente em autores da Grécia clássica, porém a ética desta filosofia não penetrou de modo significativo os governos (aristocracias em sua maioria) nem as igrejas e muito menos penetrou a burguesia que estava em ascensão. Na própria Inglaterra via-se regulares conluios entre a monarquia/ aristocracia e um clero que ignoravam a ética - eis que fundaram a Igreja Anglicana como ferramenta de poder aliada ao rei Henrique VIII, em oposição a velha Igreja Católica Romana tão aliada aos estados itálicos e principalmente aos ibéricos. O rei inglês não só tomou o poder da igreja em seu país, como continuava uma campanha de assimilação (do País) de Gales. Essa assimilação suprimia a língua galesa nas posições estatais/ de poder sobre a sociedade além de tomar bens materiais destes através da imposição da igreja anglicana: assim notava-se que o rei inglês, além de ter interesses em acumular bens materiais, atacava a capacidade dos galeses tomarem decisões e pensarem sobre a própria sociedade. Era nítido que os poderes medievais se contorciam para manter seus privilégios e status e que a burguesia constituída por mercadores estava cada vez mais afastada do povo, pois só buscavam mais dinheiro e propriedades. Thomas Morus então via os defeitos da igreja e seu afastamento dos ensinamentos de Jesus, além de entender toda a corrupção da aristocracia e os interesses da burguesia em ascensão: estas classes da sociedade estavam tomadas por indivíduos que buscavam basicamente duas coisas: autoridade (típica do feudalismo) e dinheiro/ propriedades (típicos do capitalismo, ainda que mercantil), sendo que estes últimos indivíduos tinham interesses meramente materiais, mesmo que demonstrassem alguma "religiosidade" externamente. 

O autor aproveitou a "descoberta" do "Novo Mundo" (nome da América dado por Vespucci) e a filosofia redescoberta pelas "classes médias" dos estados itálicos e do extinto estado bizantino, para propor soluções éticas à sociedade inglesa de seu tempo. Morus fracassou diante os poderes que se opuseram a ele, mas sua obra, com suas respectivas observações da realidade e suas ideias éticas, se mostra bastante atual ainda hoje, após 500 anos.

Revolução: troca de poder, ou arrancada de desenvolvimento ético?

Em conversas sobre história da sociedade e da economia ocidental que tive com amigos e colegas nos últimos 6 ou 7 anos, percebi que as pessoas acabam caindo em algum nível de pessimismo quanto ao futuro da humanidade. 
De 4 ou 5 conhecidos que se aprofundaram neste tema por longos minutos (ou algumas poucas horas), 4 ou 5 mostraram a opinião que "o mal prevalece sobre o bem", seja por causa da ganância por dinheiro e/ou poder ou devido a ignorância da maioria. As visões variaram um pouco, mas uma possível solução variou entre revolução ou... nenhuma solução - a "humanidade não teria solução". 
Eu poderia discorrer sobre o que descobri sobre "o mal" e o bem na história das civilizações ocidentais, mas deixarei esse tema filosófico para um próximo texto.

Nos últimos 3 anos, após ler vários textos de Platão, ficou nítido que os problemas sócio econômicos que assolam a humanidade têm uma causa que envolve a (falta de) ética. Por isso tendo a crer menos que uma revolução traga grande benefícios: ao menos revoluções armadas, para mim, parecem trazer pequenos benefícios seguidos de muitas retaliações, traições etc.
Na primeira conversa sobre história da sociedade e da economia ocidental, os meus 2 interlocutores pareceram não chegar a uma conclusão, embora um pensou em uma grande revolta direta contra o sistema (capitalista) e o outro duvidou que isso fosse possível, sem apresentar uma possibilidade de mudança ou progresso social/ econômico.
Noutra conversa, com um sociólogo que trabalha com o povo de rua, lembro-me que ele falou que não vê esperança e que o ser humano não tem jeito pois nenhum sistema funciona devido ao fato deles serem impostos (colocados) de uma minoria de poderosos sobre o povo sem poder e devido a democracia (o sistema eleitoral etc) ser uma farsa pouco ou nada útil. 
Apresentei para ele, não em um tom muito sério, a proposta de um governo só de profissionais e cientistas de humanas: pedagogos, sociólogos, geógrafos, psicólogos (um tanto baseado em Platão, acho eu). Ele respondeu-me que seria só mais um governo vertical imposto de cima para baixo e não via como isso poderia gerar bom resultados. Pensei a respeito após nosso papo e lembrei-me que a proposta de Platão certamente foi pensada para uma cidade/ estado, ou seja, um coletivo de pessoas muito menor do que países continentais como Brasil, Rússia, China, EUA, ou outras nações quase tão grande quanto estes (Argentina, México, Índia etc). Na verdade o governo dos filósofos, que seria um governo de poucos construtores de conhecimento pautados pela ética (valores universais: duradouros e coletivos), é uma proposta não só social, mas também individual: moral/ ética e psicológica.
Numa outra conversa, meu interlocutor geógrafo cogitou vagamente que só revoluções poderiam mudar o mundo para melhor. Falei-lhe que revoluções sem educação e conscientização humana e social, já foram feitas e alternaram entre gerar pequenos resultados e ciclos de troca de poder com conflitos mortais, sejam bélicos ou não.

Vendo os problemas atuais, penso que isto está cada vez mais nítido: a maioria dos que têm poder, principalmente poderes econômico e ideológico (religiões e economias inclusas), são abertamente antiéticos. Variam entre psicopatas, fanfarrões e sádicos: basta vermos pastores manipuladores, políticos vendilhões e empresários do agronegócio, de indústrias farmacêuticas, armamentista, de grandes mídias e empreendedores (influencers mercenários), mentindo descaradamente, usando de argumentos chulos e estúpidos com pouca ou nenhuma base nos fatos... e absolutamente sem moral ou ética. 
 Isso denota uma falha miserável na educação, ao menos do Brasil, mas também com certeza em outros países, incluindo um tal de Estados Unidos. 
O sucateamento da educação ao lado de uma mídia que não informa desde a época da tv e do rádio, gera uma maioria de pessoas sem capacidade de análise dos fatos e sem conhecimento de utilidade ética, ou seja, sem conhecimento humano, coletivo e que perpassa o tempo (histórico etc). 
Lembro-me que em minha graduação de psicologia, todos professores que tentaram abordar a história da ciência e profissão tinham dificuldade de expor o assunto. Para completar, tentei fazer um trabalho de conclusão de curso abordando a história de umas poucas áreas da psicologia... e fui impedido: a professora negou-me esta possibilidade.
Pior que isso, alguns dos professores que abordaram história, reproduziram (automaticamente ou ingenuamente) discursos liberais, de "intelectuais" enviesados pela ideologia capitalista que contam só o ponto de vista do vencedor, geralmente o ponto de vista dos colonizadores que espalham desigualdade social e até guerras.

De modo geral não sabemos de onde viemos porque poucos de nós estudam história. Não sabemos o que é nação ou sociedade, porque não nos ensinam sociologia e vemos cada vez menos sobre geografia. Não sabemos que podemos aprender a dialogar com equidade, nem corrigir nossas limitações, porque quase não temos acesso à filosofia/ ética. Não sabemos quem cobrar porque não nos ensinam política...

Eu não sei se a verticalização do poder por si só é o maior de nossos dos problemas. Acho que pode ser problema quando exagerado, ou seja, quando a hierarquia social e/ ou econômica fica enorme e inquebrável para quem está submisso aos poderes. Por um outro lado, me parece que uma sociedade horizontal só é viável em pequenos coletivos... sejam como as dos indígenas da América, da África, da Oceania ou mesmo da Eurásia. Seja como a proposta talvez utópica de Platão para Atenas séculos atrás... 

Como seria então uma revolução capaz de trazer uma melhoria geral da sociedade? Revoltar-se contra multimilionários, eliminando-os? Destruir tudo do sistema econômico neo liberal e implantar um socialismo? Isso já não deu errado? Implantar um anarquismo? Daria certo em que nível? 
A palavra revolução pressupõe evolução... que evolução haveria sem educação? Sem uma civilização que se paute pelos valores universais da ética? Implantar uma educação conscientizadora e humana não seria uma revolução ainda que durasse poucos anos?
Talvez precisamos de algumas eventuais revoluções sim: para quebrar barreiras opressoras que nos impedem de propagarmos saberes humanos e de vivermos com equidade e ética. Porém, mais importante que isso então é o fato de que precisamos de educação... de uma construção de conhecimento equitativo com diálogo. Precisamos entender que o ganho individualista é falso, tosco e/ ou ignóbil... O individualismo é nocivo não só para o próximo e para as multidões; precisamos provar que é nocivo até mesmo para quem pratica crimes econômicos, ambientais, sociais etc... 
Sim, ensinar e propagar isso deve ser muito difícil... mas precisamos.

 

Amor e Constança

Escrevi este texto na segunda semana de maio - semana do "dia das mães". Isto porque me lembrei do amor e como ele é um sentimento importante apesar de parecer haver pouco consenso sobre o que ele é exatamente. No texto anterior critiquei como a psicologia deste início de século 21 ainda menospreza o amor e se submete ao viés biológico da medicina, porém aqui trato um pouco do amor na cristandade (dos ensinamentos de Jesus e seus apóstolos), e mais na relação desse sentimento tão importante com a espiritualidade e com o cotidiano... com a vida.

O amor cobre uma multitude de erros... esse ensinamento atribuído ao apóstolo Pedro, fala do amor ensinado por Jesus. O amor piedoso que faz os seres servirem uns aos outros em uma amizade universal, ou seja, sem mentiras e sem priorizar interesses individuais. Esse amor vivido sinceramente cobre uma multidão de erros porque é o ensinamento central de Jesus de amar o próximo como a si mesmo e a Deus (amar toda a vida)... 
Mas andei pensando: e ser amado por esse amor? Como é? Talvez não seja tão importante se não retribuirmos?... Mas o que esse amor de quem nos serve com tanta sinceridade nos causa? 
Senti que fui amado assim. E descobri que esse amor resiste à morte do corpo. Esse amor então é uma verdade que é quase indizível. É o que realmente vale a pena. Mas falarei essencialmente da porção desse amor perceptível aqui na vida terrestre, mesmo porque discorrer sobre o além não é necessário até o momento. 
Eu tive momentos de tristeza, irritação, dúvida etc... Mas sem dúvida, uma coisa que não esqueço é o quanto fui amado. 
Quando lembro de minha infância, lembro o quanto fui cercado por amor. Minha mamãe foi muito presente. Sempre me lembro de como sorria tão alegremente por minha causa e por causa de meus irmãos. Na verdade isso pouco mudou com o passar do tempo: era um sorriso espontâneo e sincero de um amor por nós, praticamente inabalável. Claro que isso não impediu momentos que ela ficou brava conosco e tantas outras emoções mais conflitivas, mas isso faz parte das relações humanas... 
Também me lembro da presença dos meus tios, particularmente de 2 irmãos de minha mãe, que viveram um tempo conosco quando eu era pequenino (por volta dos meus 2 anos de idade) e depois nos visitaram por anos (quase toda semana): 
Tio Hélio parecia mais fanfarrão ou talvez um brincalhão peculiar. Era meio atrapalhado e estava frequentemente ouvindo música, tomando café e fumando (essa última parte nunca me agradou, mas muitos outros familiares também fumavam). Frequentemente ria uma gargalhada emblemática e me chamava pelo meu apelido prolongando a primeira sílaba por uns segundos. 
Tio Bão foi o tio quase onipresente. Acho que ele me pôs o apelido o qual meu tio Hélio me chamava. Era o tio que levava eu e meus irmãos para passear (muitas vezes de trem) e fazia muitos brinquedos para nós: ônibus de lata, veículos de madeira, maquetes etc. Também jogava cartas (mais com mamãe), fazia bolinhos fritos para gente e me ensinou a fazer nhoque. Visitou nossa casa frequentemente por mais de 30 anos. Alguém poderia me perguntar: mas aonde esteve o amor além o de sua mãe? Como você tem certeza do amor de seus tios? Bom, eu não tenho que ter certeza disso, ao menos não racionalmente... e nem empiricamente acho eu. Não penetro pensamentos e sentimentos alheios, nem leio mentes, mas amor é sentimento para além do material, então é sentir. Sentir nós simplesmente sentimos - é mais visceral que perceber sensorialmente ou explicar com palavras. Quando pequenino, muitas vezes senti o amor; estava no ambiente, nos olhares e sorrisos e sobretudo na presença. Amar é estar presente e se fazer sentir presente. Querendo o bem, fazendo bem... amando. O amor que senti não é momentâneo como a emoção: é reconhecível e duradouro, pois também é se sentir feliz, acolhido e seguro, ainda que ameaças compreensíveis ou incompreensíveis possam existir. 
Lembro-me que minha mãe contava que vovó se esforçou muito para fazer com que ela e seus irmãos (meus vários tios e tias) permanecessem unidos ao longo dos anos. Acho que esse esforço deu certo em algum nível. Lembro que ela contava como o tio Hélio gostava de crianças e sempre se fazia presente diante delas. E lembro como ela me contou que o tio Bão visitava regularmente quase todos seus irmãos (meus tios, tias e primos). 
 O amor então parece ser presente. Viver o presente de coração com presença... ou seja com consciência. 
 O amor se faz inesquecível quando olho para esse meu passado. E quando tive medo que ele acabasse no futuro, Ele se manifestou de um modo imortal, provando-se mais absoluto que o espaço/ tempo... mas isso eu já não consigo explicar em um mero texto. 
 Se amar é estar presente e o amor provou-me sobreviver à morte do corpo, o presente independe do espaço e de nossa percepção... o que importa é viver esse amor. Quando não amamos estamos incompletos então talvez por isso Jesus centrou seus ensinamentos no amor. Talvez por isso Platão afirmou que os deuses chamam o amor de "o alado"; que nos eleva ao "além céus" (hiper ouranos)... 
Devemos nos manter presentes e conscientes... pois amor não é só gostar e nem simplesmente querer bem; ele envolve algo que nos tranquiliza... como serenidade. E algo que nos move e não nos deixa desistir... como a esperança.

Seja na memória, ou na psiquê, seja esta a alma ou a mente que não pode ser dividida nem decomposta, o amor sobrevive. 

Observações sobre Timeu; Parte 2

Continuo aqui as observações sobre a obra Timaeus ( Timeu ); (48) O astrólogo Timeu então diz que este universo ordenado (em que vivemos) na...